Por que rimos?
POR QUE RIMOS?
É comum ouvirmos que rir é o melhor remédio ou que aquilo que não se pode dizer claramente pode ser expresso através do riso (alegorias). Mas por que quando precisamos tratar de assuntos sérios o melhor caminho e que causa menos impacto é revesti-los de humor?
O riso é inerente ao ser humano, já dizia Bergson, não há comicidade fora do que é propriamente humano, pois para rir, é necessário que as atenções estejam voltadas para os homens ou seres, coisas, objetos, desde que se assemelhem a humanos. Assim é possível imobilizar a sensibilidade, exercer só a inteligência a fim de ‘corrigir’, porque quem ri, reprime aquilo que perturba a estrutura social, afirma Freud.
A partir desse princípio, nota-se claramente que o humor gravita em torno das diversas manifestações artísticas como música, teatro televisão e literatura, assumindo funções em cada um delas. Numa obra literária, a linguagem só consegue engendrar efeitos humorísticos porque é obra humana e não só permeia, mas constitui o lugar sócio-cultural do indivíduo.
O homem medieval também utilizava o humor para marcar desvios e satirizar aquilo que era considerado canônico. As festas religiosas possuíam aspectos cômico, popular e público e se diferenciavam, nitidamente, das cerimônias oficiais, sejam religiosas (as consideradas sérias) ou do estado.
Verifica-se também, na arte escrita do final do século XX e do século XXI, a presença constante da sátira através da ironia e o humor. Ora se enunciará o que deveria ser, fingindo-se acreditar ser precisamente o que é. Nisso constitui a ironia, já o humor é descrito de maneira contrária, pois o que é será apresentado, dissimulando que é assim é que as coisas deveriam ser. Dessa forma, o humor tem espaço garantido, na contemporaneidade, pois a comédia situa-se muito mais perto da vida real que o drama e devido a pluralidade de discursos, gêneros e mídias.
Segundo o crítico literário José Fernandes, a ironia é a expressão de um estado de ânimo que reclama a ordem e a justiça, arrancadas à força do indivíduo ou da sociedade “Não o riso fácil, aberto; mas o riso das entrelinhas, apenas sugerido por jogos de palavras ou de situações em que se colocam pessoas ou entidades que instauram o caos social em confronto com o bom-senso.”
Ao analisar o humor, três aspectos são incontestavelmente realçados a partir das teorias e estudos sobre o assunto. São eles: a incongruência, a superioridade e o alívio. Segundo os princípios do humor, definidos por Raskin, a incongruência é um dos pressupostos para a construção de textos de humor, mas vale ressaltar que a incongruência do riso não deriva apenas do desvio do raciocínio lógico (quebra de expectativa), mas do fato de esse desvio fazer sentido no contexto específico do texto.
Registrando que a noção de superioridade seria qualquer efeito, intenção ou causa (anti) social que o humor possa ter, Sigmund Freud e Henri Bergson reconheceram a superioridade como inerente ao humor, pois o riso é uma forma de julgarmos o outro, demarcando uma relação de poder e, claro, superioridade. Freud foi o principal teórico do humor a associar o riso à sensação de alívio. Para o psicanalista, o ser humano reprime diariamente suas raivas e ansiedades e só assim consegue viver em sociedade, todavia se essa “barreira” falhar, o indivíduo exprime uma calorosa gargalhada. O riso é um remédio moral e social, pois desperta a pessoa desatenta, preservado com isso os “valores sociais”. Assim, se o discurso humorístico serve para veicular assuntos ‘proibidos’, é indubitável que sexo, raça e política sejam assuntos frequentes e recorrentes do humor.