Homero pai do espírito grego
A Homero atribuem-se os dois maiores poemas épicos da Grécia antiga, que tiveram profunda influência sobre toda literatura ocidental. Além de símbolo da unidade e do espírito helênico, a Ilíada e a Odisséia são fontes de prazer estético e ensinamento moral. De acordo com alguns estudiosos, Homero nasceu em torno de 850 a.C. em algum lugar da Jônia, antigo distrito grego da costa ocidental da Anatólia, que hoje constitui a parte asiática da Turquia, mas as cidades de Esmirna e Quio também reivindicavam a honra de terem sido seu berço. Até mesmo as fontes antigas sobre o poeta contêm numerosas contradições, e a única coisa que se sabe com certeza é que os gregos atribuíam a ele a autoria dos dois poemas. A tradição lhe atribuiu também à coleção dos 34 Hinos homéricos, dos quais procede a imagem lendária de Homero como poeta cego, mas que depois se constatou serem de fins do século VII a.C. Os maiores especialistas gregos não admitem que tenha sido Homero o autor de obras como o desaparecido poema Margites ou a paródia épica Batracomiomaquia. As muitas lendas e a escassa confiabilidade dos dados biográficos sobre Homero fizeram com que já no século XVIII muitos questionassem até mesmo a existência do poeta.
As diferenças de tom e estilo entre a Ilíada e a Odisséia levaram alguns críticos a aventar a hipótese de que poderiam ter resultado da recomposição de poemas anteriores, ou de que teriam sido criadas por autores diferentes. Todas essas dúvidas constituem a chamada "questão homérica", e permanecem abertas à discussão. Os pontos em que há maior concordância dos estudiosos são: a Ilíada é anterior à Odisséia; quase com certeza os dois poemas foram compostos no século VIII a.C., cerca de três séculos após os fatos narrados; foram originalmente escritos em dialeto jônio, com numerosos elementos eólios - o que confirma a origem jônica de Homero; pertenciam à tradição épica oral, pelo menos no que se refere às técnicas empregadas, já que existem opiniões divergentes quanto ao emprego ou não da escrita pelo autor. A versão na forma escrita, tal como se conhece hoje, teria sido feita em Atenas durante o século VI a.C. se bem que a divisão de cada poema em 24 cantos corresponderia aos eruditos alexandrinos do Período Helenístico. Tais inconsistências, porém, poderiam ser explicadas pelo fato de o poeta, se é que realmente existiu, ter utilizado materiais anteriores e por terem sido provavelmente incorporados alguns outros. Quanto à existência de um autor único para a Ilíada, a mais antiga das duas obras, argumenta-se que embora seja evidente a existência de poemas épicos orais anteriores sobre os mesmos temas, não parece haver existido nenhum de extensão sequer aproximada, nem dotado de tal complexidade estrutural. Tal constatação indicaria a existência de um criador individual, que deu uma nova estrutura aos temas tradicionais e integrou-os em sua visão pessoal da realidade. Os que negam a autoria comum de ambas as obras argumentam que a primeira foi composta em tom mais heróico e tradicional e que a segunda tende mais para a ironia e a imaginação. Acrescentam ainda o emprego de um léxico posterior na Odisséia. Já a tese que defende a autoria única baseia-se na afirmação de Aristóteles, de que a Ilíada seria uma obra da juventude de Homero, enquanto a Odisséia teria sido composta na velhice, quando o poeta decidiu redigir a segunda obra como complemento da primeira e ampliação de sua perspectiva. Ambas as obras têm características comuns absolutamente inovadoras, como a visão antropomórfica dos deuses, a confrontação entre os ideais heróicos e as fraquezas humanas e o desejo de oferecer um reflexo integrador dos ideais e valores dos gregos. (HOMERO. Ilíada.).
A Ilíada é composta de 15.693 versos em hexâmetro dactílico, que é o formato tradicional da épica grega. Hexâmero é um verso composto de seis sílabas poéticas e dactílico faz alusão ao ritmo do poema, composto de uma sílaba longa e duas breves. A linguagem utilizada é o grego, num dialeto Jônico, e acredita-se que a Ilíada venha da tradição oral. Existem diversas seções que se repetem assim facilitariam a memorização pelas eras, indicando sua natureza de obra transmitida oralmente. Só muito mais tarde os versos foram compilados numa versão escrita, aproximadamente no século VI a.C. em Atenas. O poema foi então posteriormente dividido em 24 Cantos, divisão que persiste até hoje. A divisão é atribuída aos estudiosos da Biblioteca de Alexandria, mas pode ser anterior. Os gregos acreditavam que a guerra de Tróia era um fato histórico ocorrido durante o período micênico, durante as invasões dóricas, por volta de 1200 a.C.. Entretanto há na Ilíada descrições de armas e técnicas de diversos períodos, do micênico ao século VIII a.C., indicando ser este o século de composição da epopéia.A Ilíada influenciou fortemente a cultura clássica, sendo estudada e discutida na Grécia aonde era parte da educação básica.
A Ilíada se passa durante o décimo e último ano da guerra de Tróia e trata da ira do herói Aquiles, filho de Peleu e Tétis. A ira é causada por uma disputa entre Aquiles e Agamemnom, comandante dos aqueus e consumada com a morte do herói troiano Heitor terminando com seu funeral. Embora Homero se refira a uma grande diversidade de mitos e acontecimentos prévios, que eram de amplo conhecimento dos gregos e, portanto da sua platéia, a história da guerra de Tróia não é contada em sua íntegra.
Dessa forma, o conhecimento prévio da mitologia grega acerca da guerra é relevante para a compreensão da obra homérica.
Os gregos antigos acreditavam que a guerra de Tróia era um fato histórico, ocorrido por volta de 1200 a.C. no período micênico, mas estudiosos atuais têm dúvidas se ela de fato ocorreu. A Guerra de Tróia se deu quando os aqueus atacaram a cidade de Tróia, buscando vingar o rapto de Helena, esposa do rei de Esparta, Menelau, irmão de Agamemnom. Os aqueus eram os povos que hoje conhecemos como gregos, pois compartilhavam uma cultura e língua comum, mas na época se enxergavam como vários reinos, e não como um povo só. A lenda conta que a deusa (ninfa) do mar Tétis era desejada como esposa por Zeus e seu irmão Poseidon. Porém Prometeu fez uma profecia que o filho da deusa seria maior que seu pai, então os deuses resolveram dá-la como esposa a Peleu, um mortal já idoso, intencionado enfraquecer o filho, que seria apenas um humano. O filho de ambos é o guerreiro Aquiles e sua mãe, visando fortalecer sua natureza mortal, o mergulhou quando ainda bebê nas águas do mitológico rio Estige. As águas tornaram o herói invulnerável, exceto no calcanhar, por onde a mãe o segurou para mergulhá-lo no rio (daí a famosa expressão “calcanhar de Aquiles”, significando ponto vulnerável). Aquiles se torna o mais poderoso dos guerreiros, porém, ainda é mortal. Mais tarde, sua mãe profetisa que ele poderá escolher entre dois destinos: lutar em Tróia e alcançar a glória eterna, mas morrer jovem ou permanecer em sua terra natal e ter uma longa vida, porém ser logo esquecido. Para o casamento de Peleu e Tétis todos os deuses foram convidados, menos Éris, ou Discórdia. Ofendida, a deusa compareceu invisível e deixou à mesa um pomo de ouro com a inscrição “a mais bela”. As deusas Hera, Atena e Afrodite disputaram o título de mais bela e o pomo. Zeus então ordenou que o príncipe troiano Páris, à época sendo criado como um pastor ali perto, resolvesse a disputa. Para ganhar o título de “mais bela”, Atena ofereceu a Páris poder na batalha, Hera o poder e Afrodite o amor da mulher mais bela do mundo. Páris deu o pomo à Afrodite, ganhando assim sua proteção, porém atraindo o ódio das outras duas deusas contra si e contra Tróia. A mulher mais bela do mundo era Helena, filha de Zeus e Leda. Leda era casada com Tíndaro, rei de Esparta. Helena possuía diversos pretendentes, que incluíam muitos dos maiores heróis da Grécia, e o seu pai adotivo, Tíndaro, hesitava tomar uma decisão em favor de um deles temendo enfurecer os outros. Finalmente um dos pretendentes, Odisseu (cujo nome latino era Ulisses), rei de Ítaca, resolveu o impasse propondo que todos os pretendentes jurassem proteger Helena e sua escolha, qualquer que fosse. Helena então se casou com Menelau, que se tornou o rei de Esparta. Quando Páris foi a Esparta em missão diplomática, se enamorou de Helena e ambos fugiram para Tróia, enfurecendo Menelau. Este apelou aos antigos pretendentes de Helena, lembrando o juramento que haviam feito. Agamemnom então assumiu o comando de um exército de mil naus e atravessou o Mar Egeu para atacar Tróia. As naus gregas desembarcam na praia próxima a Tróia e iniciam um cerco que iriam durar 10 anos e custaria a vida muitos heróis de ambos os lados. Finalmente, seguindo um estratagema proposto por Odisseu, o famoso Cavalo de Tróia, os gregos conseguem invadir a cidade governada por Príamo e terminam a guerra. A Ilíada não conta o final da guerra, nem narra à morte de Aquiles.
Embora a Ilíada narre uma série de acontecimentos da guerra de Tróia e se refira a uma série de outros, seu tema principal é o ciclo da ira de Aquiles, da sua causa ao seu arrefecimento. Isto fica claro logo na primeira linha do poema. Através da consumação dessa ira, é tratada a humanização do herói Aquiles, sempre conflitado por sua dupla natureza, filho de deusa e homem, portanto mortal.
A questão da escolha entre valores materiais, como a segurança e a vida longa e valores morais, mais elevados, como a glória e o reconhecimento eterno é tratada na escolha com que Aquiles se defronta: lutar e morrer jovem, e ser lembrado para sempre, ou permanecer seguro e ser esquecido. A soberba de Aquiles contrasta grandemente com a sobriedade de Heitor, também grande herói, que não busca a glória como Aquiles, mas luta pela segurança de sua família e de sua cidade, e a preservação de suas raízes troianas. A guerra e suas conseqüências também é tema central na Ilíada, sendo ricamente retratada.A condição humana é magistralmente trabalhada por Homero, mostrando os dilemas mortais, as interferências de instâncias superiores e suas conseqüências, personificadas nos deuses que tomam partido.Amizade, honra e muitos outros temas abstratos também fazem parte da obra, compondo um belo painel da alma humana o que é, sem dúvida, uma das qualidades que tem determinado a eternidade da narrativa homérica.
Já na Odisséia alem de constituir, ao lado da Ilíada, obra iniciadora da literatura grega escrita, a Odisséia, de Homero, expressa com força e beleza a grandiosidade da remota civilização grega.
Anteriormente a tradição era a Historia oral e os mitos e todas as lendas locais eram passados por gerações desta maneira. Com os gregos dominando a escrita às obras homéricas tornaram-se importantes na educação e perpetuação do espírito grego. A Odisséia data provavelmente do século VIII a.C. Na Odisséia, ressoa ainda o eco da guerra de Tróia, narrada parcialmente na Ilíada.
O titulo do poema provem do nome do herói protagonista Odisseu rei de Ítaca, filho de Laerte um dos Argonautas , marido de Penélope, Odisseu aparece na Ilíada como homem perspicaz, bom conselheiro e bravo guerreiro.
A Odisséia narra às viagens e aventuras de Odisseu seguindo duas etapas. A primeira compreende exatamente os acontecimentos que, em nove episodio sucessivos, afastam o herói de casa, forçado pelas dificuldades criadas por Poseidon . A segunda consta de mais nove episódios, que descrevem sua volta ao lar sobre a proteção de Atena é também desenvolvido um tema secundário, o da vida na casa de Odisseu durante sua ausência e o esforço da família para trazê-lo de volta a Ítaca.
A Odisséia compõe-se de 24 livros em verso hexametro (seis sílabas), e a ação se inicia dez anos depois da guerra de Tróia, em que Odisseu lutara ao lado dos gregos. A ordem da narrativa é inversa: tem iniciou pelo desfecho, a assembléia dos deuses, em que Zeus decide a volta de Odisseu ao lar. O relato é feito, de forma indireta e em retrospectiva, pelo próprio herói aos feácios – povo mítico grego que habitava a ilha de Esquéria. Hábeis marinheiros são eles que conduzem Odisseu de volta para Ítaca.
O poema estrutura-se em quatro partes. Na primeira (Livros I a IV), intitulada Assembléia dos deuses, Atena vai a Ítaca animar Telêmaco, filho de Odisseu, na luta contra os pretendentes a mão de Penélope, sua mãe, que decide enviá-lo a Pilos e a Esparta em busca do pai. Porem, o herói encontra-se na ilha de Ogigia, prisioneiro da ninfa do mar Calipso.
Na segunda parte da assembléia dos deuses, Calipso liberta Odisseu por ordem de Zeus, que atendeu os pedidos de Atena e enviou Hermes com a missão de comunicar a ordem. Livre do jugo de Calipso, que durou sete anos, Odisseu constrói uma jangada e parte, mas uma tempestade desencadeada por Poseidon lança-o na ilha dos feacios (Livro V), onde é descoberto por Nausica, filha do rei Alcino. Bem recebido pelo rei (Livros VI a VIII), Odisseu mostra sua força e destreza em competições esportivas que seguem a um banquete.
Na terceira parte, Narração de Odisseu (Livros IX a XII), o herói passa a contar a Alcino suas aventuras que viveu desde a saída de Tróia: sua estada nas terras dos ciclopes, sua luta com o príncipe dos ciclopes Polifemo; o episodio na ilha de Éolo, rei dos ventos, onde seus companheiros, ao abrirem os odres em que estão presos os ventos, provocam uma violenta tempestade, que os arroja ao país dos canibais; o encontro com a feiticeira Circe, que transforma os companheiros em porcos; passagem pelo país dos mortos, onde reencontra a mãe e personagens da guerra de Tróia.
Na quarta parte, viagem de retorno, o herói volta a sua amada Ítaca, reconduzido pelos Feacios (Livro XIII). Apesar do disfarce de mendigo, dado por Atena, Odisseu é reconhecido por sua fiel ama Euricléia, que, ao lavar-lhe os pés, o identifica por uma cicatriz. Assediada por inúmeros pretendentes, Penélope promete desposar aquele que conseguir retesar o arco de Odisseu, de maneira que a flecha atravesse 12 machados. só Odisseu consegue. O herói despoja-se em seguida dos andrajos e faz-se reconhecer por Penélope e Laerte. Segue-se a vingança de Odisseu (Livros XIV a XXIV): as almas dos pretendentes são arrastadas aos infernos por Hermes e a história termina quando Atena impõe uma plena reconciliação durante o combate entre Odisseu e os familiares dos mortos.
A concepção do poema é predominantemente dramática e o caráter de Odisseu, marcado por obstinação, lealdade e perseverança em seus propósitos, funciona como elemento de unificação que permeia toda obra. Ai aparecem fundidas ou combinadas varias lendas pertencentes à antiqüíssima história oral com fundo histórico. Há uma forte crença de que a Odisséia reúna temas oriundos da época em que os gregos exploravam e colonizavam o mediterrâneo ocidental, ainda misterioso, daí a presença de mitos com seres monstruosos no ocidente. Pela extrema perfeição de seu conjunto, esse poema tem encantado os leitores de todas as épocas e lugares. É consenso na era moderna que a Odisséia completa a Ilíada como retrato da civilização grega, e as duas juntas testemunham o gênio de Homero e estão entre os pontos mais altos atingidos pela poesia universal.