Espiritismo, porque não?


A doutrina espírita, apesar de possuir mais de 150 anos apresenta-se sempre como desafiadora. Representa uma forma inovadora de interpretar a religiosidade de forma mais aberta e questionadora de dogmas milenares. O espiritismo afirma que não veio para quem está satisfeito com sua fé, mas sim para quem duvida ou não a tem. Nesse ponto, serve como um alento para quem não se satisfaz com as explicações religiosas tradicionais. Uma mente questionadora se debate em vão na aceitação de "verdades eternas" que não dão conta de explicar aquilo que, à vezes, nos salta aos olhos.
 
Por mais que possa causar desconforto, por exemplo, questionar o texto bíblico, isso se faz necessário quando tal interpretação não explica a realidade de maneira satisfatória. Um pequeno exemplo prático, no labor da evangelização através da internet é comum recebermos e-mails de evangélicos indignados com a nossa iniciativa, alegando que precisamos nos engajar numa religião "verdadeira" ou ainda que devemos conhecer o Deus "verdadeiro" dizendo, com isso, que estamos envolvidos em fantasias ou, ao menos, que não estamos suficientemente embasados em nossa fé.
 
Questionam tais e-mails a reencarnação, a comunicabilidade do mundo espiritual com o nosso, citando passagens bíblicas como "é dado ao homem viver uma só vez". Mandam-me estudos bíblicos bem embasados com várias citações bíblicas de difícil refutação. Mas percebo que algumas questões não recebem resposta adequada dentro da interpretação bíblica tradicional.
 
Por exemplo. O que justifica sermos filhos do mesmo Pai e sermos criados tão diferentes, uns mais desgraçados e infelizes do que outros? Por mais esforço que se faça em mostrar um Deus de amor, com o dogma da unicidade da existência só nos resta um sonoro "porque Deus quis assim?" Nas perdas que sofremos de nossos entes queridos, que esperança nos resta quando nos apresentam somente um céu e um inferno eternos. Onde estão as gradações, as melhoras, ainda que pequenas que fazemos em nosso caráter ao longo da vida, nada se aproveita, não há uma próxima etapa?
 
Fenômenos mediúnicos aos milhares em todas as partes do mundo e em todas as épocas demonstrando que no plano espiritual, tal como aqui na terra, há espíritos felizes e infelizes, espíritos mais esclarecidos e outros mais ignorantes identificando uma escala progressiva, conforme o grau de adiantamento moral e intelectual de cada um.
A religiosidade tradicional a tudo isso vira as costas afirmando que basta a fé em Jesus para que se alcance o beneplácito divino, tudo bem, mas de que tipo de fé estamos falando? Naquela em que passamos a nos vestir de determinada forma, passamos a ouvir determinado tipo de música e adotamos determinadas palavras em nosso vocabulário ou ainda aquela que parte da certeza de que só nossa religião é a correta e que somos privilegiados por Deus nos a ter revelado?

A proposta religiosa espírita é, sobretudo, uma proposta pedagógica que devolve ao ser humano sua condição pensante e de único responsável por suas escolhas e consequentemente pelo seu destino. Ação e reação. "Quem planta flores colhe flores e quem planta espinhos colhe espinhos". Não há espaço para vítimas indefesas e inocentes do destino. Somos frutos concebidos por nossas próprias ações praticadas num passado do qual trazemos notórias marcas nas circunstâncias que nos são colocadas em nossa vida atual.
 
Os desafios que enfrentamos hoje estão ligados a lições que viemos aprender aqui. Nada acontece por acaso ou por descuido de Deus. As maiores tragédias que um ser humano possa suportar estão atreladas a resgates de débitos passados ou ainda a provas que nos testam os aprendizados adquiridos, na maioria das vezes, em meio a dores e sofrimentos.
 
Olhar o sofrimento sob a ótica do aprendizado e do aperfeiçoamento nos fortalece para continuar caminhando e nos melhorando. Mas me entristece ainda a necessidade de um capeta com chifres e rabo que outra coisa não faz senão nos fazer sofrer sem que tenhamos necessariamente reponsabilidade nesse sofrimento.