O Cristão
Outra vez estive em Campina Grande (PB) entre participantes de mais um daqueles encontros para a promoção de uma nova consciência, o 21º, mesmo que de nova tal consciência não tenha nada.
A não ser para aqueles que estão nascendo ou renascendo agora, em qualquer idade – já que tal ressurreição se processa sempre natural e continuamente – essa nova consciência é símbolo de que, agora, transcendendo o que foi apreendido por nós sobre a existência do Deus-único, você possa perceber o que perceberam alguns que, malgrado a “novidade” de toda essa consciência para recém-nascidos, estiveram sobre este mundo desde muitos milênios atrás.
Interessados basicamente nas manifestações ou apresentações formais do que se reconhece como “o Espírito” ou, mais acertadamente, “a Vida”, os encontros, centrados na questão do respeito à diversidade, trazem anualmente à Paraíba os mais variados representantes dos homens e das mulheres de boa vontade espalhadas pelo Brasil, estando às vezes entre eles personagens realmente inusitados.
Entre um budista, uma representante da cultura africana, um membro do Santo Daime, uma sacerdotisa xamã e um professor estudioso da cultura hindu Hare Krishna, o pastor presbiteriano fluminense Alexandre Cabral foi atração à parte.
Munido de muita informação, e da natural sedutora desenvoltura carioca (mesmo que, aos olhos de muitos, ela esteja aparentada com os atributos do demo), ao mesmo tempo transbordando simpatia e amabilidade, o pastor, ao contrário de Jesus (“o verbo tornado carne”), foi uma verdadeira máquina de transformar o que sente cada célula que forma suas carnes em verbos!
E se deu bem, já que as palavras saíram de sua boca e pareciam nos atingir como dizem atingir corações as flechas de Cupido!
Quando tudo terminou, abriu-se à platéia o direito de fazer algumas perguntas aos palestrantes, sendo-nos informado que não poderíamos fazer qualquer discurso introdutório à pergunta, já que, assim, correríamos o risco de começarmos outras palestras.
Em meio aos ouvintes, um senhor fez exatamente o que não deveria ter feito. Interrompido pelo presidente budista da mesa, então, que lhe pediu pacientemente para que ele fosse “curto e grosso”, o senhor disparou:
- Gostaria de saber por que os senhores estão aí se tudo isto é mentira.
Houve um breve silêncio na platéia e todos os palestrantes se olharam como a se perguntar onde estava a verdade no que verbalizara as carnes do velho ateu.
E aí foi a vez do pastor Alexandre Cabral se manifestar a nos esclarecer que sim, que o velho ateu tinha mesmo razão: tudo ali era uma grande mentira. Mas que mentira agradável e necessária era a tornar nossas vidas mais leves e nos ajudar a encontrar motivos a procurar melhores meios de amparar tantos desesperados, espalhados pelo mundo.
O velho ateu já tinha ido quando o pastor cristão encerrou mais uma sessão de seu talento de sedutor comunicador, recebendo outra vez muitos aplausos apaixonados de todos.
Não que eu tenha me apaixonado por ele, como pareceu estar toda platéia que, no fim, o aplaudiu de pé entusiasticamente. Nem mesmo quando ele se ajoelhou diante de mim e me beijou a mão, depois que lhe dei um exemplar de meu livreto “Sobre Deus & eus” – embora já saibamos o que certos beijos possam representar.
Entre citações e dizeres de muitos filósofos, cristãos e ateus, numa de suas histórias o pastor Alexandre Cabral contou aquela da serpente que, para contrariar toda diversidade reinante entre os pássaros e seus cantos, determinou que somente o urubu cantaria, o que ocasionaria o fim de todos os belos trinados existentes, já que urubus não cantam.
E então, para dizer sobre a necessidade do humor e da descontração no tratamento com coisas sérias, elementos chave do estilo de sua (momentânea?) pregação, o pastor disse que, ao saber do acontecido, Deus, irritado, declarou:
- Puta que pariu! Essa serpente tá me enchendo, porra!
Risadas seguidas de aplausos vieram à tona e então, em meio a tanta coisa antiga, o pastor me pareceu ser mesmo, entre todos ali, um novo representante daquela velha voz que clama no deserto.