UMA LUA PARA UM SONHADOR
Leonardo Lisbôa
O título para este ensaio poderia ser “Uma Lua para um Lunático” ou ainda “A Lua na Casa do Sol”.
Seja como for a parte feminina – a Lua – refere-se à Gala e a masculina – Sol, Sonhador ou Lunático, a Salvador Dali.
De que horizonte despontou esta Lua?
No horizonte enfermo que envolveu Eugène-Paul-Emile Grindel, mais tarde Paul Eluard, na Suíça. Para onde também foi se tratar Elena Diakonoff ou Hélène Dimitrovnie Diakonova de Kazan, filha de um administrador de um dos príncipes do moribundo Czarismo.
Ela é esta Lua, mas não para E. lua. rd (com licença poética).
A época era ainda dos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial.
Eluard cognominou esta, que seria namorada do Sanatório de Clavadel, Davos, Suíça, que para ali também fora se tratar, de Gala.
Casaram-se e tiveram uma filha, Cécile.
Após a Guerra, o casal opta por permirtir de suas intimidades o amigo Max Ernst. Porém, Gala não seria Lua também para este ou outro que não fosse o Lunático, o Sonhador, o Sol que conheceria em Cadaquès, Salvador Dali.
Assim como a lua deixa extasiada a maioria das pessoas que se deixam levar pelos seus encantos, Gala desperta em Dali a alienação mental como descreve Pierre Ajame:
“Numa manhã, a visão das costas de Gala desencadeia em Dali uma série de fenômenos próximos da alienação mental... O Côncavo das costas era extremamente feminino e unia com graça o torso enérgico e altivo às nádegas muito finas, que a cintura de vespa tornava ainda mais desejáveis... Apaixonado como uma criança, Dali se comporta como tal... Untando o corpo com uma mistura infeta na base de excremento de cabra para provocar pelo menos o olfato do ser amado. Gala observa sem dizer nada; registra as gargalhadas daquele estranho jovem que as crises de riso lançam ao chão; sente seus tremores incontroláveis sempre que se aproxima dela, espera horas, dias, depois se resolve e decide: - Meu querido, não vamos mais nos separar”. (p.43).
Logo, os demais visitantes de Cadaquès, incluindo o marido Paul Eluard, vão embora deixando o casal que não mais se separaria. Salvador terá sua vida em curso mudada. Esquece a afetividade que sentia por Federico Garcia Lorca e futuramente subestima a amizade de Luis Buñuel. Com Paul Eluard futuramente manterá uma relação de camaradagem.
De Cadaquès para Paris, de Paris para o mundo. Inicialmente na Cidade das Artes, Paris, dizia-se que aquela mulher era a grande empresária do artista espanhol. Seja como for, se mulher, empresária, ou Lua, ela fez de Dali o Sol, um marco entre o rompimento do Romântico com o Surreal, do Real com o Sonho. Salvador Dali, a partir de 20 de novembro de 1930, na Galeria Goemans torna-se o artista da moda. Suas polêmicas, sua idéias iriam deixar para trás um mundo velho. Abrem-se portas não só para o mundo da plástica, mas da poética e da psicologia.
Salvador Dali iria fazer de sua arte a catarse para os seus temores. Ele teme a sua possível homossexualidade, a sua possível impotência sexual, o seu complexo de Édipo, suas fases sexuais infantis, suas confusões mentais que envolvem a lembrança da frágil mãe, os mitos sexuais concernente ao pênis, o autoritarismo e austeridade do pai, sua relação com sua irmã Ana Maria, sua incerta heterossexualidade.
Por todo este conjunto psicossomático ele fará de Gala a salvadora de Salvador.
Gala protegerá Salvador do mundo e é vista com maus olhos pelos amigos do pintor. Mas não importa e por isto os dois permanecerão com cinqüenta e cinco anos de vida em comum. “Gala... aquela que retira o náufrago dos turbilhões mortais: ‘Gala curou-me de todas as minhas angústias’, dirá Salvador; ela é ‘a curandeira dos terrores’. Terrores nascidos da vida antes da vida, da infância também e da mãe cedo desaparecida, que se tornara uma espécie de santa, encorajando, portanto, a blasfêmia, nascido do pai onipresente, cuja força se apresenta a ele como um desafio a sua própria fragilidade, da irmã talvez abusiva no seu comportamento maternal de suplente, enfim, da noite dos fantasmas e da noite dos tempos. “Gala realizará este milagre de canalizar a loucura daliniana, primeiramente fornecendo-lhe um outro objeto: de louco de angústia, Dali torna-se louco de amor”. (AJAME, p.44).
Esta mulher se passa por musa, banqueira e vampira. A imprensa faria ásperos comentários sobre a companheira de Dali. Entretanto ela é elogiada por suas qualidades de administradora. Quanto aos amigos de Dali, sobre quem ela cria um cerco, tornam-se seus inimigos, sobretudo Luis Buñuel, e a todos ela ignora.
Gala de queixo longo e estrábica morre em 10 de junho de 1982. Foi antes de tudo, o astro lunar para o mundo de sonho e paranóias daquele que viveria no mundo Surreal.
Dali escreveu “Diário de um Gênio”, basicamente continuação de “Vida Secreta”. E ali nos deixou :
“Picasso é um eunuco; Miró é incapaz de assassinar a pintura, como prometeu; Cézanne é a mais pura expressão da decadência da arte; Matisse não era mais que um pobre cozinheiro; Kandinsky teria sido um admirável fabricante de bengalas; Braque é um perfeito pintor de fachadas; Moore, comparado com Praxiteles, é o bruto da cidade comentava depois de custodiar durante anos a tumba de Gala no ampurdanês castelo Púbol, contemplou, na longa espera do reencontro com a sua amada, o ir e vir de visitantes em seu museu desde a torre Galatea”. (PIQUÉ e PUENTE, p.49).
REFERÊNCIAS:
1- AJAME, P. – As Duas Vidas de Salvador Dali – Ed. Brasiliense, SP – 1986.
2- PIQUÉ, A.P e PUENTE. Dicionário Biográfico de Artistas, vol.1 (A-K) – Edições del Prado, Madri, 1996.
L.L. Bcena, 21/10/2011