A Revolta PROVOS

A Holanda é mundialmente reconhecida por sua extrema tolerância político-social. O que não é muito conhecido, no entanto, é a íntima relação entre a Holanda e o movimento que entrou para a História com o nome de “Contracultura”, que em 2011 completa meio século.

Sempre que alguém faz referências à contracultura, os nomes que mais aparecem, com justiça, são: Ginsberg, Kerouac, Leary, Burroughs, Bob Dylan, Beatles e alguns outros. Poucos, entretanto, se lembram de citar o Provos, que foi um movimento que surgiu em Amsterdã, em julho 1965, existiu até maio de 1967 e é considerado um dos precursores da contracultura européia.

Apesar de publicar um panfleto de crítica social e política, o movimento se tornou mais conhecido devido ao plano das Bicicletas Brancas, que eram espalhadas pela cidade de Amsterdã e podiam ser usadas livremente, como uma forma pioneira de protesto ecológico contra os males causados pelo crescente uso de automóveis.

Mas a revolta Provos (de provocar, provocação) foi muito mais ampla, proporcionando uma experiência que merece ser conhecida por todos os que estudam e se interessam pela contracultura. Entre os seus “líderes”, encontra-se o jovem Robert Grootveld, que herdara do pai anarquista o inconformismo contra o “stablishment” e cujo primeiro ato foi um protesto antifumo muito original: ao invés de parar de fumar, ele, que era fumante, intensifica o ato de fumar e sai pelas ruas escrevendo a palavra “Kanker” (câncer) nos cartazes publicitários de cigarro. Esta atitude e a afirmação de que para dar caça aos consumidores de “erva”, o Estado se valia de notórios consumidores de nicotina (os policiais), lhe renderam alguns processos por parte dos fabricantes de cigarros e algumas prisões.

Foi do encontro entre Grootveld e Roel Van Duijn, um ex-ativista do movimento antinuclear, ex-estudante de filosofia e inconformado ideólogo anarquista, que surgiu o Provos, em julho de 1965. O primeiro “manifesto” Provo continha afirmações como: “o movimento contra a bomba meteu-se num beco sem saída”, “nossa opinião é a de que a dissidência não-violenta poderá ser valiosa”, “esta sociedade capitalista está se sufocando sozinha”, “esta sociedade militarista está cavando seu próprio túmulo, fabricando paranóicas bombas atômicas” e “o PROVO reconhece no anarquismo uma fonte de inspiração. PROVO quer renovar o anarquismo e levá-lo aos jovens”.

Creio que seja importante lembrar que a palavra “anarquia” significa ausência de coerção e não, necessariamente, ausência de ordem. Para a ausência de ordem e de objetivos políticos e sociais, o termo mais adequado é “anomia”.

Para distribuir os jornais (panfletos) o grupo utilizava vários métodos, o mais famoso era esconder os panfletos entre as folhas das principais publicações da cidade, principalmente do jornal de direita “De Telegraaf”. Para tal, contavam com a colaboração de simpatizantes do movimento que trabalhavam nas bancas, sendo que alguns destes viriam a perder os seus empregos.

O Provos protestava contra tudo e conseguiu, apesar de sua breve existência, alguns triunfos. Em 1966, o movimento elegeu um membro para a Câmara de Vereadores de Amsterdã, o jovem Bernhard De Vries, que ia para as sessões vestido de branco, com os pés descalços e iniciando as suas intervenções sempre com um arroto.

Outro episódio interessante envolvendo o Provos foi o fato de ser o único grupo a fazer um manifesto público em defesa de John Lennon, e dos Beatles, após a violenta reação de grupos religiosos (principalmente nos EUA) devido à declaração de Lennon, de que os Beatles eram mais famosos do que Jesus Cristo. Os membros do Provos não só entenderam que as palavras de Lennon foram mal interpretadas, como também perceberam o perigo potencial naquele ato de queimar os discos do grupo inglês. (ver http://paginacultural.com.br/artigos/sobre-uma-declaracao-de-lennon/).

No texto “Liberation from the affluent society”, o filósofo alemão Herbert Marcuse, considerado por muitos como um dos “gurus” da contracultura, cita o Provos, como exemplo de movimento que continha um elemento político inerente.

Retomando as palavras com as quais iniciei o presente texto, reforço o fato de que mesmo com todo o seu caráter anárquico e inovador, o Provos não é tratado historicamente com toda a atenção que merece. A revista Cult (Edição 152, Editora Bregantini – São Paulo), por exemplo, publicou recentemente um excelente dossiê sobre a Contracultura no qual o Provos sequer é citado.

Enfim, é preciso esclarecer que atitudes como a do Provos são e serão sempre vistas como uma ameaça à ordem estabelecida e não devem servir de exemplo para as novas gerações. No entanto, a sua existência evidencia as fragilidades da sociedade atual, que produz, nas injustiças e incoerências que lhes são próprias, o terreno fértil para as mais inusitadas e legítimas manifestações.

Referências:

GUARNACCIA, M. Provos – Amsterdam e o nascimento da contracultura. Tradução de Roberta Barni. São Paulo: Conrad Livros, 2001.

FERNANDES, Paulo I. B. Imagens da Libertação (…). 2009. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Faculdade de Artes, Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia.

Videos:

Robert Grootveld (http://www.youtube.com/watch?v=omb23Qm_RG8)

My White Bicycle – Tomorrow (http://www.youtube.com/watch?v=vfoya0zdCm0)

Sobre as bicletas brancas (http://www.youtube.com/watch?v=6X5-r1PvuKo)

Imagens, ver em: http://www.pauloirineu.recantodasletras.com.br/albuns.php

Paulo Irineu Barreto
Enviado por Paulo Irineu Barreto em 06/02/2011
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