PERIGO RELIGIOSO

Frente às inúmeras mitologias do mundo antigo, o cristianismo se caracterizou como um movimento de conscientização e libertação das mentes humanas. O relacionamento entre os homens deveria ser de irmão para irmão, e não a partir das diferenças entre escravos e senhores, entre civilizados e bárbaros, entre homens e mulheres, entre cidadãos e estrangeiros, entre ricos e pobres, entre pretos e brancos, entre crentes e descrentes. O princípio cristão fundamental para o relacionamento entre os homens deveria ser o da fraternidade, da solidariedade, da verdade, da liberdade. O culto cristão já não era um ritual mágico, mas um culto racional. A fé cristã já não é mais a adesão a mistérios inexplicáveis, mas ela deve saber dar razões de sua fé. Já não existem mais obrigações compulsórias vindas do templo: nem dízimos, nem peregrinações obrigatórias, nem lugares sagrados, nem obrigação de celebrações em construções especiais (igrejas!), nem circuncisão, nem proibições de comidas. O cristianismo não era uma religião de culto, mas de vida. O que importava não era o tamanho ou a quantidade de doações. Não importava se o rico oferecesse um boi a Deus e o pobre uma pomba, as contribuições deveriam ser espontâneas. No cristianismo já não existem dízimos compulsórios. Ninguém rouba a Deus. Deus não precisa de nada. As contribuições sempre serão para o benefício humano, especialmente dos necessitados. Quanto ao poder, o cristianismo o legitima apenas quando é um poder de serviço e não de dominação. Em primeiro lugar, cada um é seu próprio sacerdote. Sacerdote é aquele que se dirige diretamente a Deus. Todo homem, em qualquer lugar da terra, e em qualquer posição, pode-se dirigir diretamente a Deus. Quando as primeiras comunidades cristãs falam em presbíteros, “pastores”, diáconos, diaconisas, epíscopos... estes já não são mediadores entre Deus e os homens. São apenas animadores dos fiéis para que estes se dirijam diretamente a Deus. Diante destas e outras características revolucionárias, inerentes ao cristianismo, que modificaram a civilização antiga, e iniciaram uma nova civilização, fica-se admirado diante de muitas pregações de hoje, que se denominam de cristãs. Muitas vezes não passam de baboseiras. Há pouco um líder religioso, num programa de rádio, teve a ousadia de dizer que, se pudesse ter aconselhado a Deus no momento em que criou o homem lhe teria recomendado que não desse ao homem o livre arbítrio, pois gostaria de estar totalmente submisso a Deus, sem perigo de se desviar dele. E as sessões de milagres, as expulsões do demônio! Nem Jesus, nem os Apóstolos convocaram o povo para sessões de milagres, ou sessões de exorcismos. Os ditos prodígios eram apenas sinais maravilhosos que restituíam a dignidade a seres humanos humilhados e excluídos da sociedade. Os primeiros cristãos entenderam perfeitamente esta mensagem de Jesus, por isto começaram a libertar os escravos, a ilustrar as pessoas para que não se apavorassem com as superstições e crenças em inúmeros deuses, cuidavam dos doentes, dos idosos, dos órfãos, das viúvas, dos necessitados. Assim o cristianismo criou hospitais, escolas, orfanatos, influenciou os políticos para que elaborassem leis mais humanas, ensinou aos homens a trabalharem com dignidade para o seu sustento, e a viverem com responsabilidade comunitária. Claro, a força destes valores não se impôs imediatamente. Nem mesmo até hoje estes valores são imediatamente evidentes. Mas, sem dúvida, foram forças poderosas que contribuíram para que a humanidade se tornasse mais consciente e mais livre. E, com certeza, no futuro, continuarão a influenciar poderosamente a civilização humana. O cristianismo criou a “teologia da ciência”: “o que se pode conhecer da invisibilidade de Deus, podemos conhecer pelo mundo visível (Paulo).” Por isto, as maravilhosas descobertas das ciências nos acenam, especialmente hoje, muito melhor para a grandiosidade de Deus do que muitas pregações que manipulam textos bíblicos, e usam o nome de Jesus (Deus!) em vão. O texto bíblico é um “fóssil”, enquanto as maravilhas da natureza são uma constante e nova revelação de uma grandiosidade divina que nos ultrapassa infinitamente. Diante disto, considero que uma fé irracional, que não é capaz de dar razões de sua fé, que não toma em consideração a ciência, que nos mostra a grandiosidade do universo criado, é uma fé ilusória e perigosa, pois facilmente fanatiza as pessoas e as aliena.

Inácio Strieder é professor de filosofia- Recife-PE