Texto e imagem
(Este é um artigo com algum gosto de crônica)
Ainda está bem viva em minha mente a lembrança de livros volumosos utilizados no antigo Curso Primário. Esses compêndios eram um repositório de áridas páginas, folhas de papel cheias de letras e mais letras. Nós, alunos, crianças, passávamos todas as páginas do livro na esperança de avistar alguma delas que apresentasse uma figura qualquer que “limpasse os olhos”. Ah, quanta alegria quando encontrávamos a única delas dividindo o livro ao meio. Ainda me vem à mente um quadradinho num canto superior da folha onde o desenho de um galo batendo as asas era a visão do paraíso. A todo instante eu retornava à página do galo na esperança de ouvi-lo cantar.
Quando lia romances imaginava os cenários e os personagens, o que é um exercício que desperta e desenvolve a imaginação. Um verdadeiro lazer era aquele cavalete onde a professora passava, uma a uma, as pesadas cartolinas coloridas para que os alunos recolhessem dali a inspiração para as redações/composições. Eu olhava aquelas cenas que equivaliam a um filme, pois, a partir delas, imaginava outras. De lá pra cá, e até para um pouco exagerar, alcançamos muito progresso na integração texto-imagem. A tal ponto chegou o processo de ilustração que podemos encontrar livros nos quais há mais páginas com ilustrações do que textos.
Quem não se recorda dos trabalhos também feitos nos doces anos da educação inicial? Eram encapados com cartolina dobrada ao meio. A capa tinha que ser ilustrada e, preferencialmente, salpicada com areia brilhante. Era a denominação do moderno glitter. Como se ainda fosse pouco, havia delas com laços de fita coloridos. A surpresa vinha quando a professora abria aquela espécie de revista e encontrava umas folhinhas de caderno, rabiscadas, machucadas e com rasuras. Muitas notas foram dadas pela capa. Eu gostava dos trabalhos assim, mas quando descobri a “maranha”, cismei de vez e, ao me tornar professora, quando os alunos me entregavam (até mesmo nas faculdades) aqueles trabalhos fachadosos, a ira se manifestou. Passei a não aceitar por hipótese alguma aqueles “cocôs de lacinhos”.
Verdade é que uma gravura vale por uma quantidade enorme de palavras. Entretanto, é preciso técnica e equilíbrio para que os objetivos sejam alcançados e se possa criar uma obra de arte onde concorram harmonicamente todos os conteúdos. E, de onde virão o equilíbrio, a beleza e a harmonia? Evidente que a fotografia, as gravuras e os textos são em si mesmos manifestações artísticas de personalidades definidas. Daí advém o perigo de fracassar na utilização de duas ou mais artes em uma obra para que uma não roube a cena da outra, mas que convivam unidas e produzindo qualidade. O cinema é uma arte que tem conseguido equilibrar diversas manifestações artíticas fazendo-as conviver muito bem e produzindo resultados notáveis. E o resultado final e mais gratificante é o alcance da Beleza.
Além dos requisitos técnicos, utilizar a imagem em função de uma arte qualquer exige do mixador um grau alto de intuição e senso de estética. Ele precisa sentir e desconfiar, planejar, experimentar para depois decidir pelo melhor sob o seu ponto de vista. O observador da arte, por sua vez, concorrerá com a sua percepção e avaliação. Os mais preparados notarão os detalhes técnicos e outros se emocionarão sem mesmo saber o que lhes causa a emoção: o planejamento de um trabalho integrado e com objetivos.
No caso específico da combinação do texto escrito com a imagem, todo cuidado é pouco para que não se obtenha o efeito das cartolinas que envolviam os trabalhos escolares. Por exemplo, escritores não devem escolher a gravura pela gravura, mas sempre com esse sentido, pelo menos intuitivo, de perceber na imagem o diálogo com o seu texto. Necessita-se, sim, de percepção artística, mesmo que não seja sistematizada. Trata-se, neste caso, do bom gosto que qualquer um de nós pode desenvolver, aprimorar e tentar. Algumas leituras técnicas podem auxiliar nessa composição sem que o escritor seja um doutor na área. Autores há que contratam artistas plásticos para a ilustração de seus textos, obras. Entretanto, claro está que aqueles trabalhos de muito valor artístico são uma interpretação do ilustrador. Nada de mais nisto. Pelo contrário, trabalhos nesse perfil têm valorizado e impulsionado muitas obras, assim como nos encantam os cartazes que anunciam os filmes, ou as capas dos livros, revistas, manchetes de jornais.
Recomenda-se também a contenção no uso das cores, pois, utilizadas em excesso, prejudicam o texto, oprimem a leitura e carnavalizam as palavras. Além do que, há a deplorável síndrome do rosa baby. Nem tanto ao mar e nem tanto à terra. Esses aspectos básicos podem contribuir para enriquecer as páginas dos nossos livros, virtuais ou do tipo impresso tradicional em papel _ o que lhes conferirá mais arte, classe, distinção, elegância. Dessa forma, a palavra e o texto se casarão e serão felizes para sempre.