PEDRO E INÊS - A MAIS BELA HISTÓRIA DE AMOR EM PORTUGUÊS (CAPÍTULO IV)
Muito se tem dito e escrito sobre os amores de Inês de Castro e D. Pedro. A História reproduz os fatos, mas a Literatura imortaliza-os, transformando esta história numa das mais belas histórias de amor a nível mundial.
Por certo, encontraria várias respostas para o grande interesse que sempre existiu por parte de poetas, músicos, pintores, realizadores de cinema, e tantos outros, no tema inesiano.
Face ao tema, os diversos autores têm tido inúmeras e diferentes opiniões. Embora as interpretações sejam subjetivas e diferentes de si mesmas, a verdade é que todas elas apresentam algo em comum: o mito do amor-paixão, que termina, trágica e irremediavelmente, em morte. Este mito, que tem sido um dos preferidos ao longo dos tempos, é aquele que faz o coração dos leitores sonhar e que causa comoção: Romeu e Julieta, Tristão e Isolda, Teresa e Simão, Eurico e Hermengarda, foram casais que tiveram como destino um fim trágico. Esse destino surgiu a partir do momento que decidiram tentar alcançar o impossível. Todos estes casos caminharam para o abismo. No caso específico de Inês de Castro, esta, desafiou o poder do Estado, isto é, desafiou a vontade do rei Afonso IV, e precisou morrer por seu amor.
Além dos já mencionados, outros escritores portugueses escreveram sobre os amores de D. Inês e D. Pedro I e popularizaram seus escritos na literatura erudita, entre outros com os árcades Manuel de Figueiredo e Reis Quita;
Em 1986 Agustina Bessa-Luís publicou "Adivinhas de Pedro e Inês";
Luís Rosa e João Aguiar publicaram livros sobre a trágica vida de Inês de Castro (O Amor infinito de Pedro e Inês e Inês de Portugal, respetivamente);
Em 2009 foi publicado o livro "A história de Inês de Castro" pela Letras e Coisas, no Porto - da autoria de Ângelo da Silva, parte de um projeto multidisciplinar que envolve texto, música e pintura;
O poeta João Pimentel Ferreira dedicou-lhe três sonetos em "A Inês de Castro";
O poeta Ruy Belo também lhe atribui sua obra “Inês é morta”;
Jose Carlos Ary dos Santos dedicou-lhe seu tema “Soneto de Inês”;
Mais recentemente, a escritora Natália Correia publicou “O Romance de Dom Pedro e Dona Inês”;
Enquanto personagem, Inês de Castro tem assumido características diferentes de acordo com o autor e a época em que os textos são produzidos. A universalidade e intemporalidade do tema amor leva a que, mais do que uma personagem na literatura, Inês, e com ela D. Pedro, seja o símbolo do amor inocente e infeliz que sobrevive à morte.
*
Pedro e Inês na literatura portuguesa:
Cantata à morte de Inês de Castro
As filhas do Mondego a morte escura,
Longo tempo, chorando, memoraram.
Longe do caro Esposo Inês formosa
Na margem do Mondego
As amorosas faces aljofrava
De mavioso pranto.
Os melindrosos, cândidos penhores
Do tálamo furtivo,
Os filhinhos gentis, imagem dela,
No regaço da mãe serenos gozam
O sono da inocência.
Coro subtil de alígeros Favónios
Que os ares embrandece,
Ora enlevado afaga
Com as plumas azuis o par mimoso,
Ora solto, inquieto,
Em leda travessura, em doce brinco,
Pela amante saudosa,
Pelos ternos meninos se reparte,
E com ténue murmúrio vai prender-se
Das áureas tranças nos anéis brilhantes.
Primavera louçã, quadra macia
Da ternura e das flores,
Que à bela Natureza o seio esmaltas,
Que no prazer de Amor ao mundo apuras
O prazer da existência,
Tu de Inês lacrimosa
As mágoas não distrais com teus encantos.
Debalde o rouxinol, cantor de amores,
Nos versos naturais os sons varia;
O límpido Mondego em vão serpeia
Co'um benigno sussurro, entre boninas
De lustroso matiz, almo perfume;
Em vão se doira o Sol de luz mais viva,
Os céus de mais pureza em vão se adornam
Por divertir-te, ó Castro;
Objectos de alegria Amor enjoam,
Se Amor é desgraçado.
A meiga voz dos Zéfiros, do rio,
Não te convida o sono:
Só de já fatigada
Na luta de amargosos pensamentos
Cerras, mísera, os olhos;
Mas não há para ti, para os amantes
Sono plácido e mudo;
Não dorme a fantasia, Amor não dorme:
Ou gratas ilusões, ou negros sonhos
Assomando na ideia, espertam, rompem
O silêncio da Morte.
Ah!, que fausta visão de Inês se apossa!
Que cena, que espectáculo assombroso
A paixão lhe afigura aos olhos d'alma!
Em marmóreo salão de altas colunas,
A sólio majestoso e rutilante
Junto ao régio amador se crê subida;
Graças de neve a púrpura lhe envolve,
Pende augusto dossel do tecto de oiro,
Rico diadema de radioso esmalte
Lhe cobre as tranças, mais formosas que ele;
Nos luzentes degraus do trono excelso
Pomposos cortesãos o orgulho acurvam;
A lisonja sagaz lhe adoça os lábios;
O monstro da política se aterra
E, se Inês perseguia, Inês adora.
Ela escuta os extremos,
Os vivas populares; vê o amante
Nos olhos estudar-lhe as leis que dita;
O prazer a transporta, amor a encanta;
Prémios, dádivas mil ao justo, ao sábio
Magnânima confere;
Rainha esquece o que sofreu vassala:
De sublimes acções orna a grandeza,
Felicita os mortais; do ceptro é digna,
Impera em corações... Mas, Céus! Que estrondo
O sonho encantador lhe desvanece!
Inês sobressaltada
Desperta, e de repente aos olhos turvos
Da vistosa ilusão lhe foge o quadro.
Ministros do Furor, três vis algozes,
De buídos punhais a dextra armada,
Contra a bela infeliz, bramando, avançam.
Ela grita, ela treme, ela descora;
Os frutos da ternura ao seio aperta,
Invocando a piedade, os Céus, o amante;
Mas de mármore aos ais, de bronze ao pranto,
À suave atracção da formosura,
Vós, brutos assassinos,
No peito lhe enterrais os ímpios ferros.
Cai nas sombras da morte
A vítima de Amor lavada em sangue;
As rosas, os jasmins da face amena
Para sempre desbotam;
Dos olhos se lhe some o doce lume;
E no fatal momento
Balbucia, arquejando: «Esposo! Esposo!»
Os tristes inocentes
À triste mãe se abraçam,
E soltam de agonia inútil choro.
Ao suspiro exalado,
Final suspiro da formosa extinta,
Os amores acodem.
Mostra a prole de Inês, e tua, ó Vénus,
Igual consternação e igual beleza:
Uns dos outros os cândidos meninos
Só nas asas diferem
(Que jazem pelo campo em mil pedaços
Carcases de marfim, virotes de oiro).
Súbito voam dois do coro alado:
Este, raivoso, a demandar vingança
No tribunal de Jove;
Aquele a conduzir o infausto anúncio
Ao descuidado amante.
Nas cem tubas da Fama o grão desastre
Irá pelo Universo.
Hão-de chorar-te, Inês, na Hircânia os tigres;
No torrado sertão da Líbia fera,
As serpes, os leões hão-de chorar-te.
Do Mondego, que atónito recua,
Do sentido Mondego as alvas filhas
Em tropel doloroso
Das urnas de cristal eis vêm surgindo;
Eis, atentas no horror do caso infando,
Terríveis maldições dos lábios vibram
Aos monstros infernais, que vão fugindo,
Já c'roam de cipreste a malfadada,
E, arrepelando as nítidas madeixas,
Lhe urdem saudosas, lúgubres endeixas.
Tu, Eco, as decoraste,
E, cortadas dos ais, assim ressoam
Nos côncavos penedos, que magoam:
«Toldam-se os ares,
Murcham-se as flores;
Morrei, Amores,
Que Inês morreu.
«Mísero esposo,
Desata o pranto,
Que o teu encanto
Já não é teu.
«Sua alma pura
Nos Céus se encerra;
Triste da Terra,
Porque a perdeu.
«Contra a cruenta
Raiva íerina,
Face divina
Não lhe valeu.
«Tem roto o seio
Tesoiro oculto,
Bárbaro insulto
Se lhe atreveu.
«De dor e espanto
No carro de oiro
O Númen loiro
Desfaleceu.
«Aves sinistras
Aqui piaram
Lobos uivaram,
O chão tremeu.
«Toldam-se os ares,
Murcham-se as flores:
Morrei, Amores,
Que Inês morreu.»
(Manuel Maria Barbosa du Bocage)
*
Soneto de Inês
Dos olhos corre a água do Mondego
os cabelos parecem os choupais
Inês! Inês! Rainha sem sossego
dum rei que por amor não pode mais.
Amor imenso que também é cego
amor que torna os homens imortais.
Inês! Inês! Distância a que não chego
morta tão cedo por viver demais.
Os teus gestos são verdes os teus braços
são gaivotas poisadas no regaço
dum mar azul turquesa intemporal.
As andorinhas seguem os teus passos
e tu morrendo com os olhos baços
Inês! Inês! Inês de Portugal.
(José Carlos Ary dos Santos)
*
Inês Morreu
Inês morreu e nem se defendeu
da morte com as asas das andorinha
pois diminuta era a morte que esperava
aquela que de amor morria cada dia
aquela ovelha mansa que até mesmo cansa
olhar vestir de si o dia-a-dia
aquele colo claro sob o qual se erguia
o rosto envolto em loura cabeleira
Pedro distante soube tudo num instante
que tudo terminou e mais do que a Inês
o frio ferro matou a ele.
Nunca havia chorado é a primeira vez que chora
agora quando a terra já encerra
aquele monumento de beleza
que pode Pedro achar em toda a natureza
que pode Pedro esperar senão ouvir chorar
as próprias pedras já que da beleza
se comovam talvez uma vez que os humanos
corações consentiram na morte da inocente Inês
E Pedro pouco diz só diz talvez
Satanás excedeu o seu poder em mim
deixem-me só na morte só na vida
a morte é sem nenhuma dúvida a melhor jogada
que o sangue limpe agora as minhas mãos
cheias de nada
ó vida ó madrugada coisas do princípio vida
começada logo terminada.
(Ruy Belo)
*
Romance de D. Pedro e Dona Inês
Era seu colo de neve
tocado daquela graça
do contorno mais breve
onde o infinito se enlaça
Morta, em sua fronte uma constelação
era presságio do ritual macabro
duma coroação.
O que bebera em sua carne a claridade
que dos deuses escorre para a mais pura taça
partiu com as mãos de tempestade
apressando com ira
e com desgraça
a fatalidade que os ungira.
E só parou quando mudo no espanto
onde o enlevo da morte se adivinha
o fim do mundo ficou esperando
aos pés da mais fantástica rainha.
(Natália Correia)
*
Pedro e Inês em obras internacionais:
"Linda Inês" (Tragédia ) de Armando Martins Janeiro
"Inês de Castro - Ópera - Scena ed aria de Carl Maria Friedrich Ernst von Weber"
"Inês de Castro" ( Teatro ) de Gondim da Fonseca
"Inês de Portugal" - Ópera de Julien Duchesne
"Paixão, morte e glória de Inês de Castro" - conferência de Ludovina Frias Matos
"Dona Inês de Castro" de Mexia de la Cerda
"Eccos que o clarim da fama dá" Pustilhão de Apollo, de José Ângelo Morais. Lisboa, 1761 - 1762
"L´Inês de Camões" - de Adrien Rorg
"Ignez de Castro". Iconographia História Litteratura" de Aníbal Fernandes Tomás, Lisboa, Typograghia Castro Irmão, 1880
"Inês de Castro" de Fernando Henriques Vaz
"Mas pesa El-rey que la sangue..." de Luís Velez Guevara, Madrid, 1857-1858
"Inês de Castro na Ópera e na coreographia italianas" de Manuel Pereira Peixoto de Almeida, Lisboa, 1908. Typographia Castro Irmão.
"Bibliografia Inesiana" de Joaquim de Araújo, Pisa1897, Tipografia de F. Mariotti.
"Inês de Castro na Literatura Portuguesa" de Maria Leonor Machado de Sousa.
"Camões and Inês de Castro" de Frank Pierce, Separata dda revista Ocidente, Novembro de 1972.
"O casamento válido de D. Inês de Castro" de Ségio Augusto da Silva Pinto, Porto 1961.
"Le personnage d'Inês de Castro chez Ferreira, Velez de Guevara et Martherlant" de Claude Henri Fréches.
"A Nova Castro" Tragédia, (Poesias dos melhores autores relativos à história de D. Ignez de Castro) de João Baptista Gomes Júnior.
"A Castro" de Domingos Reis Quita (Ficções) Coimbra, França Amado.
"Linda Inês" de Rocha Martins
"Inês de Castro e Victor Hugo" de Roger Bismut
"Inês de Castro. Contribuition à l'étude du dévelopement litteraire du theme dans les littératures romanes" de Suzanne Cornil, Bruxelles, Palais des Acádemies, 1952.
"Echanges littéraires entre le Portugal et la France sur le théme d'Inês de Castro" de Adrien Roig.
"Dona Inês e D. Sebastião na literatura inglesa" de Maria Leonor Machado de Sousa.
E a esta lista poderíamos acrescentar muitos mais títulos!
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Inês de Castro e D. Pedro na sétima arte
"Inês de Castro"
José Leitão de Barros (1886-1967) foi um cineasta português que se distinguiu dos da sua geração pelo sentido estético das suas obras e por ser o precursor do cinema de antropologia cultural (estudo do Homem e da sua História/cultura). Em 1944 realiza o famoso filme "Inês de Castro" que será apresentado ao público em 1945;
"Inês de Portugal"
Este filme é de 1999, de José Carlos de Oliveira;
"Inês de Castro"
1968, teleteatro com Cacilda Becker;
"Inês de Castro"
de Leitão de Barros;
"Inês de Castro"
de John Clifford, BBC/RTP 9/5/92, Bib Hird;
"Inês de Castro"
de Artur Ramos, RTP - Portugal.
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A maior parte das histórias de amor cantadas em prosa e verso, são, em sua maioria, totalmente fruto do imaginário, enquanto que em Pedro e Inês, a História comprova a total veracidade dos fatos.
Uma história de amor. Amor que leva dois corações apaixonados trocaram juras eternas. Amor que move um país contra uma união impossível de ser realizável. Amor que obriga um rei a magoar o seu filho e o filho a afrontar o pai.
Amor que nem a morte pode vencer, pois, em toda a sua nobreza, esse sentimento acaba por ser exaltado e imortalizado no final.
A imortalidade de Inês começou a construir-se nas juras de vingança e amor eterno de Pedro, que o levou a coroá-la rainha. Inês seria imortal pelo seu amor.
Pedro revelou toda a sua humanidade e dor. Foi capaz de atos impensáveis nos nossos dias. Atos que só o verdadeiro amor tem coragem e sublimidade para realizar.
O Jardim das Lágrimas e a Fonte da Saudade foram o cenário do amor mais bonito que Portugal poderia ter testemunhado.
A minha intenção em trazer esta história é também demonstrar como Inês e o amor se tornaram imortais muito além da história, cuja função coube a Pedro: imortalizar sua Inês, dando-lhe vida após a morte.
Saúde e Paz desejo a todos os leitores e que o encanto e intensidade do amor de Pedro e Inês possa viver no coração de todos nós.
FIM
(22/01/2011)
Ana Flor do Lácio