VÍRUS MENTAIS

No latim, virus significa veneno. Até que surgisse a informática, vírus era um conceito da biologia e da medicina, considerado um agente invisível de doenças no mundo animal e em plantas. Hoje o termo sugere imediatamente os vírus na informática. Inúmeros “vírus” podem contaminar os computadores. Os disseminadores destes vírus são os hackers. Desta forma, os “vírus” migraram da biologia para o mundo virtual. O seu sentido permaneceu o mesmo: veneno, agente invisível de doenças, agora no mundo da eletrônica, dos computadores, celulares, etc. contaminando os sistemas. Desta forma, ninguém mais ignora que existem “vírus” no mundo biológico e no mundo virtual. Poucos se dão conta que existe mais uma categoria de “vírus”: os vírus mentais. Talvez pudéssemos também denominar este tipo de vírus de “vírus literários, vírus narrativos, vírus ideológicos, vírus históricos, vírus religiosos...” São os vírus que se infiltram na mente humana e contaminam as narrações, os fatos, as ideias, o imaginário, o bom senso humano. No sentido da normalidade de nossa mente, o filósofo Descartes escreve que, o que existe de melhor distribuído na humanidade é o bom senso. De acordo com esta constatação otimista cartesiana, a mente humana, não contaminada por “vírus”, normalmente zela pela verdade dos fatos, por ideias claras e distintas, e de acordo com um imaginário lógico. Mas este otimismo iluminista moderno, sob muitos aspectos, não se verifica na história. Quando se analisa, com espírito crítico, os legados literários, históricos, ideológicos, religiosos, etc... do passado, constata-se, muitas vezes, uma terrível contaminação virótica. E o mais impressionante é que a humanidade assume estas tradições envenenadas sem lhes aplicar um antivírus adequado. E muitos ideólogos, tanto filosóficos, como sociais, culturais, políticos e religiosos, em vez de eliminarem os vírus do passado, assumem o passado contaminado e o propagam nas mentes populares como sendo verdades eternas, divinas. Embora tudo que flui da mente humana possa estar contaminado por “vírus”, nos confrontamos hoje, de forma mais intensa, com os “vírus” do mundo religioso. E quando os religiosos não analisam seus conteúdos mentais e seus textos sagrados histórico-criticamente, surgem os fanatismos, as alienações, os fudamentalismos, tão bem criticados já por Karl Marx. Basta submeter a uma crítica suave as pregações diárias na mídia para constatarmos quantos vírus contaminam a passagem entre o texto religioso escrito e as palavras que saem da boca dos pregadores. Já na redação definitiva destes textos infiltraram-se inúmeros vírus entre os fatos e as narrativas originais, e os textos que possuímos hoje. Também na Bíblia existem muitos vírus entre os fatos e as narrativas pré-bíblicas e os textos bíblicos. Muitas narrações bíblicas, repetidas em outros livros religiosos, foram atacadas virulentamente na passagem do texto bíblico para tais livros. Ousadamente se pode afirmar que os anjos reveladores de muitos textos atribuídos ao Deus supremo revelador, geralmente, não passam de vírus mentais no imaginário humano. A sã razão, hoje, necessita de urgentes antivírus mentais para se adequar à maravilhosa visão do mundo e do homem a que a ciência nos dá acesso em nosso tempo. Esta purificação da mente vale para filosofias, sistemas políticos, compreensões teológico-religiosas, e tradições culturais em geral. Em tudo isto o bom senso cartesiano deve prevalecer.

Inácio Strieder é professor de filosofia- Recife- PE.