CHARLATANISMO FÚNEBRE
Pelo mundo afora existem muitas tradições fúnebres. As tradições fúnebres do México são célebres. Viraram turismo. É uma tradição azteca cristianizada. Na Bahia, nos tempos coloniais, existia uma tribo indígena que cremava seus mortos e, depois, as cinzas do morto eram misturadas com uma sopa, que todos tomavam, acreditando que assim o morto permanecia entre eles. Entre os babilônios, de dois mil anos a.C., os mortos eram levados para os campos, e colocados sobre estrados para que as aves de rapina os devorassem. Ainda no século XX, praticamente a totalidade das igrejas cristãs proibia a cremação dos corpos. Isto fez com que, nos crematórios europeus, surgisse a profissão do orador fúnebre. Estes oradores eram sujeitos que migravam de forno em forno, fazendo o elogio fúnebre e orando pelo morto, antes que o caixão, com flores e tudo, fosse empurrado para dentro do forno crematório e desintegrasse a matéria, com cerca de 2000 graus de calor. Os antigos gregos e romanos contratavam carpideiras, mulheres pagas para chorarem nos velórios e enterros. Outros povos enterravam seus mortos em posição fetal. Os hindus cremam seus mortos, e jogam suas cinzas no Rio Ganges. Em muitos lugares os mortos são enterrados em sepulcros de pedra, ou em covas rasas, diretamente na terra. Os antigos egípcios embalsamavam os corpos dos faraós e nobres. O povo não tinha dinheiro para pagar o longo processo de embalsamamento. Não importava, pois os súditos dos faraós podiam apodrecer de qualquer jeito, ou desidratar enterrados nas areias quentes do deserto. Os cristãos romanos, nos primeiros séculos de nossa Era, enterravam seus mortos nas galerias subterrâneas de Roma, as catacumbas. Algumas destas catacumbas, hoje, fazem parte dos roteiros turísticos para quem visita Roma.
Assim, os costumes fúnebres se diversificam pelas culturas. Aos poucos a civilização ocidental vai descobrindo que a maneira mais racional, mais limpa e higiênica para se livrar dos mortos é a cremação. As cinzas do morto, facilmente, podem ser conservadas, ou devolvidas, sem poluição, à natureza. Mesmo assim, conserva-se o ritual fúnebre pré-enterro. Normalmente, para estes rituais, se convida algum padre ou pastor. Mas, nem sempre, estes representantes do sagrado estão disponíveis nos cemitérios. E, surpreendentemente, aparecem, então, às vezes, charlatães fúnebres, que se aproveitam da dor de quem se despede do ente familiar ou amigo. Estes charlatães se revestem da figura do padre ou do pastor e, mesmo sem serem convidados, se propõem a consolar os presentes com rezas, hinos e sermões. Depois deste “serviço ao morto” não se acanham em pedir uma contribuição financeira. Há algumas semanas, aconteceu um caso destes no Cemitério das Flores/Recife. Apareceu ali, num velório de uma senhora que havia falecido repentinamente de enfarte, um sujeito que se apresentou como padre, e começou a arengar. A família e os amigos, chorando pelo desaparecimento inesperado daquela senhora. E o tal do “padre”, com aliança no dedo, vestido com um traje, semelhante a uma batina, começou a falar com rosto sorridente. Comparou aquele momento de tristeza com a festa de um aniversário. Estavam ali as velinhas, as flores, e outros adereços. Claro, não havia bolo. Mas, segundo o “padre” , nesta festa faltava a tradicional bacia de água debaixo do caixão. Costume supersticioso que, com certeza, nenhum verdadeiro padre valorizaria. Por isto, o povo começou a desconfiar de que aquele sujeito não era padre, mas um charlatão. Era, ou não era? Neste momento de dor ninguém se atreve a investigar. De fato, já em outras ocasiões foram feitas denúncias de que há pessoas que se apresentam nos velórios, como se fossem padres católicos, ou pastores, para consolar os presentes. Por isto, cuidado, pois até nos cemitérios é preciso desconfiar. Também ali podem aparecer falsos profetas, falsos padres e falsos pastores.
Inácio Strieder é professor de Filosofia.Recife-PE.