Notas Culturais II

Duvidoso: do certo ou do errado.

As páginas dos jornais estão recheadas de dramas policiais. O "caso Mércia" é mais um desses romances (com roteiro pré-definido?). O que chama a atenção é a postura inquisidora do delegado. Não estou dizendo com isso que não compartilho da crença do mesmo: que Misael foi o autor do crime. Mas, tornou-se praticamente impossível não se questionar sobre uma pesquisa que não é busca pelo real, mas a perseguição deste. O delegado diz para todos que vai provar que Misael é culpado. Mas, fico me perguntando, a função do delegado não é a de investigar? Uma pesquisa não é justamente pesquisa por ser procura? Quando fazemos uma procura com o culpado ja eleito, ela não está viciada? O delegado não estaria contaminado por sua certeza (convicção) ? Também podemos argumentar pelo outro. Vivendo com a ambivalência. Não seria assim toda pesquisa? Até que ponto, nós, em nossa hermenêutica somos "neutros"? Não estariamos rodeados a todo tempo por insights e intuições que queremos provar? E até mesmo já não vamos para uma pesquisa com um olhar pré-formado? O trabalho do delegado aproxima-se das pesquisas científicas, em particular com o ofício do historiador. O historiador vai para o passado com os pés no presente, não existe uma relação rígida entre sujeito e objeto. O historiador não é neutro, não pode trazer o passado a tona como de fato ele foi (até mesmo porque este pertencimento não existe). É um trabalho investigativo, interpretativo e ressignificador. Ao olhar o passado, o historiador o reinterpreta, dá-lhe novo significado, extrai sua agoridade. O delegado faz o mesmo trabalho de procura, a diferença é que existe uma gama de recursos a sua disposição, devido a "recenticidade" do crime. Ninguém pesquisa no escuro absoluto; antes, durante e depois, o pesquisador é guiado por sua subjetividade, por insights e intuições. Assim, o delegado acreditar e querer provar sua crença parece ser uma condição inadiável de qualquer pesquisa. O conhecimento, como exigente de verdades, unicidades, aquilo que é, tem com toda certeza (dialética?) seu tom inquestionável. A questão que se abre é: o delegado está consciente da ambivalência? Que sua pesquisa está margeada por sua subjetividade? E mais: a estrutura do aparelho punidor do Estado pode se permitir a isso (viver com a ambivalência) ? Assim, o que temos que considerar é o duvidoso. Temos crenças, mas temos consciência da precariedade delas?

Os Meninos da Vila - Parte I

A insaciabilidade da Indústria Cultural por ídolos é proporcional pelo gosto da sua decadência. Um jogo ali, um golaço aqui, um drible espetacular que nos desarma da amargura. Basta uma ação, um evento, para a Indústria Cultural generalizar, criar estruturas, nomes, marcas, ou seja, criar IMAGEM. No caso da sociedade midíatica de massas a imagem é o ídolo. Ela transforma o singular em universal, o particular em geral, o privado em público. Um gol genial e o menino já carrega a imagem de craque. A imagem nesta sociedade funciona como o objeto ideal de Freud. O atleta transformado em imagem, logo em objeto, é visto como perfeito, é o típico herói, que quando tudo estiver perdido pegará a bola, driblará todos e fará o gol da eterna vitória. Obviamente a imagem decepciona. O menino é apenas um ser humano, passível de erros, desacertos e vacilações. Mas o herói não pode perder, se isso acontece ele perde sua condição, seu status. Basta um escorregão, um campeonato não ganho para a crítica ser ferina, por que ela é calcada na decepção. O objeto ideal não cumpre suas promessas, o craque decepciona. Não cumpriu as expectativas gerais: a vitória. Não é a toa que tantos jogadores (Messi, Kaká, Cristiano Ronaldo, etc) são efusivamente exaltados e criticados ferozmente do dia para a noite. Ser ídolo é nascer decadente. Ter ídolos é viver com a decepção constante. A imagem é performática no Espetáculo.

Os Meninos da Vila - Parte II

Os Meninos da Vila foram efusivamente exaltados. O riso e a alegria que eles carregavam eram pratos cheio para a Indústria Cultural, que logo, transformou a afetividade em cinismo. Se a imagem é sedutora. Ser imagem , ídolo, herói, também seduz. Os meninos deslubraram-se. Caíram no falso canto das sereias, por que as verdadeiras já se silenciaram a muito tempo. Mas quem criou o ídolo cinicamente está desprovido de sentimentos. A vitória e a derrota do ídolo é um script pré-determinado na roda infernal do Espetáculo. O rebanho e o escolhido são os que sofrem, se emocionam e se alegram. Indústria de afetos.

Dialética

Toda negação determinada exige uma dobra. Assim é com todo sistema unidimensional. Se a sociedade de consumo é administrada (Adorno) e unidimensional (Marcuse) e tem pretensões totalitárias, ela conseqüentemente tem suas dobras. Explico... A negação determinada por ser determinada "se nega" em um dado momento, criando um movimento dialético para apresentar o positivo pelo negativo, o objetivo pelo subjetivo, o geral pelo particular. Toda determinação, tentando ser totalidade, esconde uma dobra. Uma situação levada tão ao extremo que conhece sua outra ponta. Um não-lugar que se move constantemente (Lost). A Sociedade do Espetáculo em suas pretensões totalitárias de transformar tudo em imagem e tirar seu proveito econômico disso, acaba por dialeticamente colocar em exposição aquele que lhe nega. Assim, posso fazer um filme e comercializá-lo que negue o cinema, posso vender uma idéia (fazer um livro) que crítica a sociedade das mercadorias se utilizando dela. Acontece, que a muito o Espetáculo já deu conta de sua dobra e tenta esvaziar suas críticas cinicamente em duas frentes. Na primeira, ela transforma as críticas a ela em capital (sucesso de público), deslocando o conteúdo da crítica ao bufônico ( nisto o riso foi essencial). Na seguna frente, ela utiliza o perigo (a linha tênue) de usar o inimigo para destrui-lo, incorpora-se a ele para matá-lo por dentro, identificando-se com o dominador, criando uma empatia pragmática. Eis, o nosso estado.

Elton Flaubert
Enviado por Elton Flaubert em 29/01/2011
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