O MAL DO MILÊNIO

Cambaleante a humanidade tenta se reencontrar, trôpega vislumbra a magnitude dos seus erros históricos. A racionalidade leva-nos a pensar erroneamente que toda atrocidade dos séculos não será repetida. “Somos seres que aprendem com os próprios desacertos”, esse pensamento conformista paira sobre nossas mentes alienadas pela falsa segurança do bom senso. Incapazes de vislumbramos o mar de lodo que se alarga bem à frente dos nossos olhos, uma humanidade cada vez mais confusa, intolerante e conformista se desfaz em sonhos consumistas, mola propulsora da máquina capitalista.

Sedentos e ávidos por si mesmos os homens se centram em um egoísmo sem precedentes na historia do mundo. Doenças da alma se proliferam pelo inconsciente de uma sociedade cada vez mais individualista, males nunca antes vistos ganham lugar na mente humana. A depressão, o tédio, a melancolia, a esquizofrenia e toda sorte de fobias trazem a tona o lado mais obscuro da mente do ditos seres pensantes.

A morte não é mais um monstro a se temer, aprendemos a conviver com ela. Violência, prostituição, corrupção, latrocínio e assassinatos tornam-se nesse limiar de milênio palavras do senso comum, e a banalidade com que a elas nos referimos denota quando menos um ar de conformismo com a situação da atual comunidade global.

Os valores definham gradativamente à medida que caminhamos rumo aos avanços tecnológicos, a cultura de massa bestializa a nova geração com produtos utra-liberais. “O céu é o limite!” essa é a máxima que evidencia a total aversão aos antigos códigos de conduta. Ineficientes os pais não são mais dos genitores duma geração sem pudores nem controle. A educação passa pelo maior colapso de suas história, sua ineficácia em acompanhar os avanços da globalização a torna ferramenta obsoleta no enfrentamento das vãs culturas que povoam esse século.

A grande maioria dos meios de comunicação trata com desprezo a genialidade e a inteligência, o corpo passa a ser cultuado em detrimento do intelecto, uma geração inteira passa a viver esse signo, falo aqui da sexualidade e dos prazeres do corpo. As comédias televisivas tratam pessoas inteligentes como CDFS ou em outras palavras pessoas sem graça que não têm vida social, não praticam esportes e que sobretudo não fazem sucesso com o sexo oposto. É essa visão preconceituosa e pejorativa que ganha espaço na mente dos novos adolescentes que a todo custo querem evitar a praga do intelectualismo, antes disto querem se tornar populares, fortes e bonitos para serem reconhecidos.

Há de se rever o papel dos meios de comunicação no século XXI sob pena de reinventarmos um novo conceito de retrocesso bem no meio da mais poderosa onda de avanços da história da humanidade.

Não obstante um observador bem atento pode perceber dentro da atual conjuntura da maioria das nações um desbotamento de antigas instituições que desempenhavam papel de cunho moral na sociedade; Citemos a exemplo disso a igreja. Se por análise comparássemos os diferentes centros religiosos, enquanto agentes formadores de valores na sociedade veremos que nos últimos cem anos a igreja abruptamente mudou a retórica do seu discurso que durante séculos se manteve pragmático nos sentido de policiar procedimentos que a seu ver fossem perniciosos para a vida social dos grupos humanos. Essa mudança esta vinculada ao passado histórico da política mundial. Até o início do século XX o mundo ainda respirava os valores da economia feudal, a igreja mesmo que enfraquecida pela reforma ainda gozava de grande prestigio e autoridade. O capitalismo mesmo que já em prática era ainda uma idéia buscando afirmação num universo ainda viciado pelo regime feudal. Assim com um contexto favorável a igreja tinha autoridade para desempenhar um papel educador e policiador na sociedade sem risco de perder a clientela posto ainda exercer o monopólio da fé cristã. Dessa forma ainda no século XX os valores medievais eram respeitados e seguidos com grande observância pela sociedade.

Contudo naquele momento histórico o mundo respirava os ares da revolução Socialista de 1917 a igreja detentora de grandes posses latifundiárias evidentemente posicionou- se contra qualquer idéia comunista. Mascaradamente rebatendo o comunismo com idéias religiosas, mas o pano de fundo era outro; ali estava em jogo muito mais que idéias religiosas ou de fé, mas sobretudo ideais econômicos, em outras palavras o estado comunista centralizador anexaria as posses da igreja ao patrimônio nacional, podendo evidentemente dividi-los no advento da reforma agrária e isso não era o que a igreja pretendia.

Ao se posicionar contra o socialismo soviético a igreja acenava positivamente para o ideal capitalista que mais tarde viria se consolidar como sistema majoritário de produção econômica. A economia de mercado ganhou força, a lei da oferta e da procura passou a reger o modo de se produzir, o mundo testemunhou o fenômeno do consumismo. O lucro é então a locomotiva que arrasta os vagões do capitalismo. O moderno, o novo e o vulgar ganham espaço na mídia e nesse ponto o caro leitor se pergunta e a igreja o que tem a ver com isso?

A igreja tentou sem sucesso manter o velho discurso milenar com toda sua retórica moralista e educativa, mas viu-se na contra-mão de um sistema voltado para o lucro, para quantidade. A febre do protestantismo ganha força; seitas e religiões se proliferam ao redor do mundo. Uma vasta gama de doutrinas ganha forma e se consubstancia numa das mais poderosa vertentes do capitalismo “a oferta". Então a igreja como um todo incorpora na prática religiosa os direcionamentos capitalista. Preocupados com a proliferação evangélica a igreja tenta se tornar mais atrativa, mais maleável, menos policiadora e moralista, abrindo assim um novo capitulo na historia da humanidade “o da igreja secular e capitalista”. Esse comportamento da igreja tirou-he o status de agencia educadora tendo em vista que se tornou mais flexível aos avanços dum mundo cada vez mais liberal e consumista. E será nesse momento de conformismo histórico que a igreja definitivamente perdera o seu papel educador tornando-se camufladamente uma das tantas instituições a serviço do capitalismo.

A fé do século XXI torna-se um poderoso produto de mercado, as religiões, ditas cristãs, deturparão a cada segundo os ensinamentos que o próprio cristo disseminou no advento de sua vida humana. A importância do poder subleva todos outros valores atemporais. Finalmente a sociedade se torna órfã dos valores advindos da fé e se entregam ao seu próprio discernimento das coisas.

Nitidamente todas as ações educadoras e formadoras entram em colapso no nosso século, tudo parece convergir para um regime de caos, a sociedade cada vez mais permissiva se entrega ao deleite dos prazeres da libido e nesse ponto a racionalidade que sempre constitui uma fina teia a nos separar dos outros animais inferiores torna-se cada vez mias tênue e o humano perde espaço para o insano, irracional e degradante.

Paralelamente a família figura frente a toda esse conjuntura como a maior da piadas históricas, parece perder gradativamente o seu papel frente a obrigação frente a perpetuação de valores na educação dos filhos, gerando um ciclo vicioso do qual parece não haver culpados.

Do lado oposto de tudo isso, a escola acena solitária e isolada numa tarefa muitas vezes débil e desgastante, a remar contra todo esse oceano de alienação e disparate na tentativa de cumprir seu papel histórico de agente de transformação social. Como bode expiatório de uma sociedade cada vez mais deturpada pelo secularismo, tenta inutilmente perpetuar um discurso fora de moda, que prime sobre tudo pela ética, pela moralidade e acima de tudo pelo comprometimento com que é certo, belo e, sobretudo justo.

Quanto mais penso sobre tudo isso mais me acresce uma certeza absoluta do fim apocalíptico que nos reserva as palavras milenares dos profetas e do próprio Cristo. Só vejo uma diferença entre esse novo final humano: “é que ninguém parece estar construindo a arca.”

Gilmar Faustino
Enviado por Gilmar Faustino em 09/04/2011
Código do texto: T2898395
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