Uma década de Harry Potter
Resolvi falar de um tema que já esteve em alta um tempo atrás: Harry Potter. Pois é, o fim da série nos cinemas levantou todo um bafafá sobre o bruxo inglês. As perguntas que esperava-se que a maioria dos fãs ou comentaristas respondessem eram: o que, afinal, representou e representa Harry Potter e como será o mundo após a série?
Bem, vou tentar dar minha contribuição, ainda que atrasada, ao debate.
Primeiro, devo alertar que não sou um fã da série. Também não sou um dos inimigos velados. A história não me fascina tanto assim, mas reconheço que em alguns aspectos a saga tem bons momentos. Sim, vi a maioria dos filmes.Como não é justo alguém julgar o encanto que tal história produz sem entendê-lo, recorri á alguns (muitos) amigos que possuem essa paixão por Potter.
Minha amiga Mariana de Oliveira Lopes leu o primeiro, o quarto e o sétimo livro. O interesse foi despertado ao ver o primeiro filme. E por que esse encanto com a saga do bruxo? "É difícil de explicar... Nunca me perguntei porque gosto de Harry Potter. Acho que é porque a história é engraçada e te prende".
Um ponto que gostaria de comentar é essa atração que a história possui. J.K. Rowlings, a autora dos livros, concebeu a história toda e a anotou em um pequeno caderno. Muitos elementos estão interligados, em outros a importância só é revelada ao final de cada livro. Quando Harry Potter e a Pedra Filosofal foi lançado em 1999, Rowlings já sabia como tudo iria acabar. De certa forma, nós também: depois de sermos apresentados aos personagens, fica evidente que a história daqui em diante será o embate velado entre Potter e seu antagonista, Lord Voldemort. Potter se tornará um grande bruxo, Dumbledore o guiará, seus amigos o acompanharão, Snape o ajudará (da sua forma), Draco será uma pedra no sapato, etc. A previsibilidade, no entanto, vai até um certo ponto: penso que a partir do Enigma do Princípe a história adquire uma complexidade maior.
E quanto ao humor, no começo é o humor que se espera de uma história infantil, mas já se tem algumas pitadas do sutil e ferino humor britânico. Um fato curioso: Rony Weasly funcionava como o alívio cômico, mas pouco a pouco foi ganhando uma importância a mais. Encontramos Rony Weasly no último livro, Harry Potter e as Relíquias da Morte, como um cara que quer ser levado a sério, sem deixar de perder sua comicidade. Tanto esse ponto como o anterior revelam um dado importante da série: a transformação. Harry Potter começou simples, como uma história infantil deve ser, e pouco a pouco foi deixando de ser tão ingênua para se tornar uma saga quase adulta, com um nível de complexidade maior.
Mas, voltemos aos depoimentos! Meu amigo Thiago Audrá Vesecky (que já cansou de ir em festas á fantasia caracterizado de Harry Potter) entrou em contato com o mundo de HP primeiro pelos livros - com Harry Potter e a Câmara Secreta, segundo livro da saga, para ser mais específico. Logo depois começou a assistir aos filmes, mas confessa que se interessa mais pelos livros: "Apesar do apelo visual dos filmes, o livro é sempre mais envolvente, tem mais tempo pra explorar os detalhes, e é muito bom de ler!" E quanto ao que lhe mais atraiu: "O que mais me atraiu? Difícil, deixa eu ver... Os personagens, a trama em si, as frases de efeito do Dumbledore... Ah não sei é muita coisa! É um mundo novo! Faz a gente se transportar de uma maneira muito intensa!" E conclui: "É, acho que é essa 'magia' que mais me atraiu!"
A magia. É inegável que a Fantasia hoje é um dos gêneros literários mais populares e festejados, principalmente na literatura e HP foi um dos carros-chefes desse fenômeno. Foi após o sucesso da venda dos primeiros livros e da bilheteria dos filmes que reeditar e filmar os livros clássicos de R.Tolkien, C.S. Lewis e G.R. Martin se tornou viável. Percebeu-se que existia um mercado para esse gênero. Sim, um mercado. Me desculpem os fãs, mas é inegável que Harry Potter é uma das engrenagens da indústria cultural. Os milhões que a franquia gerou e gera é uma das causas de seu sucesso, mas não a única (como muitos insistem).
Mário Corso, psicanalista, em artigo para a revista Carta na Escola, se debruça sobre o encanto gerado sobre HP e chega a conclusão de que o que transformou Harry Potter nesse grande investimento e num elemento da cultura pop de toda uma geração é justamente seu universo mágico. "O século XX é um cemitério de promessas, como então seguir confiando em tais ideais [cientificismo, racionalismo, etc]? Assim, o apelo ao mágica dessa série ganha contornos de uma crítica nostálgica ao nosso tempo". O psicanalista encara a identificação dos jovens com a Fantasia como uma forma de criticar o mundo moderno, cheio das maiores bárbaries e frustrações ideológicas.
Fantasia significa fuga da realidade? Corso diz que não. O mundo de HP possui os mesmo problemas que o nosso, problemas até piores, mas ele fala de uma experiência que está distante da geração que nasceu nos anos 90: o Holocausto. A proposta eugenista de Lord Voldemort tem ecos com a "solução final" de Hitler. Ora, muitas outras histórias falaram desse momento tão marcante de nosso século. A diferença está na abordagem: HP usa a magia para falar da bárbarie.
Bráulio Tavares, escritor e roteirista, em uma de suas crônicas para sua coluna Mundo Fantasmo acredita, no entanto, que a série possui um certo distanciamento de questões atuais. Em 2001, HP ganhava um prêmio como um dos melhores livros de ficção científica ou fantasia literária e meses depois os atentados de 11 de Setembro aconteceriam. Para o cronista foi mais que uma coincidência: o desprezo, que partia não só de jovens, pelas questões da época transformou o terrorismo um verdadeiro desconhecido até que ele surgisse na frente de todos do modo emblemático que fez.
Minha opinião? A magia de Harry Potter não é ingênua, mas há sim uma certo distanciamento da realidade.O que é mais do que aceitável, uma vez que se trata de uma obra de Fantasia. Não acredito que a mensagem sobre a experiência fascista seja tão marcante, uma vez que ela meio que desaparece entre outras mensagens, ao meu ver, mais próximas dos dilemas do público da série. Por exemplo, como lidar com as mudanças, com as dificuldades impostas pelo crescimento? Como ter uma vida ética? Até que ponto o bem se torna mal? Como julgar as pessoas? Em que se amparar quando se está na pior? Questões mais presentes no universo jovem. O encanto vem não só da magia, da crítica á realidade, mas de alguns temas essenciais para uma geração, para um público que cresceu com essa série, que mudou, assim como ela, que viu o seu mundo se tornar mais complexo e vertiginoso.
Agora, o último depoimento, eu juro! Entrevistando minha amiga Olga Almeida Corrêa, que começou a ler os livros aos 11 anos e desde então não parou (tendo lido todos eles), encontramos em suas respostas um dos fatores que falamos acima: o gosto pela magia. "Achei fascinante a história, não conseguia parar de ler... Era um dos livros mas legais que eu já tinha lido, e eu adorava história sobre bruxas... Já tinha lido As Brumas de Avalon, Frida [O livro de Paulo Coelho e não a biografia da pintora Frida Kahlo, como eu erroneamente pensava. Obrigado pelo puxão de orelha, Olga!], e adorava qualquer história que envolvesse magia..." Sua opinião é de que o melhor livro é Harry Potter e o Cálice de Fogo, quando a trama torna-se mais complexa.
Eis outro ponto interessante: perguntada se HP mudou sua vida, Olga responde que ele a marcou com certeza, "me ensinou a ler". A história aproximou uma geração marcada pelos avanços tecnológicos virtuais do livro. Quem assistia ao filme queria comprar o livro para saber os detalhes que foram omitidos e assim adentrava no mundo da literatura. Muitos continuaram com o hábito, como Olga. HP foi um trampolim para aventuras a mais não só no mundo da literatura, mas também do cinema. Passaram pela direção de seus filmes os mais variados cineastas (desde o simplista Chris Columbus até o minucioso David Yates, passando pelo criativo Alfredo Cuáron), imprimindo á série muitos de seus trejeitos e técnicas. Seguir o cineasta que dirigiu o melhor filme de HP, na opinião de cada um, é conhecer vertentes diferentes de cinema. O jornalista Érico Borgo no site de entretenimento Omelete dizia que muitos poderiam aproveitar essa chance que a série trouxe, de conhecer vários estilos, para conhecer outras obras cinematográficas, a começar a apreciar o cinema com mais rigor e detalhe.
O que representa HP? Respondemos acima e com várias respostas, ao meu ver todas válidas. Agora nos resta uma última pergunta: Como será o mundo depois das aventuras de Harry e seus amigos em Hogwarts? A pergunta que muitos fãs fizeram em julho quando á parte final do filme estreou nos cinemas. Acho que a resposta certa não temos ainda. HP pode se tornar mais uma série com uma legião de fãs como aconteceu com Star Wars, Jornada nas Estrelas e tantas outras. Seu fiel público hoje já está grande e de se esperar que passe a história adiante, que transforme Harry Potter em um personagem como Peter Pan ou Luke Skywalker: icônico. Resumindo: Harry Potter já tem seu lugar no panteão pop de cada adolescente, seja para o bem ou para o mal, mesmo a história terminando por aqui.