Língua
A abertura oferecida pela Web no sentido de que todos possam se expressar confere às novas gerações um direito que foi negado a gerações anteriores. Tantas vezes passaram sobre nossas redações a miserável caneta vermelha em nome do purismo linguístico. O purismo linguístico, convém ressaltar, não resiste à investigação científica e é irmão gêmeo da ideia nazista de purismo racial. Tantas outras vezes fizemos o mesmo defendendo algo de que pouco sabíamos e pouco ainda sabemos. Crianças, jovens e adultos foram vítimas de nossa sanha excludente, uma doença insidiosa e que nos deixou sequelas.
Nada pode ser, entretanto, mais fácil e humano de que veicularmos apenas duas posições: 1. Olhar de forma inclusiva e tolerante tanto para a oralidade quanto para a escrita simples, sofrida e cheia da alma daquele que escreve; 2. Dizer aos nossos alunos e a todos em geral que existe uma língua cuidada e que dela precisamos ou não seremos aceitos em determinados locais da sociedade. As duas formas básicas da linguagem são igualmente merecedoras de respeito.
Li, neste início de domingo, textos de um dos nossos colegas de site, um jovem poeta de apenas 18 anos de idade e, novamente, estes pensamentos tomam conta de mim. E me pergunto se vale a pena continuar com o comportamento dos mestres que sentiam prazer em encontrar palavras escritas em desacordo com as normas gramaticais. E me pergunto que tipo de ser humano seria eu se me determinasse a “corrigir” os textos do poeta _ e que, por sinal, têm bastante conteúdo poético.
Ora, se a Justiça se renova e cria penas brandas e outras do tipo alternativas para alguns tipos de delitos, o que nos impede de renovar o olhar sobre as leis da Gramática Normativa? Não seria assim um reposicionamento mais humano, tolerante e inclusivo? Até cabe recordar daquela passagem bíblica que diz haver mais alegria no céu por uma ovelha desgarrada que é reconduzida ao rebanho do que pelas outras salvas.
Por que crimes contra o ser humano e também contra os animais e a natureza merecem uma reconsideração e é tão difícil compreender os motivos de ordem sócio-histórica que fazem com que indivíduos tenham um desempenho diferenciado de outros no que se relaciona ao uso da língua padrão oficial? Aliás, por que se considera um crime falar naturalmente? Por que é uma infração tão grave escrever fora dos trilhos da língua da dominação? Finalmente, pergunto: por que pessoas acreditam que ser possível enquadrar, mutilar e engessar a expressão humana?
Nada contra o padrão, mesmo porque esse padrão é condição imperiosa para o exercício da minha profissão. Nada contra o popular, o natural, mesmo porque a simplicidade e a inocência da expressão popular são de inquestionável beleza. E não me venha dizer que estou me esforçando para, neste texto, usar o padrão formal, pois também escrevo no padrão informal e com o mesmo prazer.
Não ministro aulas de língua portuguesa na cama, no banheiro e nem em outros ambientes íntimos. E, por falar em intimidade, é nela que solto o verbo conforme fazemos nestas bandas maravilhosas de muito amor ao despojado, ao traje esportivo da linguagem.
Imagine, por outro lado, se seria possível iniciar o diálogo com crianças e adolescentes usando a linguagem formal. Este tipo de comportamento linguístico gera um efeito contrário, afasta de nós esses jovens, pois eles têm um padrão peculiar tanto da oralidade quanto da escrita.
O papel do professor moderno é, principalmente, desconstruir esse universo preconceituoso e abrir as portas para as diversas manifestações da comunicação humana, inclusive as línguas estrangeiras, a Libras, a linguagem da moderna tecnologia. Vivemos neste planeta e nele lutamos pela sobrevivência, nele temos filhos e netos e existe o risco de se criar um fosso entre nós e esses entes queridos. Mais uma vez todas as honras ao Paulo Freire que propôs pensar certo e com o mundo conversar, dialogar.
*Deixo aqui um abraço pra vc, meu leitor, porque estou de saída para um almoço em um povoado. Lá eu vou falar igualzin a eles. Beijos.