TRADIÇÃO, MODERNIDADE E PRECONCEITO
Li a ‘História de um pintor contada por ele mesmo’, livro editado pela Fundação de Arte de Niterói (1999). É o relato autobiográfico de Antônio Parreiras, que tem dois de seus quadros expostos no Museu Mariano Procópio, em Juiz de Fora.
Procurei conhecer melhor este artista, incluído no Curso de História das Artes ministrado pela excepcional professora Vanda Arantes do Valle na UFJF.
Juiz de Fora é uma cidade privilegiada em muitos aspectos, faço o destaque de apenas um: o privilégio de possuir uma galeria de arte, mantida por uma Sociedade de Artistas e Intelectuais: a Associação de Belas Artes Antônio Parreiras, 76 anos de existência.
A leitura da autobiografia de Antônio Parreiras, complementando as aulas de Vanda Arantes, levou-me à elaboração deste texto, com o objetivo de fornecer algumas informações sobre a Galeria de Artes Antônio Parreiras, vítima de preconceitos infundados.
Muitas pessoas desconhecem a própria existência da Galeria, outras ouviram falar, mas não sabem sua localização e tantas outras sabem tudo, mas nunca a visitaram e, o pior, divulgam inverdades.
A Galeria está instalada na Estação Ferroviária Central Brasil, prédio tombado pelo Patrimônio Histórico da cidade. Os desinformados ainda o denominam “prédio da Rede Ferroviária”, porque a Rede manteve a Estação Ferroviária em outras eras.
O prédio da Estação situa-se na Praça Doutor João Penido, número 5 – popularmente chamada Praça da Estação.
O entorno da praça da estação tem valor histórico inestimável para a cidade, porém muitos desconhecem a sua história, e por desconhecê-la a desprezam.
Estou em Juiz de Fora há algum tempo, sou uma carioca optante pelo clima temperado de São Pedro para dedicação às artes plásticas.
Soube da existência da Galeria Antônio Parreiras e procurei conhecer suas atividades e os artistas associados, frequentei algumas aulas do Curso de Escultura, visitei suas exposições, passei a apresentar trabalhos nos salões anuais e a divulgar na Galeria a minha arte.
Além de apreciar a arquitetura da Estação/Galeria, passei a admirar o trabalho persistente e silencioso da Associação de Belas Artes Antônio Parreiras.
Gosto de visitar galerias e outros espaços alternativos da cidade para exposições de arte, como gosto de observar, também, o trabalho de artistas anônimos expostos no Parque Halfeld ou mesmo nas ruas.
Constatei que tradição e modernidade coexistem distribuídas nos trabalhos de artistas já consagrados, de outros celebrados e badalados, e de novatos ainda desconhecidos.
Proliferam escolas, cursos e oficinas de arte em Juiz de Fora, a produção artística aumenta e os admiradores também, e tradição e modernidade continuam coexistindo pacificamente. Alguns espaços mantêm a tradição – que para alguns significa Academicismo, porém outros optam pelo Moderno e o Contemporâneo. Por exemplo, a Universidade Federal de Juiz de Fora e o Centro Cultural Bernardo Mascarenhas/FUNALFA oferecem apoio institucional aos artistas de estilo Contemporâneo, já outros espaços não acentuam esta distinção, alternando os estilos em suas exposições.
Há espaço e público para ambos, o que não pode haver são preconceitos existentes. A Galeria de Arte Antônio Parreiras é uma de suas vítimas, por exemplo, o preconceito de que a Galeria de Arte Antônio Parreiras só tem espaço para academicismo, que premia apenas seus associados, que é um grupo fechado de velhinhos etc.
Penso que tal preconceito deriva de desinformação, pois acompanho as exposições da Galeria, onde são encontrados trabalhos de estilo acadêmico e os de estilo moderno - instalações contemporâneas ainda não são possíveis por falta de infra-estrutura.
Se há predomínio da tradição, do academicismo, isto se deve ao fato de artistas deste estilo frequentar mais o espaço, expondo mais trabalhos nos salões, marcando presença constante.
Não há objeção à Arte Moderna, a Galeria não impede a participação dos artistas modernistas. Pelo contrário, creio que muitos artistas modernistas veteranos ou novatos deixam de participar das atividades da Galeria por desinformação ou por preconceito, resultando em menor quantidade de obras modernistas nas exposições. Caso houvesse impedimento, eu jamais teria trabalhos lá expostos.
Os salões de arte da Galeria Antônio Parreiras ainda conferem medalhas e menções, isto é uma tradição – outras galerias conferem prêmios de aquisição, ou prêmios em dinheiro ao invés de medalhas – e, para muitos artistas, sejam acadêmicos ou modernos, esta premiação é fundamental por significar estímulo, reconhecimento, consagração, fama ou badalação. Para outros artistas, premiação significa apenas uma formalidade, porque seu interesse reside na exibição do trabalho.
A modernidade sempre se faz representar nestes salões tradicionais da Galeria Antônio Parreiras, mas isto é pouco divulgado. Os eventos da Galeria não são badalados pela mídia, nem sempre autoridades convidadas e homenageadas comparecem, muito menos comparecem os artistas consagrados que ali iniciaram suas carreiras.
A freqüência do público na Galeria Antônio Parreiras é menor do que o desejável, todavia isto ocorre em outras Galerias e em outros espaços. Certa vez, o Jornal Tribuna de Minas, na primeira página do Caderno Dois, publicou matéria sobre ‘quem são os frequentadores de galerias de arte’ em Juiz de Fora. A interessante matéria divulgou que tal público é pouco numeroso - exceto em dias de abertura, quando é servido um vinho - e destacou a tendência atual da localização de exposições em espaços alternativos oferecidos por Bares e Restaurantes, onde a afluência de público tem sido maior. Penso eu, mais pelo entretenimento que pela arte.
Por outro lado, o mercado de artes - talvez mais do que outros setores - está sofrendo os efeitos da crise econômica, pouquíssimas pessoas adquirem obras de arte atualmente, os artistas vendem menos; contudo a atividade artística prossegue, porque o verdadeiro artista está mais interessado em expressar do que comercializar a sua arte. O artista geralmente não enriquece com a sua arte, pintor de quadros sim.
Em sua autobiografia, Antônio Parreiras, na página 78, escreve: “não me fiz artista para ganhar dinheiro” e cita os brasileiros Vitor Meirelles e Pedro Américo que morreram pobres.
A Galeria Antônio Parreiras existe até hoje pela abnegação e desprendimento de alguns poucos associados que compõem a Diretoria da Sociedade de Belas Artes. Ela não é lucrativa, não exige comissões sobre as vendas de quadros, não há ’marchand’; ela oferece alguns cursos livres, de custo acessível ao público, com excelentes professores. A Galeria é mantida pela contribuição dos associados.
Muitos artistas já consagrados em Juiz de Fora e em outros lugares iniciaram suas carreiras nas atividades do Núcleo Antônio Parreiras, posteriormente transformado na Sociedade de Belas Artes e hoje, Associação de Belas Artes. Guardo alguns jornais citando estes nomes, e os tenho para, em hora oportuna, mostrá-los aos que escondem ou negam este passado. O comportamento destes artistas contribui para o equívoco e a desinformação sobre a Galeria, gerando preconceitos. E os constatei em lojas de molduras, entre alunos do curso de artes da Universidade, entre alguns de seus professores, entre vários artistas - os consagrados e os desconhecidos.
Outro preconceito concorre para prejuízo da imagem da Galeria, a sua localização numa área considerada mal frequentada Pergunto: será por causa do nível social das pessoas que ali transitam? Será por que a elite juizforana a esnoba? Será por causa dos bares e hotéis populares na vizinhança usados para encontros? Falta-lhe o charme da Lapa carioca?
O meu objetivo com este artigo foi alertar para os preconceitos que nos privam de experiências enriquecedoras. Gostaria que as pessoas visitassem a Galeria Antônio Parreiras e se tornassem um público assíduo.
Deixo como sugestão a leitura do relato autobiográfico de Antônio Parreiras.
Maria Auxiliadora Silveira, na apresentação do livro declara: “com a mesma exuberância estética com que produzia suas telas, Parreiras escreveu cada capítulo deste livro pintando com palavras o tempo que viveu”.
Um tempo de muitos preconceitos, diga-se!
Deise Aguinaga
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