BIBLIOTECA CAMPESINA - HISTÓRIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS...
Breve Prólogo
Joaquim Lisboa Neto, de quem tive o prazer de conhecer,conviver e aprender muitocom ele, principalmente nas questões políticas em plena ditadura, é de família nobre da cidade de Santa Maria da Vitória, foi um dos idealizadores da mudança de mentalidade politica na juventude santa-mariense. Ledor inveterado de jornais, revistas e livros, possuia uma biblioteca particular em seu quarto, impecavelmente organizada. Segundo Kadinha e Cesinha, seus primos, quando alguém tinha que pegar livros nas estantes dele, precisava deixar marcados, locais e posições de onde se tirava o livro, senão ele percebia. Kinkas, seu apelido de infância, juntamente com Jairo, James, Paulo Bahia, Izoterano (Té) Cesinha, Fernando de Abílio, Titinho, tinham o hábito de vasculhar as carentes bibliotecas da cidade, como a Municipal e a do IBGE em buscas de livros interessantes para leituras. Mas foi com a realização do sonho de fundar uma casa cultural em Samavi, que a cidade passou a ter o hábito de ir até a biblioteca recém-fundada(Campesina) em buscas de livros bons para a leitura, ou melhor, uma boa leitura.
Recentemente o grande escritor de Carinhanha escreveu-me falando da palestra sobre a cidadania, dada pela Senhora Dona Astéria, na igreja, para os jovens daquela cidade,e, segundo Honorato Ribeiro, dona Astéria , dentro dos seus mais de noventa anos, deu uma palestra espetacular. Dona Astéria é avó de Kinkas e de muitos amigos e colegas meus. Esposa do grande maestro ,Joaquim Lisboa. Não é por acaso que a familia Lisboa é considerada por mim uma família nobre. Dona Astéria, avó de Kinkas, é a prova disto tudo. Estão sempre preocupados com a cidadania das pessoas. Kinkas, você sabe que sempre foi o cara nos anos setenta com os seus ideais. A Campesina, uma realidade que trouxe outras novas realidades, já que novas bibliotecas surgiram na cidade. O hábito da leitura começou nas escolas com a professora Arturzita Santana, e você fez com que a população em geral tomasse gosto pela leitura. Abraços, velho Kinkas.
Joãozinho de dona Rosa........
Santa Maria da Vitória
Joaquim Lisboa Neto
"A história das lutas camponesas conta com um acervo literário de extrema importância no coração do Vale do Rio Corrente, na Bahia. Situada no município baiano de Santa Maria da Vitória, a Biblioteca Campesina completou 27 anos de existência no dia 15 de fevereiro deste ano e sua sede, que não passava de um cômodo medindo um metro por dois, agora é uma casa de três ambientes, recheada de livros relacionados com o dia-a-dia de seus leitores - agricultores familiares, assentados e moradores das zonas periféricas da cidade.
Segundo o curador da biblioteca, Joaquim Lisboa Neto, são mais de vinte mil livros - o maior acervo sobre a temática rural -, uma videoteca com mais de quatrocentos filmes [VHS], e um público mensal de mais de mil pessoas em períodos letivos.
A idéia de criar uma biblioteca independente - ou autogestionada - surgiu no início de janeiro de 1980, em uma reunião de ativistas que editavam o jornal O Posseiro com o sociólogo, professor da Universidade Federal de Rondônia (Unir) e santa-mariense Clodomir Santos de Morais, então conselheiro técnico da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Joaquim explica que o professor Clodomir Morais tinha vindo a Santa Maria da Vitória para rever amigos e parentes e visitar o túmulo de seus pais, falecidos quando ele estava exilado por conta da ditadura militar de 1964. "Aproximadamente um mês após o encontro, inaugurávamos a Biblioteca Campesina, num espaço de 2 metros por 1, três caixotes de maçã, que serviam como estantes, e uma tosca e diminuta mesa, que estava à espera do caminhão do lixo", conta Joaquim, que também é responsável pela Casa de Cultura Antônio Lisboa de Morais, fundada em março de 1982 e que abriga a Campesina.
Enquanto O Posseiro incitava a fúria dos poderosos da região - vários deles, segundo Joaquim, eram grileiros -, a Biblioteca Campesina despertava o interesse pela leitura nos moradores mais pobres. "Posso dizer que 90% dos nossos leitores e pesquisadores são pessoas das classes menos favorecidas de Santa Maria da Vitória", afirma o curador.
Hoje a biblioteca já conta com títulos bem diversificados e com "filhas" espalhadas em Mocambo, zona rural de Santa Maria da Vitória, e nas cidades de Joaquim Nabuco (PE), Cubati (PB) e Itaquaquecetuba (SP). São locais que recebem apoio da Campesina, com livros e a logística da autogestão."
Texto adaptado da edição nº 161 de 18 a 24 de novembro de 2002 do NEAD
"CLODOMIR MORAIS: UMA TRAJETÓRIA DE LUTA EM FAVOR DOS EXCLUÍDOS"
Por Joaquim Lisboa Neto*
Nasceu em Santa Maria da Vitória no dia 30 de setembro de 1928, onde iniciou seus estudos no curso elementar.
Fez os cursos ginasial e colegial em São Paulo, onde também trabalhou na agricultura e na indústria de montagem de automóveis Ford, e iniciou-se no jornalismo trabalhando nos diários A HORA e O SPORT. Iniciou-se, também, na atividade política de esquerda, juntamente com o pintor Luis Enjorras Ventura, que mais tarde se transformou num famoso muralista da UNESCO; o educador Dario de Lorenzo, que foi vereador da Paulicéia e que motivou o deputado estadual Abreu Sodré para, a exemplo da Missão Econômico-Parlamentar e Cultural criada por Clodomir Morais na Assembléia Legislativa de Pernambuco, levar, na mesma época, a Moscou idêntica missão; Radah Abramo, mais tarde a socióloga da arte; e Fernando Henrique Cardoso, que, posteriormente, chegou a presidente da República.
Em 1950, antes de chegar a santa Maria da Vitória, Clodomir Morais trancou a matrícula do curso de Ciências Sociais que fazia na Faculdade de Sociologia da USP (Rua Maria Antônia, Higienópolis).
De Santa Maria da Vitória, seguiu para Salvador, para organizar o exitoso Congresso de Estudante Secundaristas do Rio São Francisco, realizado em Juazeiro (BA), a fim de impor ao governo Otávio Mangabeira a criação de ginásios na região sãofranciscana. Porém, antes, criou a Sociedade de Trabalhadores de Santa Maria da Vitória (STSMV), inspirada pelo saudoso Manuel Cruz, e que teve como dirigente o escultor Francisco Biquiba dy Lafuente Guarany.
Depois de vitorioso o Congresso de Estudantes Secundaristas, Clodomir Morais fundou e dirigiu, em Salvador, em 1951, o semanário CRÍTICA, o único jornal de oposição ao governo de Régis Pacheco. Este jornal veio preencher a lacuna do diário O MOMENTO, do partido comunista Brasileiro (PCB), que foi assaltado pela polícia a qual também destruiu as oficinas do jornal.
Daí seguiu para o Recife, onde formou-se em Direito pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), e foi repórter dos jornais Diário de Pernambuco, Jornal do Commercio, Diário da Noite, “Jornal Pequeno”, Folha da Manhã, Folha Vespertina e Correio do Povo, além das Rádios Clube e Olinda. Nas décadas de 1950/60, período em que morou na capital pernambucana, foi assessor das Ligas Camponesas e deputado estadual eleito pelo PC de Luiz Carlos Prestes, na legenda do PTB de Getúlio Vargas, de 1955 a 1959.
Três ações exitosas marcaram o mandato de Clodomir Morais na Assembléia Legislativa de Pernambuco, todas elas objetivando a expansão do emprego no Nordeste:
a – Organização e realização do Congresso de Salvação do Nordeste, que deu, logo depois, no surgimento da SUDENE. Deste congresso participaram 1.200 delegados de diferentes classes sociais do Nordeste que, durante uma semana, discutiram tête-à-tête os problemas socioeconômicos dos 8 estados da região.
b – Criou e dirigiu uma ampla delegação parlamentar de Pernambuco e Paraíba aos paises do Leste europeu e outros paises do ocidente europeu a fim de forçar o estabelecimento de relações culturais e comerciais com a União Soviética, Tchecoeslováquia, Alemanha Oriental, Alemanha Federal e demais paises socialistas da Europa e da Ásia, as quais foram possibilitadas nos seis meses do curto governo de Jânio Quadros.
c – Fez a Assembléia Legislativa de Pernambuco aprovar, por unanimidade, o seu projeto de criação do Banco de Desenvolvimento de Pernambuco (BANDEPE). Em tom de brincadeira, Clodomir Morais sempre diz: “Eu sou um lascado em matéria de dinheiro, porém fundei um dos grandes bancos do país.” O papel do BANDEPE sempre foi financiar empreendimentos que possam gerar milhares de postos de trabalho e renda.
Teve os direitos políticos cassados por dez anos e, após dois sofridos anos de prisão em 1962/65, amargou também um exílio de quinze anos no exterior. Através do ato Institucional nº 1, na lista dos cem primeiros cassados pelos militares golpistas, que assumiram o poder em 1964, ocupou o honroso 12º lugar. Exilou-se no Chile, onde atuou no Instituto de Capacitação e Pesquisa para a Reforma Agrária (ICIRA, sigla em espanhol), e logo após, ingressou na ONU (Organização das Nações Unidas), como conselheiro Regional para a América Latina em assuntos de Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural.
Desempenhou suas atividades com tamanha competência que gerou convites de várias entidades internacionais. Trabalhou para várias agências da ONU, a saber: OIT (Organização Internacional do Trabalho), PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), FAO (Agência das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação). UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre comércio e Desenvolvimento), ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) e CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe).
Elaborou e dirigiu projetos de Capacitação em Organização em Honduras, Panamá, Costa Rica, Moçambique, Guiné-Bissau, México, Nicarágua e Portugal, e foi consultor dessas agências para missões técnicas na Europa, América Latina, África e Ásia, nas questões de organização camponesa. Clodomir Morais foi professor residente das Universidades de Rostock (Alemanha), Autônoma de Chapingo-UACh (México) e de Brasília (UnB), onde fundou o Instituto de Apoio Técnico aos Países do Terceiro Mundo (IATTERMUND), instituição que tem como objetivo principal gerar emprego e renda, uma vez que o desemprego constitui o problema mais grave dos países em desenvolvimento. O IATTERMUND tem apoiado o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na formação de quadros de nível de base e nível médio, com os TDC- Técnicos em Desenvolvimento Cooperativo.
Criou a Metodologia de Capacitação Massiva Geradora de Emprego e Renda, aplicada em vários continentes (Américas, Europa, África e Ásia), que resultou na criação de milhares de empresas autogestionárias.
As primeiras edições em português da sua cartilha Elementos de Teoria da Organização foram feitas pelo Núcleo de Educação popular 13 de Maio – NEP e pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), através do Caderno de Formação nº 11, cartilha esta que, ao alcançar 1 milhão de exemplares em 34 paises e em 7 idiomas e dialetos, a Câmara dos Deputados do México fez uma edição especial para a criação do PRONAGER (Programa Nacional de Geração de Emprego e Renda) mexicano.
Foi professor conferencista nas Universidades de Berlim (Alemanha), Wisconsin (Estados Unidos), Autônoma do México, em todas as Universidades Autônomas dos paises da América Central, Panamá, Colômbia e Venezuela, na Universidade “Agostinho Neto” de Angola, “Eduardo Mondlane” de Moçambique, Institutos de Pesquisas Socioeconômicas de Harare, Zimbábue, e de Genebra, Suíça. Nos anos em que esteve na Alemanha Oriental, fez o curso de Doutorado em Sociologia da Organização.
Tem inúmeros livros publicados, alguns deles traduzidos em vários idiomas. Destacamos Dicionário de Reforma Agrária América Latina, Queda de uma Oligarquia, o Reencontrado Elo Perdido das Reformas Agrárias (prefaciados, respectivamente, por Josué de Castro, Barbosa Lima Sobrinho e Osny Duarte Pereira), Elementos de Teoria da Organização (com mais de 200 edições na Europa, África, América e Ásia), Teoria da Organização Autogestionária, A Marcha dos Camponeses Rumo à Cidade, Contos Verossímeis (volumes 1 e 2.) e Historia das Ligas Camponesas do Brasil. O seu primeiro livro publicado, O Amor e a Sociedade, reuniu em cem páginas toda a sua produção de poesias líricas e poemas de protesto e de atuação social. O êxito que teve esta estréia, em 1950 (quando tinha apenas 22 anos), lhe valeu a cadeira de Frei Francisco de Monte Alverne, na Academia de Letras da Cidade de São Paulo, criada nos anos 1930 para albergar os intelectuais menores não ingressados na titular Academia Paulista de Letras.
*Joaquim Lisboa Neto é Coordenador e fundador da Casa da Cultura Antônio Lisboa de Morais/ Biblioteca Campesina, criada em 20 de fevereiro de 1980.
Casa de Cultura Antonio Lisboa de Morais
Rua Cel. Antonio Barbosa, 53
Santa Maria da Vitória - BA
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