Fausto de Aguiar Cardoso

*** Dedico esta página à minha amiga, a professora, memorialista e Imortal da Academia Sergipana de Letras, Ana Maria Fonseca Medina.

A voz de Fausto Cardoso ainda ecoa na praça central de Aracaju, onde foi assassinado, e se espraia ininterruptamente por todo o Estado de Sergipe. Tornou-se esse homem um mito de tal porte entre os sergipanos que se sentem dele íntimos, mesmo os que pouco ou coisa alguma leram ou conhecem sobre ele e suas realizações e representatividade cultural que honram Sergipe e o país. A estátua do tribuno Fausto Cardoso (obra de Lorenzo Petrucci, 1912) ganha vida e conosco participa de tudo o que acontece naquela praça onde ele morou e que recebeu o seu nome após a tragédia, um crime que até hoje é motivo de tristeza e fonte de indagações.

“Bacharel Fausto de Aguiar Cardoso, filho do Tenente Coronel Felix Zephyrino Cardoso e D. Maria do Patrocinio de Aguiar Cardoso, nasceu no engenho S. Felix, municipio de Divina Pastora, a 22 de Dezembro de 1864 e faleceu em Aracaju, a 28 de Agosto de 1906. Depois de iniciado em portuguez na Villa Natal, continuou seus estudos em Maroim, Capella, Aracaju, e no Collegio 'Sete de Setembro', acreditado estabelecimento de ensino na Capital da Bahia, onde concluiu o curso secundario. Frequentou depois a Faculdade de Direito do Recife desde 1880 a 28 de Março de 1884, em que recebeu o grau de Bacharel em sciencias juridicas e sociaes”.

A questão que envolveu Fausto Cardoso e o padre Olympio Campos é das mais comentadas e se tornou motivo de estudos entre historiadores, juristas e outros intelectuais sergipanos. Trata-se, principalmente, nestas discussões, sobre os conflitos políticos que culminaram com o assassinato de dois homens cujas estátuas pontificam, uma em cada de duas praças vizinhas (a Praça Fausto Cardoso e a antiga Praça da Matriz, depois chamada de Praça Olympio Campos e hoje, o Parque Teófilo Dantas) onde, enfim, parecem o deputado e o padre concordar.

A estátua de Fausto Cardoso, de frente para a paisagem dominada pelo Rio Sergipe, o braço levantado em gesto eloquente e, na mão, o chapéu. A imponência do monumento reflete a personalidade de Fausto que, segundo Acrísio Torres, era

“(...) um espírito singular, de extremos. Passava da arrogância desmedida, em provocar lutas, à doçura da clemência, em conceder perdões; do silêncio do gabinete, onde era filósofo, lançava-se ao tumulto da praça pública, onde era revolucionário”.

Esses carisma e determinação ilimitados de Fausto Cardoso impregnam a frase que pronunciou pouco antes de morrer e que foi registrada por Armindo Guaraná: “Bebo a alma de Sergipe. Morro, mas a vitória é nossa, sergipanos". Além do que, diz Guaraná: "O homem que tombava em defesa de suas ideias não era um novato no enfrentamento com adversários poderosos, tinha a vida marcada pela renovação intelectual, jurídica e política do Brasil”.

Tentando ver a face desse Fausto que também foi poeta, destaque-se, neste texto, o que disse Acrísio Torres quanto à personalidade que marcou a história de Sergipe em tantos setores:

“No jornalismo, sua pena foi o estilete dos tiranos. Tomou de ‘assalto’ todas as tribunas, a acadêmica, a judiciária, a dos comícios, a parlamentar, nas quais empolgava, concentrava as atenções, as aclamações, os aplausos. Era o tribuno invejado, invejável”.

“(...) Filósofo, historiador, jornalista, tribuno, poeta, revolucionário. Raro na sua originalidade. Tocado pelo gênio, tal era o vigor e arrojo de seus vôos, só impedidos mesmo por uma bala de carabina”. (...)

“(...) Os soldados penetraram o palácio, no momento em que Fausto, sem medo, sem receio, como se sentisse que ia (ou devia?) morrer, gritou da escada: - ‘Atirem, bandidos! ’. Um tiro foi disparado. Era o fim de Fausto. Melpômene triunfava sobre Calíope. Assim morreu Fausto Cardoso. Na verdade, uma morte trágica, ocorrida num lance de aventura, nunca antes ocorrida em Sergipe, que, certamente, nunca mais se repetirá, muito raro mesmo na história política da nação brasileira. Pesado luto caiu sobre Sergipe. Em todo o país, a imprensa lamentou o trágico sucesso. No Rio, A Tribuna dizia que Fausto ‘foi um organismo permanentemente em ebulição, uma alma de fogo, e o fogo que lavrava nela acabou por devorá-la”.

“No senado, Coelho e Campos dizia ser ‘infeliz minha terra natal, e não sei qual mau fado a persegue’. ‘A fatalidade, lamentava o senador sergipano, parece haver aberto as asas sobre Sergipe’. E, aludindo à morte de Fausto, disse que o considerava ‘um louco sublime, um gênio, um grande coração, glória de minha terra e glória de meu país”.

Luís Antonio Barreto auxilia na composição dos traços de Fausto Cardoso, ao afirmar que o político sergipano foi considerado por outros estudiosos como um espírito

“(...) dominado pelo sentimento revolucionário, acreditando que aquela era a oportunidade de banir do Poder as castas dominantes, que desde o Império controlavam as administrações. Um tiro desfechado pelo Ajudante de Ordens do general Firmino Rego atingiu Fausto Cardoso no ventre. Com ele morreu um conhecido saveirista de Laranjeiras, Nicolau Nascimento, outros saíram feridos, no tumulto generalizado daquele dia. Na casa do coronel José Cardoso Fausto Cardoso pediu água, pouco tempo depois morreu”.

A estátua em bronze, de Olympio Campos (obra de Rodolfo Bernadelli, 1916) representante do outro lado da questão política entre o partido dos cabaús e o dos pebas, está ali, no Parque Teófilo Dantas, posta de costas para a Catedral Metropolitana de Aracaju, com o rosto voltado para o leste, como se dirigisse o olhar por entre as palmeiras imperiais na direção do seu desafeto político.

“No dia 8 de setembro de 1912, a praça da República recebia nome e a estátua de Fausto Cardoso, inaugurada pelo presidente José de Siqueira Menezes, ao recordar (...) das palavras de Gumercindo Bessa. E, em 1916, o presidente Oliveira Valadão presta homenagem a Olímpio Campos, com praça e monumento. Os dois nomes seriam tomados como patronos de dois poderes: Fausto Cardoso da Assembleia Legislativa, Olímpio Campos do Palácio do Governo. Acenando com o pequeno chapéu-do-Chile, Fausto Cardoso foi imortalizado pela arte do escultor Lourenço Petruci e deixou no imaginário a expressão da sua consciência: ‘A liberdade (é a coisa que) só se prepara na história com o cimento do tempo e o sangue dos homens”.

Aponta na palavra do historiador Adailton (2011), cidadão divina-pastorense, mais um detalhe importante e revelador da personalidade de Fausto Cardoso que recebeu o apelido de “cidadão irrequieto das repúblicas estudantis”.

Buscando avivar as linhas da face do poeta, encontramos algumas cores em outras palavras ainda que dirigidas ao político. Desta vez nas de Giliardi da Silva Prado, da Universidade de Brasília (2009), que baseou sua dissertação de mestrado intitulada Batalhas da memória política em Sergipe: as comemorações das mortes de Fausto Cardoso e Olympio Campos (1906-2006), em autores, a exemplo de Terezinha Oliva, Zózimo Lima, Cupertino Dantas, Côrtes Duarte, Manoel Cabral Machado, José Calazans. Assim foram pontuadas características de líder popular e carismático, “homem de cultura poliédrica”, um erudito de imaginação fogosa cuja dicção enfeitiçava e uma expressão fisionômica que atraía e empolgava; e comparado a Cícero e a Demóstenes, uma espécie de “Danton nacional”. Ainda mais um homem arrebatado e irreverente, um épico sergipano, sonhador, mártir e heroi. Foi esse homem marcante sob tantos aspectos que também teve tempo para dedicar-se às musas, para cultivar a poesia e, inclusive, ocupar-se com a forma clássica do soneto.

Mas o que interessa a este texto não é mesmo o forte e influente professor, tribuno, político, advogado, Fausto Cardoso, mas ensaiar um pequeno passo na direção daquele pouco estudado em seu vigor poético, autor dos dois sonetos incluídos a este artigo: O Amor e Taças.

O AMOR

Eu sou o Amor, o Deus que a terra inteira gaba!

Vivo enlaçando os sóis pelo Universo afora,

Dos ódios expurgando a venenosa baba,

Que os mundos desagrega, espalha e desarvora.

O tempo tudo avilta; a morte tudo acaba;

E o louro sol jamais a murcha flor colora;

Novos mundos, porém do mundo que desaba

Faço surgir e salto em rutilante aurora!

Caso estrelas no céu e corações na terra;

Da treva arranco luz; do nada arranco vida,

E crivo de vulcões o gelo que a alma encerra!

Mudam-te o peito em mar meus lúbricos desejos,

E tua mente ondeia e fulge colorida,

Como raio de luz entre vergeis de beijos!

O poeta Fausto Cardoso assume o eu poético e personifica o Amor. Usa da linguagem emotiva assim como se desejasse ardentemente sentir do que o Amor é capaz e aos outros transmiti-lo em seu poder e brilho. O Amor dito por Fausto é também arrebatador como o próprio poeta, capaz de unir astros e de curar o ódio. Trata-se de uma visão poderosamente romântica que centraliza a força indomesticável desse sentimento que tem, a seu juízo, a capacidade de promover casamentos entre os astros e das trevas arrancar a luz e de incandescer a neve nos corações humanos. O cuidado formal se revela nas rimas e na melodiosidade imposta pela acentuação e pelo ardor que faz o leitor imaginar o poeta declamando a sua obra.

TAÇAS

Deslumbrado cheguei chorando à terra, um dia;

E, do lauto festim da vida, achei-me à mesa;

Sempre libei cantando a taça da Alegria

Embebedou-me sempre o vinho da Tristeza.

Esplêndidas visões trouxeram-me à porfia

As ânforas do Amor; e de volúpia acesa,

Minha boca de boca em boca um mosto hauria,

Que de tédio me encheu por toda a Natureza.

Dá-me a velhice a taça; eu das paixões prescindo;

E, ébrio, ascendo a espiral de um sonho delicioso,

No vinho da Saudade achando um gosto infindo...

Parece-me o passado um rio luminoso,

Onde vogo a rever, pelas margens florindo,

A dor, que ao longe tem as seduções do gozo!

Em Taças, igualmente culto e melodioso, o poeta Fausto Cardoso retorna ao tema do amor. Desta vez diz da profusão de sentimentos que lhe tomam o espírito diante do esplendor da vida. A composição dos contrastes nas figuras trabalhadas cria um clima de rememorações e de reflexões sobre as emoções que viveu, demonstra a inquietude da alma e, em dois quartetos e dois tercetos o seu engenho e arte logram expor em contundente lirismo diferentes aspectos da existência _ desde o nascimento à realidade da taça contendo o vinho doloroso da saudade.

Este é um texto muito breve no qual se tenta ressaltar, não o deputado flamejante, mas, de sob a volúpia de seu gesto dramático, ao abrir o peito para a morte, encontrar um mínimo do poeta.

REFERÊNCIAS

http://www.manuscritosconsultoria.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=60&Itemid=27

GUARANÁ, Armindo. Diccionario Bio-Bibliographico Sergipano: Rio de Janeiro, 1925. (Biblioteca Ephifânio Dorea - Aracaju-SE).

Do Livro “Cenas da Vida Sergipana, 2 – Acrísio Torres – SERGIPE/CRIMES POLÍTICOS, I”, Thesaurus Editora, prefácio de Orlando Dantas, páginas 13/14. http://clovisbarbosa.blogspot.com.br/2010/08/o-crime-de-fausto-cardoso.html

Do Livro “Cenas da Vida Sergipana, 2 – Acrísio Torres –SERGIPE/CRIMES POLÍTICOS, I”, Thesaurus Editora, prefácio de Orlando Dantas, páginas 23/25.

http://clovisbarbosa.blogspot.com.br/2010/09/o-crime-de-fausto-olimpio-repercussoes.html

http://www.infonet.com.br/luisantoniobarreto/ler.asp?id=26864&titulo=Luis_Antonio_Barreto

http://fontesdahistoriadesergipe.blogspot.com.br/2011/06/divina-pastora-sergipe.html

http://repositorio.bce.unb.br/bitstream/10482/4060/1/2009_GiliardSilvaPrado.pdf

taniameneses
Enviado por taniameneses em 22/03/2012
Reeditado em 22/03/2012
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