Mitologia e mitos [SERMO CXXX]

MITOLOGIA & MITOS

Prof. Dr. Antônio Mesquita Galvão

O mito conta uma história sagrada, narra um fato importante

ocorrido no tempo primordial, no tempo fabuloso dos começos.

(Mircea Eliade)

Em muitos casos, o estudo da mitologia nos leva a entender o processo evolutivo da consciência humana, a partir da exploração psicológica de mitos greco-romanos e judaico-cristãos, como geradores da fantasia. Embora haja outras mitologias mais antigas, a greco-romana é a que melhor sem enquadra dos arquétipos psicossociais da humanidade. A fantasia se refere a uma sensação fruto da imaginação, tanto reprodutora quanto criadora. Para Platão ela é uma imagem fora da realidade. A mitologia é secularmente vista como a origem da psicologia de auto-ajuda. Durante séculos os seres humanos usaram mitos, contos de fadas, lendas e folclore para explicar os mistérios da vida e torná-los suportáveis — desde o porquê as estações do ano mudam até o enigma da morte — passando por complexas questões de relacionamento.

No cristianismo, que não é um mito, Jesus explicou os seus ensinamentos por meio de parábolas, dando aos seus seguidores problemas difíceis sob uma forma fácil de compreender. Platão transmitiu conceitos filosóficos obscuros através de mitos e alegorias simples. Na antiga medicina hinduísta, quando alguém, com dificuldades mentais ou emocionais, consultava um médico, e este lhe prescrevia uma história sobre a qual meditar, com isso ajudando o paciente a encontrar sua própria solução para o problema. Muitas vezes é o nosso pensamento linear, racional e obcecado com as causas, que obscurece o sentido mais profundo e a resolução dos dilemas da vida.

Um mito é um relato em forma de narrativa com caráter explicativo e/ou simbólico, profundamente relacionado com uma dada cultura e/ou religião. O termo é, por vezes, utilizado de forma pejorativa para se referir às crenças comuns (consideradas sem fundamento objetivo ou científico, vistas apenas como histórias de um universo puramente maravilhoso) de diversas comunidades. No entanto, até acontecimentos históricos podem se transformar em mitos, se adquirirem uma determinada carga simbólica para uma certa cultura. No mito ocorre o entrelaçamento com a fábula, o conto de fadas, a lenda, a saga e até a história.

A ciência moderna nos revela que o símbolo é um elemento primordial no processo da comunicação. O termo símbolo, com origem no grego symbolon, designa um elemento representativo que está (realidade visível) em lugar de algo (realidade invisível), que tanto pode ser um objeto como um conceito ou idéia, determinada quantidade ou qualidade. Nessa perspectiva, o símbolo é um elemento essencial no processo de comunicação, encontrando-se difundido pelo quotidiano e pelas mais variadas vertentes do saber humano. É aí que surgem os síbolos.

O símbolo pode lançar luz tanto sobre o desenvolvimento psicológico do indivíduo, quanto sobre os complexos problemas sociais da cultura atual. Mais adiante entraremos na conceituação de arquétipo. Na Mitologia grega há, por exemplo, os mitos de Édipo, de Narciso e da Esfinge. (“decifra-me ou te devoro”). Esse dualismo se encontra na maioria das religiões. Só quem decifra o mistério é capaz de penetrar no contexto da doutrina.Os mitos têm a misteriosa capacidade de conter e transmitir paradoxos, permitindo-nos ver, em volta e acima do dilema, o verdadeiro cerne da questão.

O mito, além de acomodar e tranqüilizar o homem em face de um mundo assustador, dando-lhe a confiança de que, através de suas ações mágicas, o que acontece no mundo natural depende, em parte, dos atos humanos, ele também fixa modelos exemplares de todas as funções e atividades humanas. Então, o que é Mitologia? Esta é uma questão que estabelece um portal na maioria dos cursos que se tem ministrado sobre o assunto. O verbete que reúne duas expressões, oriundas da língua grega: mythos + loguia, aponta para um estudo dos mitos.

O termo mito é freqüentemente associado às descrições de religiões fundadas por sociedade antigas como mitologia romana, a grega, a egípcia, e a nórdica, que foram quase extintas. No entanto, é importante ter em mente que enquanto alguns vêem esses panteões como meras fábulas, outros os têm como religião ou crença. Pessoas das mais diversas religiões tomam como ofensa a caracterização de sua fé como um conjunto de mitos, pois isso poderia afirmar que a religião em si é uma mentira.

Mesmo assim, muitas pessoas concordam que cada religião tem um grupo de mitos os quais desenvolveram-se somados às escrituras. Alguns especialistas usam os termos mito e mitologia para ilustrar histórias de uma ou mais religiões como algo falso ou duvidoso. Enquanto quase todos os dicionários incluem essa definição, “mito”, nem sempre significa que uma narrativa é falsa, tampouco verdadeira. O termo é constantemente utilizado nesse sentido de descrever religiões criadas pelas sociedades antigas, cujos ritos estão quase extintos.

Muitos padres, pastores e rabinos modernos dos movimentos cristãos e judaicos mais liberais, assim como a maioria dos religiosos, não têm quaisquer preconceitos em aceitar alguns de seus textos sagrados como pertencentes ao gênero literário dos mitos. Eles vêm seus textos como possuindo verdades religiosas, inspiradas divinamente, mas não repassadas em linguagens humanas.

Na maioria das culturas, e por extensão suas mitologias, exceto quem sabe gregos, romanos e eslavos, que posteriormente se converteram ao cristianismo, os povos seguiram cultuando em suas religiões, os mitos de seus antepassados, como, por exemplo, os seguidores das religiões afro-americanas, que têm hoje praticamente, o mesmo conjunto de mitologia professado no passado. Nesse particular, observa-se igualmente que os hinduístas, chineses, japoneses, índios e demais culturas, têm suas religiões permeadas pelos antigos mitos.

E, nesses casos, religião, cultura, mitologia (e até folclore) se interpenetram e se confundem. Para o propósito desse trabalho a palavra mitologia é usada para se referir a histórias, que, enquanto elas podem ou não ser factuais, revelam verdades fundamentais e pensamentos sobre a natureza humana, através do freqüente uso de arquétipos. O poeta-historiador da Antiga Grécia, Hesíodo († 700 a.C.) em sua magistral obra, alude ao início de todos os mitos, a partir de uma teogonia (estudo da criação dos deuses):

No princípio era o Caos, de onde surgiu Gaia, a Terra, de largos flancos, base segura para todos os seres, e Éros, o mais belo dentre os imortais, capaz de desequilibrar os membros e de subjugar no peito de todos os homens e deuses o coração e a sábia vontade. A Terra, então, engendrou Urano, o Céu Estrelado, capaz de cobri-la por inteiro e de oferecer aos deuses sua base para sempre.

Nos versos seguintes, a Teogonia, de Hesíodo, nos revela, de maneira peremptória, que devido à presença de Éros, o amor universal, Gaia apaixona-se por Urano, e o abraça até ser fecundada, gerando muitos filhos e povoando toda a Terra. Cessava assim a ameaça do caos. As perguntas primeiras, porém, perduram: afinal, o que é mito? E o que é mitologia? Mito, na verdade, não é fácil defini-lo academicamente. É mais fácil empregar o método comparativo para compreendê-lo. Mesmo assim vamos tentar, vê-lo como um relato fabuloso de caráter mais ou menos sobrenatural ou sagrado. Nas culturas em que seu estudo é ativo, o mito serve de referência, justificativa ou paradigma (modelo). Há quem diga que mito é um relato cujas origens foram esquecidas ou, por fim, a história, não-científica do pensamento primitivo de um povo. Assim define Mircea Eliade (in: Tratado de Historia de las Religiones):

O mito conta uma história sagrada, narra um fato importante ocorrido no tempo primordial, no tempo fabuloso dos começos.

O mito faz parte de um jogo de perguntas e respostas, ele responde aos porquês do homem de todas as épocas: “Por que o sol nasce e se põe?”, “Porque há maldade no mundo?”. “O que é o ser?”. Apesar de o mito apresentar uma explicação atualmente encarada como fantástica e ilusória, não há como negar sua forte carga de imagens, símbolos e alegorias capazes de penetrar na mente humana, justificando sua apropriação pela psicanálise. Segundo os estudiosos, o mito pode ser entendido como um sistema dinâmico de símbolos, arquétipos e esquemas. Por detrás da formulação de um mito sempre vamos encontrar alguma referência a um estado de necessidade do ser humano. O homem se fortalece a partir dos seus mitos.

O mito revela. Essa revelação abrange o ser, os deuses e o cosmo. Revela tanto o visível quanto o invisível aos olhos, e por isso pode ser apresentado como uma história sagrada. A partir dessa breve e mesmo superficial definição surge mais uma pergunta: “Então quem é o autor dos mitos?” Os mitos não têm autor, sequer em mitos clássicos com suposta autoria de Homero († 850 a.C.) com relação à Odisséia. O autor é com certeza aquele que assina. O próprio Homero, que muitos afirmam não ter existido, é considerado uma figura mítica. O mito brota de uma coletividade com a nítida função de saciar a curiosidade desta mesma coletividade, existindo apenas dentro de uma tradição.

Nas religiões consideradas monoteístas, as mitologias, sobretudo as teogonias, são geralmente repudiadas como exemplos de ateísmo ou heresia, pois representariam uma desvirtuação do Deus único e transcendente, à medida que o relacionam a manifestações ou representações de outras criaturas. Entretanto, essas mesmas religiões também recorrem a descrições fantásticas, de caráter simbólico, para explicar a origem do mundo e do pecado, o fim do mundo e a vida ultra-terrena, e não deixam de atribuir a Deus reações e sentimentos humanos.

O mito, portanto, estabelece uma linguagem apropriada para a religião. Isso não significa que a religião, tampouco o mito, conte uma história falsa, mas que ambos traduzem numa linguagem plástica (isto é, em descrições e narrações) uma realidade que transcende o senso comum e a racionalidade humana e que, portanto, não cabe em meros conceitos analíticos. Não importa, do ponto de vista do estudo da mitologia e da religião, que Prometeu não tenha sido realmente acorrentado a um rochedo com um abutre a comer-lhe as entranhas, nem que Deus não tenha criado o ser humano a partir do barro. Religião e mito diferem, não quanto à verdade ou falsidade daquilo que narram, mas quanto ao tipo de mensagem que transmitem.

A mensagem religiosa geralmente exige determinado comportamento perante Deus, o sagrado e os homens, e é, muitas vezes, formulada de modo compatível com conceitos racionais e em doutrinas sistematizadas. O mito abrange maior amplitude de mensagens, desde atitudes antropológicas muito imprecisas, até conteúdos religiosos, pré-científicos, tribais e folclóricos, que são aceitos e formulados de modo menos consciente e deliberado, mas mais espontâneo, sem considerações críticas. É notória, nesse terreno, a relação estreita entre o mito e a sociedade humana.

Como na sociedade as relações humanas se processam através de normas de comportamento, é preciso indagar igualmente a pertença do mito no campo da psicologia. Nesse aspecto, vemos que a psicanálise de Freud († 1939) deu nova orientação à interpretação dos sonhos, dos mitos e às explicações sobre sua origem e função.

Mais que uma recordação ancestral de situações históricas e culturais, ou uma elaboração fantasiosa sobre fatos reais, os mitos seriam, segundo a perspectiva psicanalítica, uma expressão simbólica dos sentimentos e atitudes inconscientes de um povo, de forma perfeitamente análoga ao que são os sonhos na vida do indivíduo. Não foi por outra razão que Freud recorreu ao mito grego para dar nome ao complexo de Édipo. Para ele, o mito do rei que mata o pai e casa com a própria mãe simboliza e manifesta a atração de caráter sexual que o filho, na primeira infância, sente pela mãe e o desejo de suplantar o pai.

Na verdade, há milênios o homem cria seus mitos, seus deuses, que refletem, (até hoje) a sua própria natureza, os sentimentos interiores, medos, desejos mais profundos, sempre acrescidos por elementos que remetem a existência à imortalidade, ao prazer e a satisfação de cada sentimento e emoção (humana), que se torna divina. No inicio mitológico, tudo era caos. Na natureza humana, é o caos que inicia as grandes manifestações, as descobertas de si e as revelações. O constante caos só se fará ordem, à medida que o homem é tomado pela “terra”, pela firmeza de suas idéias, de seus sentimentos, para começar a origem. Nietzsche († 1900), em seu livro Assim falou Zaratustra, diz que é preciso dar vazão ao caos para que a luz possa se fazer, ou seja, o caos é o início da criação, é o início de tudo. No dia-a-dia, a cada novo caos instaurado, caminha-se para a criação ou o surgimento de uma nova perspectiva, de um novo horizonte, um novo “deus interno”.

A criação, o caos, o desenvolvimento são sempre permeados por sentimentos e sentidos, desejos e instintos, que conduzem o ser na busca por si mesmo. Um desses sentimentos mais aclamados por cientistas, poetas, artistas e pessoas comuns é o amor, sensação que invade, que enlaça, que embriaga os amantes.

Ao tentar entender esse sentimento, que trava uma batalha entre o bem e o mal, o homem cria mitos e histórias que fascinam e o exaltam. O que é o amor? Por que o amor? Os mitos, que foram criados para explicar (e aceitar sentimentos humanos) também fazem alusão ao amor, de formas diferentes, desde o mais fraternal ao possessivo e doentio, que leva a outros sentimentos e sensações que resultam, nem sempre em frutos doces.

Um dos mitos greco-romanos que pode ser citado é o de Ares (Marte para os romanos), que tem a paixão, o amor e a tragédia como marcas de sua história. Ares se apaixonou por Afrodite, a deusa mais bela do Olimpo, que era casada com Hefesto, filho de Juno. Hefesto era o castigo que as deusas impuseram a Afrodite, para puni-la pelo poder de sedução que ela exercia sobre os outros deuses do Olimpo. Os pólos, masculino e o feminino, amor e ódio, traição, vingança e inveja, sentimentos humanos são exaltados no “mundo dos deuses” e vividos por eles. Essa dualidade de sentimentos, a “fraqueza” que eles remetem são extremamente humanas e compartilhadas. Uma analogia, onde o amor de Afrodite e Ares pode representar o que é verdadeiro, mas que sofre as interjeições e intervenções das normas (sociais), que aqui são representadas pelo casamento e pela ira das deusas invejosas.

Esse amor, que transforma e embriaga também causa dor e decepção, que distinguem homem e mulher mais uma vez, que separa a dualidade, e os coloca em lados diferentes, quase opostos, onde o desejo de ser amada, sob qualquer circunstância, leva a mulher a querer o amor sob sua forma mais plena, já o homem, não consegue assumir o amor que sente, repreende seus sentimentos, em razão das regras, das normas pré-determinadas, procurando recompensar o sentimento renegado, com paixões diferentes e menos profundas. Essas posições, tomadas por masculino e feminino, os colocam em patamares diferentes e as reações dos deuses não diferem em muito disto. O que ocorre entre homem e mulher é semelhante ao que acontece nas relações dos deuses.

No campo da filosofia e das religiões, mito é, pois, a narrativa de uma criação; conta-nos de que modo algo que não era, mas que começou a ser. De outro lado, o mito é sempre uma representação coletiva, transmitida através de várias gerações e que relata uma explicação do mundo. Mito é, por conseguinte, a parole, a palavra "revelada", o dito. E, desse modo, se o mito pode se exprimir ao nível da linguagem, ele é, antes de tudo, uma palavra que circunscreve e fixa um acontecimento. O mito é sentido e vivido antes de ser compreendido e formulado.

Assim, mito é a palavra, a imagem, o gesto, que circunscreve o acontecimento no coração do homem, emotivo como uma criança, antes de se fixar como narrativa. Para adentrarmos no estudo das mitologias individuais, é necessário que conheçamos o aspecto universal do mito. A despeito de algumas correntes tentarem reduzi-lo a simples conjunto de lendas, há no mito toda uma potencialidade universal.

Talvez se pudesse definir mito, dentro do conceito de C. G. Jung, († 1961) como a conscientização de arquétipos do inconsciente coletivo, quer dizer, um elo entre o consciente e o inconsciente coletivo, bem como as formas através das quais o inconsciente se manifesta.

O mito re-memora, enquanto o rito co-memora. Rememorando os mitos, reatualizando-os, renovando-os por meio de certos rituais, o homem torna-se apto a repetir o que os deuses e os heróis fizeram nas origens, porque conhecer os mitos é aprender o segredo da origem das coisas. E o rito pelo qual se exprime (o mito) reatualiza aquilo que é ritualizado: re-criação, queda, redenção. Conhecer a origem das coisas - de um objeto, de um nome, de um animal ou planta - equivale a adquirir sobre as mesmas um poder mágico, graças ao qual é possível dominá-las, multiplicá-las ou reproduzi-las à vontade.

Esse retorno às origens, por meio do rito, é de suma importância, porque voltar às origens é readquirir as forças que jorraram nessas mesmas origens. Não é em vão que na Idade Média, muitos cronistas começavam suas histórias com a origem do mundo. A finalidade era recuperar o tempo forte, o tempo primordial e as bênçãos que jorraram illo tempore. Além do mais, o rito, reiterando o mito, aponta o caminho, oferece um modelo exemplar, colocando o homem na estrita contemporaneidade do sagrado.

O rito, que é o aspecto litúrgico do mito, transforma a palavra em atitude, sem o que, ela é apenas lenda, legenda, o que deve ser lido e não mais proferido. Em muitos casos o mito se transforma em lenda e acaba incorporando-se ao folclore de um povo ou de uma determinada cultura. Desta forma, folclore é um gênero de cultura de origem popular, constituído pelos costumes, lendas, tradições e festas populares transmitidos por imitação e via oral de geração em geração.

O termo folclore (folklôre) aparece pela primeira vez em Londres, onde os vocábulos da língua inglesa folk e lôre (povo e saber) foram unidos, passando a ter o significado de saber tradicional de um povo. O estudo do folclore é fundamental de modo a caracterizar a formação cultural de um povo e seu passado, além de detectar a cultura popular vigente, pois o fato folclórico é influenciado por sua época. No século XIX, a pesquisa folclórica se espalha por toda a Europa, com a consciência de que a cultura popular poderia desaparecer devido ao modo de vida urbano.

O folclore é o modo que um povo tem para compreender o mundo em que vive. Conhecendo o folclore de um País, podemos compreender o seu povo. E assim conhecemos, ao mesmo tempo, parte de sua História. Mas, para que um certo costume seja realmente considerado folclore, afirmam os especialistas, é preciso que seja praticado por um grande número de pessoas e que também tenha origem anônima. Para se determinar se um acontecimento é folclórico, ele deve apresentar as seguintes características:

1. tradicionalidade: vem se transmitindo geracionalmente;

2. oralidade: é transmitido geralmente pela palavra falada;

3. anonimato: o folclore via-de-regra não tem autoria;

4. funcionalidade: existe uma razão para o fato acontecer;

5. aceitação coletiva: há uma identificação de todos com o fato;

6. [vulgaridade: acontece nas classes populares e não há apropriação pelas elites;

7. espontaneidade: não pode ser oficial nem institucionalizado.

Nesse contexto, as características de tradicionalidade, oralidade e anonimato podem não ser encontrados em todos os fatos folclóricos como no caso da literatura de cordel, no Brasil, onde o autor é identificado e a transmissão não é feita oralmente. Há que se buscar, no paralelo do estudo dos mitos, os campos do folclore: música, danças e festas, linguagem, usos e costumes, brinquedos e brincadeiras, lendas, mitos e contos, crenças e superstições e, – por fim, arte e artesanato.

À idéia de reiteração prende-se a idéia de tempo. É precisamente essa reversibilidade que liberta o homem do peso do tempo morto, dando-lhe a segurança de que ele é capaz de abolir o passado, de recomeçar sua vida e recriar seu mundo. O profano é tempo da vida; o sagrado, um “tempo” da eternidade. Quando se fala em crença, logo pensamos na fé religiosa que uma pessoa professa; a religião que pratica. Na verdade, a palavra "crença" designa o conjunto de idéias e noções religiosas e o modo como a comunidade as expressa nas suas cerimônias rituais, na arte, na própria linguagem, através de doutrinas, mitos ou escrituras sagradas. As crenças dividem-se em vários grupos, de acordo com o número ou natureza da divindade.

• Monoteísmo

Crença num único deus. Surge por vezes como reação a cultos politeístas;

• Politeísmo

Crença em vários deuses com diferentes funções e esferas definidas de responsabilidade. O mundo dos deuses é geralmente organizado à semelhança do dos homens;

• Panteísmo

Crença em deus, ou numa força divina, que está presente em todas as coisas do mundo. Surge freqüentemente associado ao misticismo, sendo seu objetivo alcançar a união com a divindade;

• Panenteísmo

Crença segundo a qual a divindade e o universo natural coincidem, embora professe uma transcendência de Deus diante da natureza;

• Henoteísmo

Crença que cultua um único deus, mas admite a existência de outros deuses. Henoteísmo é a crença religiosa que postula a existência de várias divindades, mas que atribui a criação de todas a uma divindade suprema, que seria o objeto de seu culto. Outras crenças henoteístas são aquelas mais próximas do monoteísmo, pois afirmam que existe um único Deus que, no entanto, se manifesta e interage com os seres humanos em uma variedade de aspectos ou avatares, de variadas aparências e personalidades. Existem alguns casos de henoteísmo no judaísmo e no hinduísmo;

• Crenças anímicas

São aquelas crenças que atribuem a cada elemento da natureza, pessoa, animal, mineral e vegetal uma anima (alma). É a práxis característica das culturas orientais, que adotam a transmigração. É o mesmo que animismo;

Nunca é demais repetir que mitos, folclore, crenças e religiões, em determinados sistemas aparecem entrelaçados e convergentes. Os especialistas dizem que por trás de cada religião aparece um mito. Uma das funções da religião é a de explicar o mundo e a existência humana, gerando, por isso, mitos da criação, tanto do mundo como do homem. Assim, o mundo é freqüentemente criado a partir de uma matéria primordial (o cadáver de um gigante ou de um deus), ou do caos.

A tradição judaico-cristã, no entanto, sugere uma criação ex nihilo, a partir do nada, onde tudo é criado pela davar (Palavra) de Deus. Geralmente, à criação do homem segue-se à do mundo. Estando as origens explicadas, é preciso explicar o futuro, especialmente aquele a que ninguém consegue escapar: a morte.

Surgem então idéias de paraísos, adequados a cada cultura, onde os mortos vivem eternamente: os guerreiros vikings passavam a participar nos banquetes de Valhala, onde combatiam e morriam durante o dia, para regressarem à vida e aos banquetes durante a noite; algumas tribos ameríndias acreditam nos campos de caça eternos, onde a existência dos mortos é pacífica e ideal; no cristianismo, os mortos dividem-se entre os que vão para o Paraíso celeste ou para o Inferno; na Grécia antiga os mortos perdiam a memória e entravam nos terrenos sombrios do submundo, onde se transformavam em sombras.

Havendo formulado uma explicação sobre a morte do homem, muitas religiões tentam explicar a morte do próprio mundo. Dependendo das visões que as religiões transmitem, desde a conflagração universal dos estóicos, o mundo ou será simplesmente destruído, um dia, ou será organizado para voltar a ser recriado, num ciclo eterno. Esta última visão é especialmente característica do hinduísmo, e aproxima-se da idéia, também muito tipicamente indiana, da transmigração da alma, que está presa num ciclo de nascimento e morte até que atinja a salvação. O tipo de divindade, ou divindades, e a explicação das origens, da vida além da morte e, por vezes, do fim do mundo, são aspectos importantes na definição de uma religião. Mas é também essencial definir o modo como o homem se relaciona com o divino, para podermos compreender uma religião.

Os cronistas e escribas que respigaram os mitos procuram mesclar o real e o fantástico para dar um tom de credibilidade a seus relatos. Nesse particular, os mitos são, em geral, tirados da imaginação popular e modificados de acordo com o lugar, a cultura, o interesse e a época em que ocorrem. É comum escutar-se por aí que, quem conta um conto aumenta um ponto.

No campo mitológico ocorre um fato semelhante. Cada pessoa que conta uma história imprime nela, ás vezes, sem querer, algumas alterações ou substituições modificando, com o passar do tempo, o teor da narrativa. Com exemplos bem definidos em todos os países do mundo, os mitos geralmente fornecem explicações plausíveis e até certo ponto aceitáveis para coisas que não têm explicações científicas comprovadas, como acontecimentos assustadores, misteriosos ou sobrenaturais. Incapaz de entender as formulações às vezes ortodoxas dos sistemas religiosos, o homem tem apelado para as fábulas. É nesse horror vacui (espaço de temor) que surge a mitologia.

Filósofo, Doutor em Teologia e autor de mais de uma centena de livros, entre ele “As grandes civilizações do Oriente Médio”, Ed. Ave-Maria, 2004 e “História das Religiões”, Ed. Pallotti, 1995. Este texto é resumo do livro “O vigor dos mitos” que o autor vai publicar em breve.