CULTURA BRASILEIRA : A REPRESENTAÇÃO "CORDELÍSTICA" DUM RICO SINCRETISMO

Antes de começar este texto tive vontade de logo anunciar no meu título que eu me reportaria à telenovela CORDEL ENCANTADO que, a bem da verdade, é uma obra encantadora e muito tem inspirado os meus textos, inclusive os do gênero "cordel". Fazia tempo que eu não os escrevia e ultimamente me divirto neles.

Claro, aqui, se trata duma minha simples opinião de leigo e de telespectador, todavia, quem não gosta de telenovelas talvez não tenha nem como opinar, e eu, por isso, a princípio ocultei o âmago do meu texto novelístico.

Fazia tempo que eu não escrevia sobre novelas porque as últimas produções novelísticas brasileiras, confesso, têm me desencantado tanto a ponto de eu não querer muito escrever sobre elas, só para não cair na mesmice das críticas. Muitas caíram na mediocridade artística da apelação.

Mas CORDEL ENCANTADO tem tantos pontos altos que não sei se saberia analisá-los com critério e com acurada sensibilidade que a obra TODA merece.

É uma novela primorosamente apresentada em todos os tópicos artísticos, a começar pelo tipo de fotografia, cuja filmagem nos reporta a época do cinema antigo, a nos trazer de volta a clássica lembrança daquelas filmadoras "tipo V8", e que nos confere uma formatação de imagem diferente e muito mais artística, gostosa de se ver. Algo teatral.

A música de abertura "Cordel da Princesa" de Gilberto Gil dispensa comentário assim como toda a obra de Gil, artista que considero completo e que amo de paixão. Um músico poeta como poucos.

E já que falo em MPB, vale observar que toda a trilha sonora da novela foi escolhida caprichosamente a dedo, com músicas clássicas do cancioneiro nordestino, advindas , por exemplo, de compositores maravilhosos como Zé Ramalho (Chão de Giz é de arrepiar até os ossos mortos!) e intérpretes ímpares como Maria Betânia, se não me engano no timbre das vozes que ouço.

O que aqui descrevo eu não pesquisei em lugar algum, é apenas fruto do que assisto.

A estória escrita em forma de fábula, até certo ponto bem dosadamente caricata, humorística, faz um lindo e delicado contraste histórico, de veio poético, nos representando o nosso maravilhoso produto de sincretismo cultural autóctone, fruto da fusão da cultura européia (caracterizada pela realeza de Seráfia) e da cultura brasileira num legítimo cenário de sertão nordestino, a cidade cenográfica de Brogodó.

Ali vemos desde o predomínio das paisagens mais agrestes e da arquitetura de influência colonial, até a histórica formatação das relações políticas através das quais as questões rivais eram travadas entre os coronéis, os trabalhadores rurais e o cangaço.

A dinâmica sociológica da época ali também é ricamente retratada, nas relações das famílias, empregados, políticos (a representação caricata do prefeito, da primeira dama, do delegado e do padre de Brogodó), no artístico recado subliminar que nos traz muitas críticas engraçadas e pertinentes, criveis até nos nossos dias.

O figurino é caprichadíssimo e nos revela toda a vasta riqueza do artesanato brasileiro do nordeste, finamente representado nos linhos, nas cambraias, no puro algodão, nas confecções das tramas dos teares, nos tão recentemente em moda "fuxicos" e principlamente nas rendas "Renassença, Bilrot, Labirinto, Richeleau e Filé", (as que pude notar) todas de nos encantar os olhos com suas variedades de desenhos e cores.

Os utensílios decorativos também mostram a rica diversidade que brota das mãos dos artesãos dos vários materiais, primordialmente da cerâmica, também utilizadas como guarnições para a gastronomia regional.

A arte sacra ali presente nos retrata a simplicidade das igrejinhas e alguns resquícios do período Barroco.

Enfim, devo ter me esquecido de muitos detalhes diante de tão vasta cultura ali representada, obviamente a nos ressaltar o ponto mais alto da literatura popular nordestina que dá o título à novela: a literatura de cordel, versos rimados que contam suas estórias em livretos, e que ficam expostos para vendagem dependurados em "varais" pelos principais pontos, nos diversos eventos das cidadezinhas. Coisa só nossa! Ali encontramos verdadeiras pérolas literárias.

"Cordel Encantado" é uma obra que faz uma grande homenagem ao encanto do sincretismo cultural do nosso Brasil, em especial à rica cultura nordestina.

Parabéns à toda a produção da novela. Elenco impecável e aqui destaco a perfeição da atuação de Bruno Gagliasso e a beleza do bonitão, o Rei do Cangaço. Peço um espaço para os meus olhos femininos, ora essa! Que homem bonito de se ver!

Deveras, precisamos de iniciativas artísticas desta monta a verdadeiramente nos agregar entretenimento ao enriquecimento cultural.

À televisão também cabe este inadiável compromisso.

Deve ser por isso que, daqui de São Paulo, toda tarde, assim que o sol se põe, eu vou -me embora para Brogodó! Acreditem, não há lugar mió!