Análise de Contos de Miguel Torga - Letras UFRGS

O REGRESSO

A cena inicial do conto retrata em minúcias, o despertar de uma pequena aldeia. A fumaça da lareira da casa de um morador, João Rã, madrugador da povoação, as vozes confusas da Babel animal, e dos portais das casas vão surgindo caras humanas e cristãs, para encarar nova romaria de suor.

Ivo sentado numa fraga de granito olhava e analisava aquele despertar, com o olho que restava ia fotografando o casario e a vida da terra onde nascera. Neste ponto há metáfora que hoje ele vê as coisas mais nitidamente que outrora, quando possuía os dois olhos, e não conseguia juntar num mesmo amor o execrável e o santo. O lamento do burro latoeiro, desperta do torpor e faz irromper uma lágrima furtiva por seu rosto.

Tinha consciência que há muito morrera para a aldeia. A mãe, Maria Torres, ainda trajava luto, mas acostumara-se à tristeza de tê-lo perdido, o pai ensimesmado, engolira o desespero, envelhecera vários anos e o esquecera também, as irmãs após o luto carregado e choro convulsivo, agora vestiam blusas claras e namoravam alegremente.

Partira para lutar uma guerra que não era a deles, matando sem razão, atraiçoara milênios de fraternidade, de paz e entendimento.

Nesta parte do conto, quando é interpelado pelo pequeno pastor – Você quem é? – Nem ele mesmo sabia, coberto de cicatrizes, meio cego, maneta, coberto de sangue e remorsos. O seu próprio trajar retratava a miscelânea de peças de roupas – calça de bombazina,blusa americana, gorra basca e alparcatas galegas. Nada o desiludira mais que nem os próprios olhos da inocência o reconheceriam.

Lá na fronteira onde lutara, não o interpelaram, passou a ser um número, um autômato, ao bel prazer de seu comandante. A porta de regresso a aldeia lhe era fechada na cara, justamente por uma criança , que no seu subconsciente ainda julgava sê-lo, e no momento em que o menino vaticinara, que ele dava uns ares de um rapaz da aldeia que morrera, “que tinha mesmo esse nome, fugiu de casa, foi para a guerra e ficou lá”.

Sobre a indagação de que terra é ao menos! Não possuía resposta , pois era mais difícil saber quem era, não se localizara no mundo.

Constatou que os sonhos de retorno, as lembranças da infância estavam inexoravelmente perdida, e a aldeia agora desperta e rumorosa, era inacessível, e ali não havia mais lugar para ele, voltou-lhe as costas vencido e partiu.

Comentário: O Ponto de contato do texto com a Bíblia está na Parábola do filho pródigo, que parte após receber sua parte na herança, gasta tudo em festas e prazeres mundanos, e após regressar, pobre, maltrapilho e faminto e recebido com festas e júbilo. Ivo, ao contrário partiu para lutar uma guerra, que não sabia , nem o porquê e suas causas, e ao retornar á sua aldeia, não é reconhecido, seus pais e irmãs já o esqueceram, apenas uma pequena esperança nasce na indagação do pequeno pastor, que desvanece na afirmação que ele não pode ser o moço que partiu, pois ele morreu na guerra e ficou por lá. Para Ivo talvez essa solução fosse a melhor. Estar vivo para ele significava a morte que vinha através do esquecimento e desprezo.

A FESTA

As três personagens principais do conto são, o pai, a mãe e a filha, e na parte inicial do conto é traçado o perfil e os objetivos que cada um tinha na festa e na procissão de Santa Eufêmia. O Nobre tinha contas a acertar com Marcolino, que o chamara de covardola , a mãe Lúcia pagar a promessa que fizera por causa do ferrujão dos bois, a filha Otilia era passar a noite no arraial, a dançar com o namorado. Cada um dos três dera um jeito de conseguir dinheiro extra de maneira que os demais não soubessem, o pai vendera bois por dezoito notas, e escamoteara uma da conta, a mãe vendera centeio ao padeiro, e a filha também conseguira dinheiro através de acerto com um vendedor de vinho.

(Na verdade estas pequenas “desonestidades” eram bem toleradas pela família que fazia vistas grossas aos deslizes alheios).

Na festa o divino e o profano dão ali as mãos, num amplo entendimento. No Local cada um vai à busca de seus intentos, a moça encontra Leonel, seu namorado e bailam juntos e namoram, o Nobre encontra seu desafeto e a mãe ajoelha-se ao pé da Santa a rezar.

Ninguém tinha tempo para cuidar dos outros. Cada um tratava de si, dos seus amores, da sua fé, de seus ódios.

O cenário pós festa, é descrito com riqueza de detalhes, corpos pelo chão adormecidos, crianças, velhos, enfim o caos, a festa da comilança e da bebedeira.

O conto fecha com o trio se encontrando no alvorecer, com suas penas atendidas e realizadas, mas com desencantamento e desconforto, por não ter saído como planejado, mas restava ainda a esperança de continuar, e arranjar novas forças para gozar a festa que tinham esperado o ano inteiro.

Comentário: Este conto nos remete aos rituais católicos herdados por nós dos portugueses, o divino e o profano, o fim de festa com seus pormenores, nos remetem á lembrança de Festas e Romarias (vide Navegantes, Medianeira (RS)), onde estas imagens que o conto nos joga e mostra, é tão palpável, que não fica devendo nada à realidade.

JOAO DE DEUS VIEIRA ALVES
Enviado por JOAO DE DEUS VIEIRA ALVES em 07/05/2011
Código do texto: T2955968
Classificação de conteúdo: seguro