Carnaval de Maragojipe: Camaçari desceu!
Pelo segundo ano consecutivo, pude conferir de perto a alma viva do carnaval da Bahia. Maragojipe é, sem dúvida, o lugar onde ainda podemos brincar a verdadeira festa da alegria. Uma folia democrática e livre de cordas, sem violência, feita pelo povo maragojipano.
O carnaval de Maragojipe é uma celebração popular, fruto de um arraial que tem consciência de sua riqueza histórica e de seu patrimônio cultural, que não se rendeu às grandes correntes modistas. As “estrelas” do carnaval baiano não têm vez por lá. Este ano, apenas o maragojipano Jau foi um nome midiático convidado (um convite pago pela Bahiatursa. É bom lembrar!). Todavia, deselegantemente, não compareceu à festa. Ademais, pequenas charangas, orquestras de sopro, cantores tradicionais como Valtinho Queiroz, Armandinho e Carlos Pita, além de muitas bandas regionais, grupos de percussão e artistas anônimos foram os comandantes da alegria.
As ruas de Maragojipe explodiram em cores, com sua gente fantasiada, suas caretas, mascarados, transvestidos, mini blocos, charangas e bandinhas chupa catarro. Um banquete para as dezenas de fotógrafos profissionais e amadores que aproveitavam para não perder nenhuma cena. Turistas de outros países e de todo o Brasil, gente de cidades circunvizinhas e, como não poderia deixar faltar, de Camaçari também. Impressionou-me a quantidade de camaçarienses na festa momesca à beira do cais. Logo pensei: “será um suspiro de saudade pelos carnavais antigos, ou de desesperança por não poder matar a fome de alegria em casa?” Figuras conhecidas da atual gestão municipal juntavam-se às dezenas de meros foliões, filhos da árvore choradeira, para degustar o banquete popular. Levados pelos braços do Rio Paraguaçu, nossos conterrâneos pularam felizes, talvez embalados pelo sonho de um dia desfilarem pelo circuito do revivido Rio Camaçari, afinal, o carnaval desperta em todos nós os mais impossíveis e belos devaneios.
Poderia falar das falhas operacionais que pude perceber em Maragojipe, mas não irei fazê-lo em tributo ao povo daquela terra, verdadeiros mantenedores de suas tradições. Como filho adotivo de Camaçari, quero fazer um contraponto entre as boas lições que vi lá e o que sofremos aqui, em se tratando de preservação da cultura, pois, vendo tudo isso, não pude deixar de me entristecer com os jardineiros da nossa árvore...
Ao analisar a grade de atrações da Lavagem de Arembepe, notei o mesmíssimo formato: “para os que vêem de fora o ouro. Aos da casa, migalhas”. Milhões certamente serão gastos com bandas que nada contribuem para a nossa história cultural; e que daqui apenas sugam o nosso mel. No ano passado escrevi algo sobre isso e me refutaram afirmando que: “o povo gosta é disso”. Ora, assistindo o espetáculo popular de Maragojipe, afirmo que o povo é (des)educado para isso, ou aquilo. Se a gente não ensina que as manifestações devem ser valorizadas e enaltecidas em nossas festas populares, como podemos afirmar que o povo apenas gosta do que vem de fora? Destruir a identidade local, trazendo a onda global do momento é, em minha humilde opinião, uma das piores formas de dominação. É preciso manter o povo embriagado, sem consciência do pleito que se anuncia e muito menos do seu papel na sociedade – É nisso que devo crer?
Quanto será gasto com Parangolé, Jau, Harmonia do Samba, Magari Lord entre outros? Quanto vale os representantes da cultura local, verdadeiros responsáveis pela lavagem de Arembepe? Quem abrirá essa caixa preta? Antes que me atirem as pedras, enfatizo o meu apreço por algumas dessas atrações, todavia, não posso concordar com o enforcamento dos artistas e grupos culturais locais em prol de um carnaval formatado para que alguns lucrem altas cifras, em detrimento aos grupos “de casa” que fazem, com muito sacrifício, a alegria dos camaçarienses o ano todo e que recebem sobras por isso.
Camaçari desceu para ver o carnaval popular de Maragojipe. Lá pudemos ter a certeza de que é possível se fazer uma festa local, sem atrações milionárias, valorizando a prata da casa, educando o povo a manter sua identidade, não se curvando à máquina dominadora, pois um dos grandes patrocinadores da festa é próprio povo, que se veste em suas fantasias originais e brincam o carnaval sem amarras e abadas. A gestão pública de Maragojipe entende esse recado e apenas monta a estrutura dentro do exigido pelos munícipes e visitantes, a saber: pouco estrelismo! Quem tem que brilhar (e brilha mesmo) é o povo. Isso ficou claríssimo!
Resumo da ópera carnavalesca: o investimento em Maragojipe é feito de dentro para fora, e não de fora pra dentro.
Ajayô,
Caio Marcel (admcaio@gmail.com) é administrador de empresas e formado em capoeira regional, pelo Grupo de Capoeira Regional Porto da Barra. Também é responsável e mantenedor do Projeto Social Crianças Cabeludas, no bairro do Parque das Mangabas, Monte Gordo e Machadinho, em Camaçari.
Texto publicado no Portal Eletrônico Camaçari Agora, em 24/02/2012: http://www.camacariagora.com.br/colunista.php?cod_colunista=17&cod_coluna=162