A História de Mestre Deca do Cacumbi
História de Mestre Deca do Cacumbi
Pesquisa realizada por Geane Aguiar – escritora, professora e ilustradora sergipana
O Folguedo Cacumbi
A cidade de Larnjeiras/SE é um dos municípios mais ricos, em manifestações folclóricas e culturais do estado de Sergipe. Anualmente promove, no início do mês de janeiro o admirável Encontro Cultural de Laranjeiras, reconhecido nacionalmente e internacionalmente, onde as ruas da encantadora cidade histórica, transforma-se em espaços de difusão cultural.
Dentre as várias manifestações folclóricas que desfilam alegremente pelas ruas enladeiradas e estreitas da cidade, o Cacumbi, um tipo de folguedo tradicional, o qual tem origem na cultura afro-brasileira, e exerce enorme atração aos olhares atentos dos moradores, visitantes regionais e turistas de toda parte, fascinados pelos sons dos apitos, tamborins e outros instrumentos musicais, como cantos, louvores e danças. Este folguedo é tradicionalmente comemorado, no dia 06 de janeiro, na Festa dos Santos Reis.
O Cacumbi era uma prática exercida pelos escravos africanos nos canaviais. Atualmente é organizado e dirigido por Antônio Carlos dos Santos, filho de José Santana dos Santos, conhecido popularmente como Mestre Deca, um afro-descendente, ex-consertador de guarda-chuvas, experiente, obstinado que luta e incentiva os seus filhos e outros jovens a conservarem essa manifestação tão antiga e espetacular. Mestre Deca afirma que, na hora do descanso do trabalho nos canaviais, os escravos dançavam e cantavam o folguedo Cacumbi.
O referido folguedo representa as guerras entre reis e rainhas contra os escravos. Os 27 (vinte e sete) personagens masculinos cantam, dançam e tocam, em homenagem aos santos protetores dos escravos: São Benedito e Nossa Senhora do Rosário. Mestre Deca acrescenta ainda que, São Belchior, também, é protetor dos escravos, mas não é homenageado no folguedo.
As Igrejas de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário foram construídas por afro-descendentes, na metade do século XIX. Nas igrejas mencionadas até hoje são realizados os ritos do Cacumbi e de outras manifestações folclóricas como: Taeira, Chegança e a Dança de São Gonçalo.
Os participantes do Cacumbi usam indumentárias básicas: camisas acetinadas, nas cores amarelo, azul e branco, calças e tênis. Ainda complementa essa elegante vestimenta, chapéus de palha ornamentados com espelhos e fitas. Os instrumentos utilizados pelos participantes durante as homenagens aos santos são: ganzá, caixa e reco-reco. O grupo folclórico já se apresentou em quase todas as cidades do interior sergipano e em outras cidades da Região Nordeste.
Mestre Deca e sua esposa contam que, São Benedito era escravo e todo dia, ele levava comida em uma cesta, para seus companheiros. Certo dia, ao ser abordado pelos feitores, respondeu que carregava flores. Deus, em sua infinita bondade vendo a fé e coragem de São Benedito, transformou a comida em flores e depois as flores em comida, para aquele povo sofrido.
José Santana dos Santos – Mestre Deca
José Santana dos Santos, conhecido por todos laranjeirenses como Mestre Deca nasceu em 13 de julho de 1936, na Fazenda Boa Luz, Laranjeiras/SE que pertenceu ao Sr. Franquinho. Filho de Cândido Ramos dos Santos e Maria São Pedro dos Santos, ele brincava o Cacumbi desde criança com o grande amigo e parceiro Zé Macário, conduzidos pelo inesquecível Mestre Zé Pita.
Vivo, alegre, educado, atencioso e lúcido, ele reside com sua esposa Marinalva, filhos e netos, na Rua Oscar Ribeiro, 203, conhecida tradicionalmente como Alto do Bomfim, em uma casa rosa estreita de escada, no município de Laranjeiras, cidade tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico desde 1996.
Galanteador e boêmio teve muitos amores, mas acabou casando no civil e na Igreja da Matriz do Sagrado Coração de Jesus, em Laranjeiras/SE, com Marinalva, dona de casa. Das convivências, com a ex-companheira Izabel e a atual esposa dona Marinalva teve 07 (sete) filhos: José Adilson Santana dos Santos, José Carlos dos Santos, Antônio Carlos dos Santos, Maria Auxiliadora dos Santos, Lindinalva Santana dos Santos, Maria Aparecida dos Santos e José Batista dos Santos, o qual foi criado pelo avô Cândido Ramos.
Sua infância foi marcada por estudar somente o primeiro ano, nas escolas de 1º Grau Dona Netéria, na Fazenda Saco, e na escolinha da Fazenda Faleiro. Nessas escolas aprendeu a ler e escrever um pouquinho. Adorava, também, tomar banho nos tanques e pescar com anzol: traíra, muçum, piaba, e, sobretudo ouvir as lendas e contos de assombração contados por seu pai. Até hoje, ele relembra com muita saudade da história do Fogo Corredor.
Mais tarde seus pais passaram a morar, na Fazenda Matriana, Laranjeiras/SE. Em seguida compraram uma casinha, no Bacalhau, uma vila, com bandinha de casas.
Quando era criança adorava os deliciosos doces feitos pela sua querida mãe: cocada-puxa e cocada mole. Deliciava-se, também, com simpatia (bolachão) com café. Até os dias atuais, ele não dispensa uma boa moqueca de arraia, de bagre; um bom pirão de mocotó ou de galinha caipira. Confessa seu Deca que: “ depois que como um saboroso pirão de mocotó, me sinto renovado.”
A partir dos quinze anos, começou a tocar pandeiro, nos leilões de Laranjeiras ao lado do companheiro e sanfoneiro Paulo Salvador, mas também ajudava ao pai José Cândido, o qual era carreiro. Assim, mestre Deca foi puxador de carro de boi, uma das suas primeiras atividades profissionais. Em seguida, trabalhou na Fazenda Ribeira, Socorro/SE como feitor, ou seja, tomava conta dos trabalhadores de enxada, nos canaviais. Algum tempo depois, trabalhou, na Usina Pinheiro, Laranjeiras/SE como auxiliar de almoxarifado.
Em sua juventude gostava muito de rezar nas sentinelas (velórios), além de tirar versinhos e tomar umas doses de cachacinha Ipê, produzida no Alambique do Sr. João Franco. Dentre os versinhos recitados, ele guarda na memória, com muito carinho a quadra abaixo:
“ Ele está dormindo um sono.
Ele não se acorda mais.
Benção papai, benção mamãe!
Adeus meus irmãos, para nunca mais.”
Depois da história da sentinela, ele nos presenteou com mais um trecho de suas canções:
“Oi o Cacumbi Aiá...
Aiá vem, vem, vem Aiá!
Vem ver a Sereia cantar no mar.
Aiá, vem ver.”
Mestre Deca encerrou a entrevista cantando para mim o seguinte trecho de uma bela canção:
“Da Bahia me mandaram ê, ê, ê...
Uma flor de manacá.
Mandaram me perguntar
Se eu queria me casar...
E o que importa lá?
Da Bahia me mandaram chamar.” (...)
Durante a sua trajetória de vida dedicada desde menino ao Cacumbi, ele recebeu várias homenagens: troféus, medalhas, baneres, um CD gravado, com canções e louvores do folguedo. Ele agradeceu o apoio recebido dos gestores de Laranjeiras que contribuíram e colaboram com o grupo doando as indumentárias. Foi também fotografado ao lado de muitos políticos. Andou por toda parte de Laranjeiras ao lado do atual Governador do Estado de Sergipe Marcelo Deda e do ex-presidente Lula.
Referente à iniciativa da Secretaria de Cultura de Laranjeiras, através do Gestor Cultural Irineu Fontes, o qual objetiva publicar um livro infantojuvenil contando toda a história de vida do menino pobre nascido na Fazenda Boa Luz, que ao longo do tempo transformou-se no admirável Mestre Deca, do Cacumbi, ele me respondeu:
“Minha história contada em um livro para crianças será um grande presente para mim.”
Antes de finalizar a entrevista, ele fez um pedido. “Eu peço que meus filhos participem direitinho da manifestação folclórica Cacumbi; e levem adiante essa história, para não deixar acabar o folclore. Hoje eu estou aqui, amanhã vou estar debaixo do chão, e a tradição precisa continuar”.
Participaram comigo da entrevista, na casa do Mestre Deca, em Laranjeiras/SE, no dia 10 de dezembro de 2011 Maria Eunice da Hora (professora aposentada da Rede Estadual de Ensino e bacharela em Direito; seu esposo Arão Borges dos Santos, delegado civil do Estado da Bahia).