São João sem tradição

Enfim, chegou o mês de junho. Como bom nordestino, apaixonado pela rica cultura que emana do povo sofrido, porém, não menos alegre, companheiro e acolhedor, renovo sempre as minhas forças neste mês especial.

O mês junino reserva aquele friozinho gostoso, que sempre pede um forró “acochado” e um licor. É o mês, em minha opinião, da maior e melhor festa popular do Brasil. Que Carnaval que nada! O São João sim deveria ser a festa da Bahia. Se o Carnaval mobiliza 2 milhões de pessoas em 6 dias, concentrados apenas na capital baiana, a festa junina movimenta praticamente todo o estado (sem falar no nordeste brasileiro!), durante um mês inteirinho. O São João é uma festa democrática, onde as pessoas celebram a alegria sem maldade, onde as famílias aproveitam as férias para estar juntas, onde a capital faz o caminho contrário e vai reencontrar suas raízes.

Ai! São João, São João do carneirinho...

Infelizmente, já me sinto saudosista em ver algumas tradições se perdendo. Não faz muito tempo, as fogueiras eram queimadas nas portas dos compadres, as quadrilhas juninas eram formadas pelos parentes, amigos e vizinhos. A música... Ah! A música, esta soava no fole de 120 baixos do Gonzagão, na voz marcante de Dominguinhos, na maestria original do Trio Nordestino, entre tantos outros que se esforçavam para manter essa saborosa linha musical, sem perder a referência. Comidas, brincadeiras e religiosidade compunham o leque de atrações da festa do interior.

Recentemente, em entrevista a alguns veículos de comunicação, Domingos Leonelli, secretário de turismo do estado, informou que o São João da Bahia está sendo “vendido” em grandes feiras de turismo pelo Brasil a fora. A intenção do Governo é consolidar a festa como um dos principais produtos turísticos da Bahia. Esse empenho é laudável, claro, porém, parafraseando Paulinho da Viola: “tá legal, eu aceito o argumento, mas não me altere o samba tanto assim”. É preciso, urgentemente, que se pense em “vender” a tradição, e não descaracterizá-la, em detrimento aos anseios gananciosos de um setor que busca sugar o sangue do estado (o nosso sangue, diga-se de passagem!).

Na “rabeta” desse comércio, estão os que se aproveitam para inserir elementos que nada tem haver com a festa que se propõe ser “vendida”. Palcos gigantes, som estridente, luzes, axés, pagodes, trios elétricos, sem falar no pseudo forró, o plastificado, que aproveita a oportunidade para levar toda a grana da tradição local. Vale lembrar a polêmica que está ocorrendo em São Francisco do Conde, onde a imprensa denunciou que apenas o cantor Luan Santana custará para os cofres públicos a bagatela de R$ 500.000,00 (a prefeitura rebate, afirmando que irá pagar “somente” R$ 260.000,00). Segundo a prefeita de lá, tudo feito conforme a lei.

Tudo bem, pode até ter sido legal, mas um valor desses, pago a um cantor midiático, que em nada representa a cultura nordestina do São João e não irá contribuir culturalmente em absolutamente nada para os munícipes é, no mínimo, imoral.

Em nossa Camaçari não é diferente. A desculpa é sempre a mesma, o povo precisa de atrações “boas”, de nome nacional. Eu prefiro crer no que o escritor Ariano Suassuna sempre fala: o povo precisa é de filé, só assim largará o osso. O filé da cultura, do conhecimento das nossas raízes e da valorização de nossa identidade nordestina. Não é coisa impossível pensar que poderíamos fazer uma festa voltada à tradição. Bom exemplo disso é o que aconteceu este ano no estado da Paraíba, onde o governo, através do secretário estadual de cultura, Chico César, determinou que os recursos disponíveis para investimento na festa junina fossem destinados a quem, evidentemente, mantém viva a tradição da própria festa, sem descaracterizá-la. Por tanto, nada de aviões, limões, calcinhas e mulheres perdidas, apenas gente da terra seria contratada. Antes que falem em censura, qualquer casa de show ou boteco paraibano poderá contratar e oferecer estas atrações para os turistas. Não é proibido! É semelhante ao que a Deputada Estadual Luiza Maia, em peleja louvável, quer tornar lei no estado, não mais permitindo que o dinheiro público financie bandas que tocam músicas que denigrem a imagem da mulher. Isto não é censura, é apenas uma forma de dizer: “ninguém mais vai me pedir a patinha, bater na minha cara e depois mandar eu botar a ‘boceta’ no pau!”.

Lamentavelmente, não é apenas Camaçari ou São Francisco do Conde que sucumbiu a este modelo ordinário de se comemorar o São João. Assim como acontece nas outras festas tradicionais do município, como a lavagem de Arembepe, em uma única edição, as estrelas da mídia vêm em nossos palcos e levam um montante de dinheiro que daria para sustentar todos os grupos de cultura popular de Camaçari, durante toda a gestão do Prefeito Caetano. Faça a conta! Trocamos duas horas de show pirotécnico, por oito anos de Espermacete, por exemplo.

O que nos resta é torcer para que a balança seja ao menos equilibrada. Enquanto não vemos as coisas melhorarem no que diz respeito aos investimentos na preservação e manutenção de nossas tradições populares, vamos pegar o caminho da roça, dançar um xote ao som do Lua, beber um licor e estourar alguns traques. Quem sabe assim, não pulamos essa fogueira.

Viva São João!

Artigo publicado no Portal Eletrônico Camaçari Agora, em junho/2011: http://www.camacariagora.com.br/colunista.php?cod_colunista=17&cod_coluna=107

Salve,

Caio Marcel admcaio@gmail.com é administrador de empresas e formado em capoeira regional, pelo Grupo de Capoeira Regional Porto da Barra. Também é responsável e mantenedor do Projeto Social Crianças Cabeludas, no bairro do Parque das Mangabas, Camaçari.