PRAÇA GENTIL FERREIRA, UMA PERSPECTIVA DA ANTROPOLOGIA URBANA

APRESENTAÇÃO

Este artigo consiste numa pesquisa de campo realizada na Praça Gentil Ferreira, no bairro do Alecrim, em Natal. Analisamos as diversas categorias e personagens existentes nesse importante cenário econômico, social e cultural no coração do bairro. Ressaltando sua importância histórica, na medida em que ele constitui-se como o maior centro comercial da cidade, bem como sua importância cultural.

INTRODUÇÃO

A urbanização do Nordeste se deu de forma tardia em relação a outras regiões como Sul e Sudeste. Tal fenômeno tem suas raízes no lento processo de industrialização da região. Os fluxos migratórios foram motivados pela procura de emprego nos centros urbanos dos estados; os trabalhadores saem do interior para as cidades do litoral na busca por uma melhor qualidade de vida.

No Rio Grande do Norte sua população é de 3.043.760 habitantes, onde a maioria reside em centros urbanos como a região metropolitana de Natal e Mossoró. O estado é basicamente produtor de commodities primárias para a exportação, em virtude de sua pouca industrialização. O RN destaca-se como produtor de sal, petróleo, na fruticultura e pelo turismo no litoral.

Natal passou a ter importância após a Segunda Guerra Mundial devido a sua posição geográfica, pelo fato de estar mais próxima do continente africano e europeu, servindo de apoio para a instalação de uma base militar estadunidense.

A dinâmica do espaço urbano em Natal se modifica de acordo com o desenvolvimento e crescimento industrial/econômico. A economia informal para muitos é um meio de sobrevivência, onde os personagens constroem valores, concepções de mundo e uma identidade própria que lhes permite uma distinção, não apenas pela tarefa que executa, mas também pela visão que ele tem de suas ações no mundo.

O BAIRRO

O bairro do Alecrim foi o quarto a ser fundado na cidade e situa-se em sua Zona Administrativa Leste; criado oficialmente em 23 de outubro de 1911, completando seu centenário¹ neste ano de 2011. As construções como o cemitério e a Praça Pedro II deram início ao que futuramente seria o bairro, embora seu crescimento se concretizou pelo fato de ser passagem dos vinham por uma importante estrada de ferro do interior do Estado para a capital.

Devido a sua importância geográfica, uma vez que está marcado por vias que o ligam a outros bairros da cidade, de modo que se torna fácil o deslocamento de uma zona para outra, por esse motivo o bairro ganhou importância no comércio formal e informal (popular), sendo o principal motivo de preocupação do Poder Público na regulamentação deste tipo de atividade.

Por esse motivo o bairro ganhou importância no comércio formal e informal (popular), sendo o principal motivo de preocupação do Poder Público na regulamentação deste tipo de atividade.

O bairro possui grande importância econômica para a cidade, movimentando a maior parte dos empregos formais e informais (50 mil empregados e empregadores), gerando cerca de 44,7% do ICMS arrecadado em Natal e vivendo nele 30 mil moradores, onde uma pesquisa no DN Online constatou-se que os habitantes estão satisfeitos por morarem no bairro.

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¹ Existe controvérsias entre os historiadores a respeito da sua origem. Alguns sustentam que ele teria se fundado ainda no século XVII com a doação de terras de uma sesmaria; outros que sua origem remonta a construção do cemitério e das praças.

A PRAÇA

A Praça Gentil Ferreira situa-se no meio do chamado centro comercial do Alecrim, que lhe confere grande importância para quem vai fazer compras, por esse motivo a praça converteu-se num reduto que concentra ambulantes, moradores de rua, engraxates, ‘’lanceiros’’, prostitutas, aposentados, colombianos, peruanos, evangélicos, todos de uma forma ou de outra lutando pela sobrevivência.

A praça vai ganhando importância na medida em que se desenvolve o centro comercial. Nela, encontra-se o tradicional relógio do Alecrim e também um posto da Guarda Municipal. Já foi palco de grandes comícios como do ex-presidente Lula (na época candidato) e do ex-governador Aluízio Alves. Sujeira, barulho, correria, bancos quebrados é a primeira impressão que chega aos olhos de quem visita a praça pela primeira vez. Por trás dessas impressões, há personagens, indivíduos anônimos cuja vida é ignorada. Seres atarefados, ocupados de suas obrigações não podem ver a riqueza de detalhes existentes na praça. Somente a visão intencionalmente direcionada pode coletar, descrever e analisar toda situação.

PERSONAGENS

A Praça é movimentada, principalmente, pela economia informal que impulsiona todas as personagens com o objetivo de atuarem de uma forma diferente, lhes conferindo uma identidade única.

Entre os vendedores presentes na Praça Gentil Ferreira na categoria de ambulante enquadra-se: vendedores de relógio, sorveteiro, vendedores de discos etc. Há outros que não se enquadram na categoria de ambulantes: engraxates, prostitutas, transeuntes, moradores de rua, evangelizadores, “lanceiros” e vários estrangeiros como colombianos e peruanos.

As prostitutas são oriundas de bairros distantes de Natal e de cidades da região da metropolitana em busca de programa na praça. Possuem a faixa etária de 25 a 40 anos, algumas são dependentes químicos e fazem o programa apenas para sustentar o vício. Andam de um ponto a outro da pra esperando os clientes e, pelo que tudo indica em nossa observação, devido ao tempo que ficam ali já conhecem todos na praça. É comum haver confusão envolvendo prostitutas.

No início da manhã, quando o comércio está pouco movimentado, é visível a presença de moradores de rua, mendigos e, segundo os relatos, sua presença não incomoda os comerciantes locais. Algumas pessoas passam distantes dos mendigos porque acreditam que estes podem roubá-las, no entanto, são um segmento social que vive de esmolas, alcoólatras que por uma infelicidade caíram na situação de miséria. Curiosamente, o fato de serem consumidores de álcool lhes confere toda uma característica comportamental que difere de todos os outros viciados, por exemplo, dos consumidores de crack. Os efeitos do álcool agem como entorpecentes de os deixam sonolentos e menos dinâmicos que os viciados em crack, os últimos precisam conseguir rapidamente o dinheiro para suprir a dependência por que os efeitos se vão de igual modo.

A dinâmica da praça e o grande movimento de transeuntes tornou-se celeiro fértil para difusão de idéias religiosas, sobretudo protestantes, que abordam as pessoas que passam para entregar-lhes panfletos. Quando podem utilizam caixas de som para anunciarem suas mensagens e devido aos dias que fazem este trabalho, somado ao fato de que ao lado da praça está o Templo Central das Assembléias de Deus, os evangélicos podem ser considerados figuras constantes ali.

Utilizamos aqui a palavra ‘’lanceiro’’ não no sentido que é atribuído pela gíria local como furtadores, mas aos charlatões que utilizam de truques para fazer apostas que, sempre devido à sua malandragem, os apostadores perdem o dinheiro. Não trabalham especificamente todos os dias na praça para evitar caiam no descrédito bem como para evitar a má sorte de se encontrar novamente com algum apostador irritado querendo o dinheiro de volta. Uns utilizam um truque de adivinhação da bolinha entre os copos, outros com cartas.

Os aposentados concentram-se na praça, em sua maioria, pela tarde. Por causa do hábito muitos vão apenas no intuito de conversar com os outros e quando encontram alguém mais jovem para prosear contam histórias do passado. A praça é para eles um passa-tempo e muitos saem de casa por causa do tédio ou até mesmo devido a solidão do lar, ai o jogo de baralho ou damas é para alguns atividade favorita.

Os estrangeiros de origem latina também buscam a praça para venderem seus produtos. São peruanos e colombianos divulgando seu trabalho musical e os ritmos de seu país. Os peruanos são indígenas que vendem discos de autoria pessoal, produtos artesanais que remontam a sua tradição e tocam um ritmo conhecido por ‘’Savia andina’’ com instrumentos de flauta e batidas de tambor. Já os colombianos fazem sucesso por tocarem as músicas locais num ritmo que lhes é próprio.

Não resta duvidas de que a Praça Gentil Ferreira é a mais dinâmica da cidade, repleta de seres anônimos, dotada de uma diversidade singular e que se for analisada e pesquisada com profundidade revelará os contrastes que as transformações do espaço urbano causam na cultura local da cidade.

Jodinaldo Lucena e Heloísa Maria B. O. Santos