"AMANHÃ MUDA A LUA, TALVEZ A PORCA DÊ CRIA"
“AMANHÃ MUDA A LUA, TALVEZ A PORCA DÊ CRIA”
Com a chegada do Natal e mudança de ano, julgamos de bom alvitre, fazermos algumas ilações a respeito de calendários. A contagem de tempo baseia-se nos movimentos aparentes do Sol e da Lua - para determinar as unidades do dia, mês e ano.
O dia nasceu do contraste entre a luz solar e a escuridão da noite. A periodicidade das fases lunares gerou a idéia de mês. A repetição alternada das estações, que variavam de duas a seis, de acordo com os climas, deu origem ao conceito de ano.
Os anos lunares têm que ser regulados periodicamente, para que o início do ano corresponda sempre a uma lua nova. A fim de que os meses compreendessem números inteiros de dias, convencionou-se o emprego de períodos alternados de 29 e 30 dias. Mas como o mês lunar médio resultante é de 29 dias e 12 horas, isto é, mais curto 44 minutos e 2,8 segundos do que o sinódico, adicionou-se, a partir de certo tempo, um dia a cada trinta meses, com a finalidade de evitar uma derivação das fases lunares.
As origens do calendário Juliano remontam ao antigo Egito. Foi estabelecido em Roma por Júlio César no ano 46 a.C.. Adotaram-se 365 dias, divididos em 12 meses de 29, 30 ou 31 dias. A diferença do calendário egípcio está na introdução dos anos bissextos de 366 dias a cada quatro anos. O esquema foi reformulado para que o mês de agosto, nomeado em honra ao imperador Augusto, tivesse o mesmo número de dias que o mês de julho: homenagem a Júlio César. Com o passar dos anos se registra um adiantamento na data do equinócio da primavera. Caso fosse mantido o calendário Juliano, tê-lo-íamos em seis meses no início das estações. Para evitar o problema, recomendou-se ao papa Gregório XIII a correção.
O calendário Gregoriano demorou a ser aceito, principalmente em países não-católicos. Inicialmente, foi adotado por Portugal, Espanha, Itália e Polônia. Nas nações protestantes da Alemanha o foi no decorrer do século XVII. No Egito e Japão entrou em vigor desde 1873. Na China em 1912, no Brasil em 1582. Há países que não o aplicam: Israel, Iran, Índia, Bangladesh, Paquistão, Argélia. Na China a adoção foi tão problemática que até gerou o dia 30 de fevereiro.
O calendário Gregoriano, usado na maior parte do mundo, compreende 365 dias, mas a cada quatro anos há um ano de 366 dias - o chamado ano bissexto, em que o mês de fevereiro passa a ter 29 dias. São bissextos os anos cujo milésimo é divisível por quatro, com exceção dos anos de fim de século cujo milésimo não seja divisível por 400. No calendário Gregoriano os anos começam a ser contados a partir do nascimento de Jesus Cristo, em função da data calculada, no ano 525 da era cristã. E é mais provável que Jesus Cristo tenha nascido quatro ou cinco anos antes, no ano 749 da fundação de Roma, e não no 753. Para a moderna historiografia, o fundador do cristianismo teria na verdade nascido no ano 4 a.C.
O calendário Gregoriano distingue-se do Juliano porque: Omitiram-se dez dias (de 5 a 14 de Outubro de 1582). Corrigiu-se a medição do ano solar, estimando-se que este durava 365 dias solares, 5 horas, 49 minutos e 12 segundos. Acostumou-se a começar cada ano novo em 1 de Janeiro.
No Império Romano, a astrologia acabou introduzindo, no uso popular, a semana de sete dias (septimana, isto é, sete manhãs, de origem babilônica). Os nomes orientais foram substituídos pelos latinos, do Sol, da Lua e de deuses equiparados aos babilônicos. Com o cristianismo, o nome do dia do Sol passou de Solis dies a Dominica (dia do Senhor, Dominus) e o Saturni dies (dia de Saturno) foi substituído por Sabbatum, dia do descanso (santificado). O português adotou a nomenclatura do latim litúrgico cristão, que designou os dias por sua sucessão ordinal.
Para perfazer esses 365 ou 366 dias, seis meses alternados teriam 31 dias (março, maio, julho, setembro, novembro e janeiro) e os outros teriam 30 dias (abril, junho, "sextilis", outubro e dezembro), à exceção de fevereiro, na época o último mês do ano, para o qual só restaram 29 dias (e 30 dias nos anos bissextos, os anos de 366 dias), tinha 31 dias, resolveu-se igualar o número de dias de agosto, subtraindo 1 dia de fevereiro, que ficou com 28 ou 29 dias, e se alterou a sequência dos meses de 31 dias (outubro e dezembro teriam 31 dias, no lugar de setembro e novembro). O mês de março era o primeiro mês do ano. Observe, a esse propósito, que SETEmbro era o sétimo mês. Só mais tarde o mês de janeiro - mês do início do mandato dos cônsules romanos - passou a ser o primeiro e não o décimo-primeiro mês do ano. Isso definiu as atuais regras dos meses com 31 dias (janeiro, março, maio, julho, agosto, outubro e dezembro), com 30 dias (abril, junho, setembro e novembro) e com 28 ou 29 dias (fevereiro).
A origem do nome dos meses – Janeiro, homenagem a Janus, deus de duas caras. Fevereiro, homenagem a Februa, deusa das purificações e dos sacrifícios. Março, homenagem a Marte, deus da guerra. Abril, de origem contraditória, sobressaindo a referência ao "abrir" (germinar) das sementes. Maio, também de origem polêmica, ora associado à magistratura, ora associado à deusa Maia. Junho, associado a Junius, antigo mês consagrado aos jovens. Julho, homenagem a Júlio César. Agosto, homenagem a César Augusto.
Diferentemente da crença popular, o nome "bissexto" não teve origem no fato de anos bissextos contarem 366 dias. A explicação é que o dia complementar seria colocado entre o sétimo e o sexto dia anteriores às "calendas de março" (isto é, entre 23 e 24 de fevereiro - mês que na época tinha 29 dias, normalmente), o que fez denominá-lo "bissexto calendas" (em outras palavras, dois "sextos dias" antes de março).
Os registros de datas, como conhecidos hoje, somente foram organizados a partir do Concílio de Nicéia, à época do Papa Silvestre I (foi ele que inspirou o nome da Corrida de São Silvestre e, nas folhinhas, é ele o santo do dia 31 de dezembro), inclusive no que diz respeito ao dia de Natal e ao domingo de Páscoa.
E já que aludimos às “folhinhas”, lembram como eram?
Outrora, pequenos estabelecimentos comerciais: armarinhos, bazares, ferragens, armazéns, funerárias, padarias, oficinas de conserto de eletrodomésticos, expressavam tradicionais votos natalinos e de novo ano através de calendários, habitualmente pendurados num preguinho nas portas de madeira da copa ou da cozinha, com doze folhas retangulares, em média 30 por 40 cm.
Predominavam, nas ilustrações, imagens religiosas, paisagens bucólicas, jardins, castelos, animais (gatos, cães, coelhos, cavalos, peixes), crianças, casais de idosos, acervo gauchesco. As estampas eram aproveitadas, no ano seguinte, nas salas de aula, como material didático. Ao pé, numa quadrícula, apareciam os dias, observações e recomendações.
Tão logo tínhamos às mãos as esperadas relíquias, marcávamos o dia semana em que ocorreriam os aniversários e acontecimentos festivos. Ao longo do ano, permitiam-nos identificar o “Santo do Dia”, tomar ciência das fases da Lua – fundamentais ao corte de cabelo, à plantação, aos animais “chegadinhos a dar cria”, (galinhas, porcos, vacas) e a mulheres ao final da gestação. Alguns exemplares expunham mensagens espirituais ou citações de pensadores consagrados. Nas firmas comerciais – escritórios, tínhamos os calendários de mesa.
Nas borracharias e em algumas oficinas mecânicas, a divulgar óleos, pneus e peças, fotos de sedutoras mulheres em vestes sumárias ou desnudas constrangiam o ingresso de respeitáveis e pudicas senhoras.
Calendários e agendas, publicados por instituições religiosas, dentre elas as das Irmãs Paulinas, tinham expressiva aceitação nos lares católicos. Colecionava-se o Almanaque do Pensamento.
Custos operacionais reduziram as folhinhas, inicialmente, a três estampas, e daí limitou-se a uma, com ou sem imagem. Alega-se que os números maiores favorecem a visualização. Afirmam os mais velhos que nas folhinhas de hoje o tempo passa mais depressa. As farmácias e drogarias divulgavam produtos farmacêuticos através de pequenos almanaques. Conservamos ainda, testemunhando a história, registros dos laboratórios Sanifer, Silveira, Kraemer (IZA), Catarinense (Renascim, Sadol), – com a tradicional carta enigmática - Fontoura, Inkas, Flora da Índia, Klein.
Posteriormente, surgiram os pequenos calendários a serem guardados nas carteiras de documentos, facilitando a consulta.
Poucos são os estabelecimentos que ainda investem em folhinhas. Raros os laboratórios que nos brindam com calendários. Algumas empresas de grande porte presenteiam clientes preferenciais, com luxuosas agendas.
É inevitável, já que as mudanças são constantes, que também nossos registros tivessem uma nova face. Entretanto, parece-nos que, mesmo com a praticidade dos novos calendários, inclusive virtuais, com o desaparecimento das “folhinhas”, feneceram dias de lembranças e de lirismo.
Jorge Moraes – jorgemoraes_pel@hotmail.com