A senhora que não lia romances de amor
O título deste é meramente ilustrativo atrativo, como se pretende que sejam todos os títulos à motivação de leituras. A tarefa é árdua e envolve bem mais que a possibilidade da motivação que um título pode causar.
Para quem pretende entender o desinteresse quase geral pela leitura – e mais por determinadas leituras – um estudo sobre a genética, passando pela formação cultural familiar e escolar até que se estabeleçam preferências individuais vai lhe dizer se o provável leitor, depois que empenhar tarefa de aprender o valor das 26 letras do alfabeto, suas várias representações, seus agrupamentos gráficos, sua fonética e assimilar a totalidade das frases e dos parágrafos ao bom entendimento do que a escrita lhe pretende comunicar, preferirá Filosofia a obras de ficção – e, entre filósofos, as ideias de Aristaco, de Aristóteles, Voltaire, Hegel ou Marx etc. – ou se nunca aprenderá a ler e escrever qualquer bilhete sem que tal deficiência não lhe cause a angústia de determinada senhora analfabeta, sobre quem falarei adiante.
Talvez uma manchete futura num telejornal possa anunciar: “Identificaram-se potenciais leitores e/ou leitoras entre os milhões de espermatozóides num saco escrotal: eles têm aparência de letras” – o que facilitaria enormemente a identificação de potenciais leitores ou escritores ainda antes que fossem a fecundar óvulos. Como isso nunca será possível, cabe tentar descobrir por outros meios por que o personagem Antonio Bolívar, vivido pelo ator Richard Dreyfuss – entre outros da vida real a maior parte do tempo reclusos em florestas - se interessa a descobrir a rica companhia que um livro pode se tornar, tendo o personagem de Dreyfus preferência pelos que contam histórias de amor, ou os românticos.
Embora em sua solidão Antonio Bolivar às vezes chore, como também quando uma frase bonita num livro lhe estimula outras lágrimas, a senhora que eu e o também escritor e dramaturgo paraibano Tarcísio Pereira vimos chorar não chorava motivada pela emoção que lhe causara um poema num livro.
Seu choro tinha sido motivado pela constatação de que, por nunca ter tido oportunidade de aprender a ler – já que seu ignorante pai lhe ensinara que, mais importante que um livro, é a enxada – sentia já ter perdido metade de sua vida, correndo o risco de perdê-la completamente.
Enquanto eu observava a cena pensando se haveria um momento quando veria aquilo outra vez – alguém chorando porque não sabe ler! – Tarcísio, conhecido da senhora, disse-lhe que, ao invés de chorar, ela deveria buscar aproveitar o tempo que ainda lhe resta à realização de seu sonho de leitora, uma vez que existem muitos programas de alfabetização para lhe ajudar a isso.
Entre soluços, ela insistiu que não tinha mais tempo: seus afazeres em casa e administração de seu bar não lhe deixavam mais se dedicar aos estudos. Tarcísio continuou insistindo que não, que ainda havia tempo para que ela aprendesse a ler, e então, voltando aos nossos afazeres, fiquei pensando que, ao contrário do personagem de Richard Dreyfuss, aquela senhora chorava também por não conseguir ler histórias de amor.
Espero que não sejam muitas as que agora estejam fazendo o mesmo.