A Cultura do Circo em o Palhaço e a Bailarina

A Cultura do Circo em O Palhaço e Bailarina

HORA, Jeane Caldas ¹

Resumo: O presente artigo tem como propósito analisar a origem do circo e sua consequente evolução diante das transformações socioculturais do mundo pós-moderno a partir da obra infantil O Palhaço e a Bailarina, de Antônio Carlos Viana e Sônia Maria Machado, publicado pela Edelbra, em 2007. Neste trabalho, tentaremos fazer uma breve reflexão sobre a referida arte por duas vertentes: a perda de identidade do circo tradicional e a eclosão do circo contemporâneo. Convém lembrar que, o estudo das atividades circenses no mundo terá como base teórica os estudos do inglês Stuart Hall, um dos maiores expoentes da Escola de Birgham, que em 1992, publicou o seu aclamado livro Identidades Culturais na Pós-modernidade. Assim, faz-se necessário rever questões históricas da cultura circense, para tentarmos entender o seu papel social no mundo pós-moderno.

Palavras Chave: Antônio Carlos Viana e Sônia Maria Machado; identidade cultural; pós-modernidade.

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Introdução

A análise sobre a obra infantil de Antônio Carlos Viana e Sônia Maria Machado é para qualquer leitor ou pesquisador um celeiro em seu sentido mais amplo, quer pela beleza literária, quer pelo tão atrativo tema, que consegue envolver adultos e crianças em seu jogo simbólico de magia e memórias, bem como pelos respectivos valores que são abordados durante a tecitura da trama: respeito ao outro, ética e integração social.

Outro aspecto bastante instigador, que sobrepaira ao estudá-la é o fato da grande metamorfose vivida por Antônio Carlos Viana ao desenvolver esse novo trabalho, uma vez que o referido autor se dedicou ao longo de sua trajetória literária a publicação de contos contemporâneos, nos quais transitam paisagens e personagens pautados pela perda da inocência através do sexo sombrio ou perverso, totalmente dissociados de vivências infantis alicerçados pela magia e sonhos. Nesse prisma, encontramos em O Meio do Mundo e Outros Contos (1999), Aberto Está o Inferno (2004) e Cine Privê (2009) características inversas de O Palhaço e a Bailarina.

A narrativa em análise trás em sua essência o mundo fascinante do circo tradicional, através da trama envolvente que, diferentemente de outros contos infantis não evidencia vilões, mas une dois protagonistas, para transmitir a sociedade local valores de respeito mútuo, união, amor e senso de justiça. Nesse foco, tomamos como base a narrativa em pauta, para mostrarmos a transição do circo tradicional para o circo contemporâneo, assim como a perda de identidade cultural do primeiro no decorrer desse processo de transformação social no mundo globalizado.

1Possui graduação em Letras Português/Inglês – FFPP (1996), pós-graduação em Didática do Ensino Superior - Faculdade Pio Décimo (1999) e é pós-graduanda em Literaturas Brasileira e Portuguesa - Faculdade Pio Décimo. É escritora de literatura infantojuvenil, contribui com publicações de memórias, artigos e resenhas no Caderno de Cultura do Jornal Cinform/SE e no portal literário Recanto das Letras. Atualmente coordena o Projeto Descobrindo Autores Sergipanos, na Secretaria de Estado da Educação - SE e é membro do Comitê Sergipano de Leitura. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Infantojuvenil, Literatura Infantojuvenil Sergipana e Leitura e Produção de Textos. jealdas@yahoo.com.br

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O Palhaço e a Bailarina

O conto infantil O Palhaço e a Bailarina narra a história de dois personagens circenses muito populares, que encantam os espetáculos de circos há séculos. Alice, a bailarina e Carambola, o palhaço são artistas de trupes diferentes e acabam chegando em uma cidade, que ironicamente tem o nome de Alegria, mas na verdade, é uma cidade muito triste.

A princípio, os artistas não se conhecem e fazem seus números separadamente. As pessoas da pequena cidadezinha ficaram muito felizes por aparecer naquela cidade triste uma nova forma de distração. Em um dia, eles vibram com as cambalhotas de Carambola e no outro, eles deliram com os passos suaves e perfeitos de Alice.

Mas de repente, algumas pessoas começaram a dizer que preferem o palhaço, e outras insistem em dizer que preferem a bailarina. A divisão foi manifestada em Alegria. A platéia foi divida. Uns querem que Alice fique, outros querem que Carambola fique. Essa confusão estava deixando todo mundo maluco na cidade, até o dia em que os artistas se conheceram e acabaram entrando num acordo muito justo. Eles simplesmente decidiram realizar um espetáculo juntos, para o sucesso dos dois e felicidade de todas as pessoas de Alegria.

Este é o enredo prazeroso do primeiro conto infantil de Antônio Carlos Viana e Sônia Maria Machado, que não apresenta características pedagogizantes, mas trás de forma intrínseca e suave uma transversalidade salutar, que sutilmente poderá ensinar a criança a resolver conflitos existenciais e incorporar valores éticos.

É justamente sobre esta história aparentemente simples, direcionada ao público infantil, por apresentar características próprias, como narrativa curta, reduzido número de personagens e um único conflito, que nos debruçaremos, para tentamos compreender a historiografia da cultura do circo, suas transformações ao longo do tempo, bem como suas características no mundo pós-moderno.

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A Origem do Circo

A origem do circo é incerta até os dias atuais, mas achados arqueológicos vem aos poucos desvendando o enigma dessa arte tão antiga de entretenimento, pois foram encontradas na China pinturas rupestres de 4.000 a. C., em que aparecem cenas de acrobatas, contorcionistas e equilibristas.

Também foram encontradas pinturas similares, datadas de 2.000 a. C., nas pirâmides do Egito. É relevante lembrar que, a habilidade de domador foi desenvolvida no Egito, com o objetivo de satisfazer e distrair os faraós, que adoravam exibir animais ferozes durante os desfiles militares.

Na Índia, em torno de 1.500 a. C., há também registros, especialmente nas passagens de espetáculos sagrados. Nos registros em discussão foram encontrados números de contorção e salto. Nesse contexto, percebemos que as civilizações antigas: China, Egito, Índia e sem esquecermos da Grécia, faziam uso da arte circense, para atender a diversos públicos e com diferentes finalidades.

Mas é em Roma, que as atividades de entretimento circense ganham força, inicialmente através de um anfiteatro em Pompeia, 70 a. C., seguido do Circo Máximus, o qual foi destruído por um incêndio, mas foi substituído pela construção do Coliseu. Lá eram apresentadas toda espécie de excentricidades, desde os homens louros nórdicos, animais exóticos, engolidores de fogo e gladiadores, sem contar com os espetáculos sangrentos, derivados da perseguição aos cristãos, entre 54 e 68 d. C..

Durante muitos e muitos séculos, os artistas improvisavam seus números em praça pública, feiras e entradas de igrejas. Assim, diante da necessidade de sobreviver e amor à arte, truques mágicos, malabarismos, apresentação de dança, sátiras e representação cômica eram exibidos pelos artistas de circo. Ainda no século XVIII, vários grupos de saltimbancos percorriam cidades europeias, principalmente a Inglaterra, França e Espanha.

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Do Tradicional ao Contemporâneo

O circo que temos como modelo, espetáculo pago e uso do picadeiro foi criado durante o século XVIII, em Londres pelo oficial da cavalaria britânica Philip Astley. Dessa forma, Astley criou o primeiro circo moderno europeu, com rigor e estrutura militar, o Astley’S Amphitheatre. No entanto, o oficial britânico percebeu que, para segurar o público, ele precisava reunir várias atrações.

Nesse sentido, o criador do Astley’S Amphitheatre acabou juntando saltimbancos, equilibristas, salteadores e palhaços. Cabe ressaltar que, o palhço do batalhão era um soldado do campo, que acabou sendo chamado de clow, vocábulo inglês, que se origina de caipira. Os primeiros números com o novo personagem circense resumiam-se em uma brincadeira de montaria, pois o palhaço não sabia montar, então, ele montava ao contrário, caía, subia de um lado, caía para o outro e passava por baixo do cavalo. O palhaço fez muito sucesso e exigiu de seu criador a criação de novas situações. Mais tarde, ele acrescentou ao seu circo, a dança com laços, perpetuando, também, a presença da bailarina no circo moderno.

É oportuno salientar que, o termo “Circus” foi usado pela primeira vez, em 1782 por Charles Hughes, quando este inaugurou o Royal Circus, em Londres. A rivalidade de Hughes rendeu frutos, pois John Bill Riketts, aluno de Hughes introduziu a cultura do circo, nos Estados Unidos durante uma turnê pelo nordeste americano.

Daí por diante, a cultura circense expandiu-se por todo o mundo, alcançando não somente grandes capitais, mas também pequenas cidades povoados e vilas. Por muitos séculos, o circo foi o grande palco de diverção, principalmente nas cidades do interior, onde o cinema e a televisão eram inacessíveis, às vezes por falta de energia elétrica, outras vezes por falta de condições financeiras das famílias carentes, tornando-se assim, identidade cultural de diferentes povos e nações.

Antes da criação do Circo Astley, os ciganos vindos da Europa introduziram essa cultura no Brasil. Dentre as mais variadas atrações representadas por eles, incluíam-se a domagem de ursos, o ilusionismo e as exibições com cavalos.

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No Brasil, a partir do final do século XIX, o circo com características itinerantes começou a aparecer. Os grupos circenses desembarcavam em cidades portuárias, realizavam seu espetáculo e depois partiam para outras cidades, descendo pelo litoral até o Rio da Prata, chegando depois a Buenos Aires.

Os circos itinerantes geralmente instalavam-se na periferia das grandes cidades, para apresentar seus espetáculos para as classes populares. Este tipo de circo investiu muito no elemento humano, utilizando as habilidades do artista como força motriz dessa cultura. Portanto, os palhaços foram e são os personagens centrais do sucesso dos circos.

É interessante observar que, o circo brasileiro acabou tropicalizando a imagem do palhaço, pois o nosso palhaço difere um pouco do palhaço europeu. O palhaço brasileiro é mais falante, malandro e galanteador, enquanto que, o palhaço europeu faz mais uso da mímica.

Diante das transformações sociais, tecnológicas e consequentemente culturais, a arte circense tem se modificado também, pois atualmente muitas universidades encontram-se ofertando vagas para cursos futuros profissionais do circo. Isso significa que, na sociedade pós-moderna houve uma mudança de valores em relação à aprendizagem da referida arte. No mundo contemporâneo e globalizado, a cultura das habilidades circenses, que sempre foram transmitidas de geração para geração, acabaram sendo substituídas pela aprendizagem acadêmica. Este exemplo é nitidamente identificado no livro Identidades Culturais, de Stuart Hall.

“O sujeito pós-moderno, conceptuado não tem uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma “Celebração Móvel”: formada e transformada continuamente em relação às formas, pelas quais somos representados ou interpretados nos sistemas culturais que nos rodeiam”, (Hall, 1988).

Nesse foco, no final da década de 70 surgiu um novo movimento, que podemos chamá-lo de “circo contemporâneo”. Porém, é necessário frisar que, esse movimento ocorreu simultaneamente em vários países do globo: na Austrália, com o circo Oz, na França, com a Escola Nacional de Circo Annie Fratellini. Deve-se lembrar que, esta escola surgiu com o apoio do governo francês. Na década de 80, no Canadá, criou-se a primeira escola de circo para atender à demanda dos artistas performáticos.

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Ainda segundo o pensamento Hall (1998), a globalização acaba alterando as noções de tempo e de espaço e tende a desorganizar as estruturas fixas, possibilitando assim, o surgimento de uma pluralização dos centros de exercício de poder.

Nessa perspectiva, vão surgindo a cada dia, escolas modernas com a finalidade da aprendizagem da arte circense, com uma matriz curricular ampla, que envolve dança clássica, teatro, música, sonorização, gestão circense e tantas outras disciplinas. Em síntese, o circo tradicional vai aos poucos perdendo sua identidade cultural, o qual abrange, habilidade, graça e simplicidade, para dar lugar ao circo pós-moderno, que segue ritmicamente sendo teorizado, estudado, pesquisado e sofisticando-se cotidianamente, sobretudo tentando atender as exigências do mundo globalizado.

Conclusão

O circo no mundo pós-moderno perdeu sua originalidade, transformando-se em uma cultura híbrida, que foi cotidianamente sendo desconstruída e reconstruída a partir das partículas socioculturais de povos e nações diversos, como também por apresentar um caráter heterogêneo composto por linguagens artísticas e perspectiva capitalista.

A arte circense do mundo globalizado, também não carrega mais a inocência das personagens do livro O Palhaço e a Bailarina, uma vez que a competição entre os grandes circos e espetáculos está cada vez mais acirrada no mercado empresarial.

As arquibancadas dos circos contemporâneos não abrigam mais a mesma platéia simples, oriunda de famílias carentes das cidades do interior, porque agora são montados mega-espetáculos em grandes centros urbanos, onde o preço do ingresso varia em torno de R$100,00 (cem) a R$ 400,00 (quatrocentos) quase o salário mensal do trabalhador.

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Referências Bibliográficas

Hall, Stuart. Identidade Cultural na Pós-modernidade, p. 7-22. Disponível em WWW.angelfire.com/sk//holgonsi/hall1html.

Acesso: 18 de março de 2011.

OLIVEIRA, Dennis de. Hall, Stuart. A Identidade na Pós-modernidade. Disponível em cultimidia.blogspot.com/2010/05/hall-s.

REZENDE. Darlan. Arte Circense. Disponível em circomystico.blogspot.com/

Acesso: 18 de março de 2011.

VIANA, Antônio Carlos Viana. Machado, Sônia Maria. O Palhaço e a Bailarina. 1 ed. Erechim, RS: Edelbra, 2007.

G Aguiar
Enviado por G Aguiar em 08/07/2011
Reeditado em 23/05/2012
Código do texto: T3083246
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