A Oralidade em Ibiradiô

A Oralidade em Ibiradiô

HORA, Jeane Caldas ¹

Resumo: O presente artigo tem como finalidade analisar os aspectos da oralidade apresentados em Ibiradiô, romance da escritora sergipana Gizelda Morais, publicado em 1999, em segunda edição pela Scortecci Editora. A perspectiva da oralidade será ancorada através das passagens históricas e religiosas, especificamente da catequese colonial instituída na Europa durante o final do século XV para o século XVI, com o processo de expansão de rotas marítimas para a África e a Ásia. É nesse processo, que surgem as descobertas de novas terras na América Latina, onde Portugal esteve à frente desse movimento ao lado da igreja, acreditando estar contribuindo com a formação do reino de Deus. Nesse prisma, sua função era salvar os povos nativos e infiéis, como também conseguir manipulá-los e controlá-los com maior facilidade.

Palvras chaves: Gizeda Morais, história sergipana, oralidade

Introdução

A análise sobre Ibiradiô é um enorme desafio para quem deseja fazê-la, uma vez que o romance é extremamente rico, quer em seus aspectos históricos, sociais, econômicos, culturais, educacionais e religiosos; quer na utilização de recursos narrativos variados e no aprofundamento de sua pesquisa histórica. A riqueza destes elementos acaba envolvendo o leitor num misto de prazeres: o prazer estético literário e a sede pelo desvendar de conhecimentos sobre a História do Brasil. Pois refletir sobre a conquista do território sergipano sem compreender o movimento colonial do Brasil é indiscutivelmente um grande entrave para o público leitor.

03

É inevitável ousar falar sobre Ibiradiô, sem tentar compor uma aquarela de simplicidade, segurança, paixão e compromisso sublime com arte literária, que envolve o perfil dessa gloriosa escritora sergipana, a qual tem como grandes inspiradores para os seus traçados literários, tanto na prosa como na poesia, as figuras inquestionáveis de Cecília Meireles e do poeta Santo Souza.

Nesse contexto, iremos traçar sucintamente a caminhada profissional de Gizelda Morais, para não corrermos o risco de esgotar as páginas deste artigo apenas com a apresentação de seu currículo. Em 1955, Gizelda teve sua apresentação na imprensa por Epifânio Dória, no Jornal de Sergipe. Durante as décadas de 50 e 60, ela participou de programas culturais de rádio. Paralelamente publicou seu primeiro livro de poesias em 1958, denominado Rosas no Tempo. A partir desse momento, nunca mais parou de produzir textos e obras em vários gêneros. Tem formação em Filosofia e em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia, recebeu o título de Doutora pela Universidade de Lyon, na França, com a tese L`Escriture et la Letcure, concluiu pós-doutorado na Universidade de Paris XIII e é membro da Academia Sergipana de Letras. É também, professora aposentada da Universidade Federal de Sergipe, onde atuou no Departamento de Psicologia e foi professora visitante na Universidade de Nice, na França.

Assim, descrever o caminho literário percorrido por Gizelda, não é uma tarefa muito simples, como já enfatizamos acima, pela abrangência de obras editadas, dentre as quais encontram-se: artigos, ensaios, poesias individuais e em parcerias com Núbia Marques e Carmelita Fontes, além de crônicas e contos publicados em jornais do

________________

1Possui graduação em Letras Português/Inglês – FFPP (1996), pós-graduação em Didática do Ensino Superior Faculdade Pio Décimo (1999) e pós-graduanda em Literaturas Brasileira e Portuguesa - Faculdade Pio Décimo. É escritora de literatura infantojuvenil, contribui com publicações de memórias, artigos e resenhas no Caderno de Cultura do Jornal Cinform/SE e no portal literário Recanto das Letras. Atualmente coordena o Projeto Descobrindo Autores Sergipanos, na Secretaria de Estado da Educação - SE e é membro do Comitê Sergipano de Leitura. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Infantojuvenil, Literatura Infantojuvenil Sergipana e Leitura e Produção de Textos. jealdas@yahoo.com.br

04

Estado. Sua trajetória como escritora tem lhe rendido sucesso e vários prêmios. Na categoria de romance, destacam-se Jane Brasil (1986), Preparem os Agogôs (1996), Absolvo e Condeno (2002), Feliz Aventureiro (2002) e o romance em pauta, Ibiradiô – as várias faces da moeda (1990), recomendado para o vestibular da Universidade Federal de Sergipe.

Na obra Ibirabiô muitas temáticas são abordadas de forma relevante e explícita, no entanto, a oralidade também nos chama atenção em inúmeras passagens sobre a catequese em diversas tribos indígenas, que habitavam o território da província sergipana, atual Estado de Sergipe.

Conceituando a Oralidade

A oralidade constitui-se numa forma de comunicação e coesão social, que possibilitou a preservação das tradições e costumes da humanidade. Os povos antigos viviam em um ritual de narração oral. Toda sabedoria, experiências, aprendizados, conceitos éticos, morais e conhecimentos eram transmitidos de geração a geração através do ato de contar histórias. Todos os povos e todas as sociedades vivenciaram essa experiência.

Nesse sentido, todas as raças e todas as classes sociais se valeram da oralidade para contar aos filhos, netos, amigos e parentes suas aprendizagens sobre os mais diversos assuntos e com várias finalidades. Às vezes com o objetivo de ensinar algo e muitas vezes como forma de diversão e interação social. Assim, o homem através do mito, aprendeu sobre o surgimento da natureza, sobre a origem do homem e sua relação com os fenômenos naturais. Aprendeu histórias sobre reis, rainhas, conquistas de novas terras, navegações marítimas, consequências das guerras e milhares de assuntos compartilhados através da contação de histórias.

Na narração oral, a narrativa incluiu narrador e ouvinte. Ao narrar uma história, o contador ou narrador cria a experiência, fazendo uso de uma multiplicidade

05

de linguagens: emocional, gestual, musical, dentre outras, enquanto o ouvinte tenta compreender a mensagem, criando imagens mentais e pessoais a partir das palavras, frases ou trechos ouvidos pelo outro.

Dessa forma, percebemos em Ibiradiô a forte presença desse gênero literário

usado constantemente pela personagem secundária do padre Gaspar, na tentativa da prática de conversão cristã e na aplicação de ensinamentos bíblicos nas comunidades indígenas do território sergipano no século XVI.

A Oralidade em Ibiradiô

O romance Ibiradiô é desencadeado de uma forma bastante criativa, usando uma trama dentro da outra, estratégia inteligente usada pela autora para narrar fatos passados da História de Sergipe. Desse modo, a obra é composta de dois tempos verbais ou tempos narrativos: o presente e o passado, que se articulam formando uma cadeia de ficção e realidade.

O presente é marcado pelas presenças das três personagens: Diogo, Cristovão e Gaspar, que se reúnem com o intuito de produzirem um filme, para mostrar a invasão e conquista de Sergipe no final do século XVI; já o passado é usado para narrar fatos e acontecimentos dramáticos vividos pelos índios, quando foram atacados e praticamente exterminados pelos colonizadores portugueses.

Encontramos, também, em Ibiradiô, a oralidade em duas vertentes, uma como forma de conversão religiosa, através do catequismo cristão. Tendo na aceitação de Cristo a salvação, o perdão, a fuga do purgatório e do inferno. A outra como forma de controle, de pacificação dos índios, de domínio e de escravidão ingênua dos nativos que, equivocadamente achavam que estavam sendo protegidos pelos padres, os quais faziam parte da catequese missionária espalhada pelas tribos do território sergipano.

A afirmação mencionada no parágrafo acima é nitidamente observada quando a personagem Diogo, um noviço que andava na companhia do padre Gaspar rememora a

06

chegada numa das missões. Ele relembra que Salônio comandava as rezas e o padre escolhia uma leitura para fazer a pregação do dia. Lembra ainda que, os nativos faziam muitas perguntas curiosas e o padre sempre respondia na língua deles, sendo que, certo dia, o padre lhes contou a história da criação do mundo e eles ficaram maravilhados com a proeza de Deus criar tudo em seis dias e descansar no sábado.

Permeando um pouco mais as entrelinhas do romance, evidenciamos a presença explícita da oralidade como forma de pregação, de ensinamento religioso e de explicação dos fenômenos naturais e existenciais retratados por Diogo, que segue com as lembranças do episódio, em que padre Gaspar explica aos índios o mito da criação do mundo. (...) 2“Então lhes explicou como foram feitos o mundo, o sol, as estrelas, os mares, e finalmente o homem, com um pouco de barro. Deixando no paraíso, Adão se enfastiou e pediu uma companhia.” (Morais, Giselda. P. 35)

Do ponto de vista histórico, a oralidade não foi utilizada apenas como instrumento de ensino-aprendizagem na colonização do Estado de Sergipe, mas em todo o movimento de conquista, colonização e exploração circundante em todas as regiões do solo brasileiro. Era comum nos territórios ou províncias conquistados a fundação de escolas catequistas, as quais usavam praticamente a mesma metodologia de ensino: a reunião de índios em círculos, para ouvirem a pregação dos sermões, o canto de hinos, a contação de histórias bíblicas, que tanto fascinavam curumins, homens e mulheres nativos.

___________________

2MORAIS, Gizelda. Ibiradiô, 3 ed. São Paulo: Scortecci, 2005. p. 35.

07

Conclusão

Pela beleza literária, riqueza de conteúdo e organização no processo criativo, consideramos o épico Ibiradiô como um verdadeiro manancial de conhecimentos plurais, que vão sendo abordados de forma surpreendente no decorrer de sua trama muito bem planejada, com também pelas vozes narrativas variadas que transbordam na história.

A oralidade analisada no romance em foco é apenas um dos muitos aspectos apresentados por Gizelda nessa obra literária cativante, crítica e instigadora para os receptores da literatura brasileira, especialmente da sergipana.

Nessa perspectiva, Ibiradiô apresenta-se como uma literatura multifacetada em seu sentido mais amplo, pela abrangência de temáticas, pela sua estrutura incomum de escrita, pelo entrelaçamento e sintonia entre o contemporâneo e o passado histórico.

08

Referências Bibliográficas

MORAIS, Gizelda. Ibiradiô, 3 ed. São Paulo: Scortecci, 2005.

ROSA, Maria Cecília Amaral de. Contadores de Histórias. Revista Literatura: Conhecimento Prático, nº 34. São Paulo: Escala Educacional. 2011.

SITES:

BRASIL. http://www.artigonal.com/religiao-artigo. Acesso em 16 de fevereiro de 2011.

BRASIL. http://www.wagnerlemos.com.br/birad. Acesso em 16 de fevereiro de 2011.

BRASIL. htp://pt. Wikipédia.org/wiki/Oralidade. Acesso em 16 de fevereiro de 2011.

G Aguiar
Enviado por G Aguiar em 08/07/2011
Código do texto: T3083242
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.