Pelos mares da vida

Em meio à navegação pelos mares da vida humana, turbulentas ondas de emoção mobilizam-se para a formação de “tsu-namis” de paixão ou, diminuem a sua agitação desaguando em tranquilos rios de sentimento(s). A dinâmica que envolve a expressão destes elementos exige especial atenção para adequada percepção de suas peculiaridades, apesar da origem comum.

O mover das águas configura-se de forma tão paradoxal como a dimensão psicoemocional do comportamento humano, pois a mesma água que flui tranquila e harmoniosa nos rios e afluentes que cortam determinada região tem poder para em outro momento, circunstancialmente, atingi-la de forma destrutiva. Semelhantemente, a mesma pessoa capaz de evidenciar ardentes exemplos de paixão ou românticos momentos de amor pode, circunstancialmente, expressar sentimentos potencialmente cruéis de ira ódio, rancor,..., em relação àqueles com quem interage(iu).

Neste sentido, deparamo-nos com a deprimente constatação de que, em meio à administração dos seus amores e dissabores, o ser humano costuma, eventual e naturalmente, “afogar-se” nas águas “metamorfóricas” da sua personalidade, ficando evidente que diante dos obstáculos e adversidades (tanto as concretas/objetivas, advindas da realidade exterior ao seu Eu, como as abstratas/subjetivas, construídas exclusivamente pelo seu universo mental) que vão surgindo durante o seu percurso existencial, ora a pessoa manifesta satisfatório equilíbrio entre os constructos de sua razão e os limiares de sua emoção, garantindo-lhe leveza e tranqüilidade para “flutuar” sobre as “águas do seu viver” ou, ora permite-se “afundar” nestas águas mediante o “pesar” advindo da presença de momentos de instabilidade psicoemocional e/ou conflitos existenciais.

O substrato filosófico deste comparativo analógico entre o mover das águas e o comportamento humano se configura como um excelente instrumento ilustrativo da intrínseca necessidade do ser humano investir, continuamente, esforços em prol da conquista dos maiores níveis possíveis de equilíbrio biopsicossocial e espiritual, os quais serão determinados a partir das peculiaridades que envolverem a administração dos seus pensamentos, emoções, sentimentos e, principalmente, ações/atitudes. O resultado deste empreendimento refletir-se-á na qualidade de vida de cada indivíduo.

Tal processo psicodinâmico tem sido alvo dos mais célebres estudiosos do comportamento humano ao longo da História, evidenciando que a progressiva modificação dos focos de satisfação e prazer material e psicoemocional, decorrente dos avanços da ciência e da tecnologia, reflete um processo de gradativas e significativas reorganizações sócio culturais à nível de valores éticos, morais, sociais e espirituais, desencadeando uma série de mudanças de hábitos e costumes que se manifestam desde o núcleo familiar até às estruturas mais elevadas dos poderes político-administrativos. Infelizmente, tais mudanças caracterizam um quadro significativamente depreciativo da sociedade e da pessoa humana, onde há predominância de distorção e banalização dos valores fundamentais para a formação de um indivíduo que possa ser considerado social e psicologicamente ajustado aos padrões de “normalidade” impostos pela sociedade do século XXI.

Desta forma, acreditamos que administrar o mover das águas do nosso viver, visando a construção de uma existência saudável/tranquila neste novo milênio, em meio ao atual caos social em que estamos inseridos, sem dúvida alguma exige um grau de esforço e maturidade muito maior do que em períodos históricos pretéritos. Por isso, que todos esforcemo-nos para nos esquivar o máximo possível do poder manipulador da tecnologia escravagista do marketing da modernidade que só tem contribuído para uma degradação humana global, procurando, assim, colaborar para que o homem não venha a tornar-se cada vez mais “vitimizado” não apenas pela sua ignorância, mas também pela sua inteligência.

André M. Soares - Psicólogo & Psicoterapeuta