O EROTISMO NA LITERATURA (Comentário)
O EROTISMO NA LITERATURA
Pergunto: O que é erótico? O que é pornográfico? Na minha modesta opinião, são dois temas completamente diferentes, seja na literatura ou em qualquer representação artística.
Escrever ou dizer algo com erotismo não é o mesmo que fazê-lo com pornografia. A palavra erótico (do grego erotikós) tem o significado de: relativo ao amor, inspirado pelo amor. A pornografia trata de assuntos obscenos (quase sempre virados para o campo comercial), capazes de motivar ou explorar o lado sexual do ser humano. Há, portanto, uma grande diferença entre um termo e outro.
De novo pergunto: O que é um texto erótico? Acredito que sejam várias as respostas: dependerá dos grupos sociais, da época, dos valores, da cultura e das características do texto.
O erotismo é a expressão NATURAL do desejo sexual; nada menos natural que as formas em que se manifesta.
Alguém escreveu que o erotismo «é a metáfora dos sentidos».
Para mim, o texto erótico é a representação por escrito dessa metáfora, quase sempre traduzida em poesia amorosa.
Num passado bem recente, às mulheres não era dada a liberdade de exprimir seus sentimentos mais íntimos e seus desejos através da escrita. Muitas mulheres sofreram perseguição e tortura, e poucas se aventuravam a escrever sobre suas mais íntimas emoções.
Ouvia-se uma única e quase apagada voz, a de Safo, na antiga Grécia, a quem foram atribuídos os primeiros textos eróticos femininos:
«Mal te vejo, um instante que seja
nem já sequer um som me passa pelos lábios,
mas a minha língua se resseca
um fogo sutil de súbito me corre sob a pele
os meus olhos deixam de ver
os meus ouvidos zumbem
cobre-se-me o corpo de suor
torno-me mais verde que a erva
e parece-me que vou morrer.»
Eram belos seus textos e neles eram expressados sentimentos quase proibidos em metáforas: amor, desejo, paixão…
Poucos registros existem sobre o ato feminino de escrever, muito menos sobre o assunto em questão. No período medieval e renascentista surgiram algumas autoras. Foram poucas as mulheres privilegiadas, que tiveram educação e cultura esmeradas, que se dedicaram à literatura e deixaram escritos maravilhosos, as rainhas: Marie de France, Marguerite de Navarre, Elizabeth I da Inglaterra, entre outras, escreveram maravilhosos textos sobre sentimentos, que na época eram considerados «inadequados».
Vale, também a pena, mencionar Lou Andréas Salomé, russa, autora de vários livros e colaboradora de Freud. Amor de Nietzsche (este último, nela se inspirou para escrever «Zaratustra»), ela foi exemplo de feminismo e de vanguarda na Europa.
Como ficar insensível aos magníficos poemas de Florbela Espanca, alguns deles puro erotismo, apelando aos sentidos?
Também alguns escritores homens se tornaram célebres por suas magníficas obras eróticas. Quem não se comoveu ao ler «O amante de Lady Chaterley» ou «Mulheres apaixonadas», de D. H. Lawrence, ou «Le lys rouge», de Anatole France? Teria sido, Olavo Bilac, menos erótico, no seu poema «A alvorada do amor»?
A sociedade, em geral, quase sempre aplaudiu o homem que cantou o amor, os sentidos, o desejo pelo corpo da amada, ao mesmo tempo que censurou a mulher que assim o fazia.
Felizmente mudanças sociais acontecem ao longo dos tempos. Acabou o tempo em que as esposas, dedicadas e castas, deveriam, no máximo, consentir em serem penetradas, apenas para darem à luz, passados nove meses.
A mulher, ser dotado de enorme sensibilidade, conquistou, dia a dia, cada vez mais espaço no mundo e na sociedade e, no caso específico da criação literária, soube ocupar, gradualmente, lugar de relevo.
Sejam escritos por mulheres ou por homens, textos, versos, poemas, expressam os sentimentos e emoções do poeta. Escrita erótica será sempre aquela que guia o leitor através dos meandros da imaginação em palavras sutis e estudadas ao ínfimo, senão seria outra coisa qualquer…
O erotismo é um conceito individual, se bem que estandardizado também não deixa de o ser. De fato, o ato sexual é a expressão maior da nossa sexualidade, assim como a expressão de emoções está na essência do poeta.
Para finalizar, quero acrescentar que já escrevi meia dúzia de textos aos quais ouso chamar de «eróticos».
E, para falar a verdade, admito que gostei muito de escrever, passar para o papel, emoções que, às vezes, parecem querer saltar do peito e são indescritíveis.
Escreverei sempre que sentir vontade. Sempre que sentir necessidade de representar o mundo de minhas imagens interiores e manifestá-lo.
Sei que o escritor correrá sempre o risco de se colocar à disposição de inúmeros críticos e «analistas», que raramente farão esse contato usando as vias convencionais de um psicanalista. Acredito que todo escritor, misteriosamente recolhe essa experiência para transformar-se, no reflexo das sensações de «ser lido» e «ser sentido». E, só por isso, já terá valido a pena escrever!
Existem muitos escritores que sentem vontade de escrever. Existem leitores com vontade de ler. Existem ainda outros, que depois de lerem, dizem que não o fizeram…
Textos literários eróticos são verdadeiros campeões de audiências, mas ninguém admite ler. Muito menos que gosta de ler! A alguns, falta-lhes coragem, a outros, outras coisas...
Ana Flor do Lácio (09/02/2011)