A Arte de Morrer
Olá amigos, mais um ano que finda, mais um ciclo completo. Outro ciclo se inicia. E assim caminhamos, morrendo e renascendo a cada dia. E ainda tem gente cega que desdenha dos princípios espiritualistas, embora sejam, eles mesmos, prova diária de tudo isso.
Bem, existem várias maneiras de interpretar uma única sentença não é? Aliás, não sei de quem é esta frase: "Um ponto de vista nada mais é que a vista de um ponto!" Sei, entretanto, que ela é verdadeira, contundente e enseja contradições, o que é muito saudável e bem vindo, afinal, já também disseram que toda unanimidade é burra. Acho que foi o Nelson Rodrigues. Que por sinal, se me permitem a franqueza, nem gosto muito dele, e não gosto, não pela sua produção literária, que aliás é boa, simplesmente por uma frase que coincidentemente ouvi de si próprio, durante uma entrevista coletiva há anos. Depois eu falo neste assunto. Voltemos ao tema deste editorial, a imortalidade, imortalidade? Não, não estou a falar disso, desculpem, quis dizer renascimentos cíclicos (até diários). E não é a mesma coisa? Não, não é. Depois explico isso também.
Como estive a escrever algo sobre o Pe. Antonio Vieira há poucos dias, resolví continuar no "clima" e tratar, aqui também, deste grande ser humano que nos dignifica a todos. Mesmo porque o tema "ars muriendi" tem muito a ver com esses ares de final de ano, fim de ciclo, início de ano, de novos projetos e coisa e tal...
É nesse clima de mudança, de morte e de vida, que pretendo discutir, mesmo que parcamente, nosso querido Padre, tão versado na Arte de Morrer, pois entendo que onde há morte há de haver renascer, embora a igreja Católica, berço do nobre A. Vieira, negue tal fato, nele reconhecendo com intransigencia, a presença de conteúdo herético e resistindo com unhas e dentes a este, digamos, conceito anti-bíblico de elevada heresia. Mas, o sábio Padre sempre forçou a barra dum "materialismo católico" inexistente em si próprio, e, muito sabiamente, diga-se de passagem, tentou manter-se, desta maneira, à uma segura distância da fumegante fogueira Inquisitorial, o que nem sempre deu certo, e, não é leviano afirmar que o bom Padre sentiu, muitas vezes, o sopro morno da labareda da santa inquisição que perigosamente se achegava.
Afirmava o arguto Padre, na tentativa de difundir um pouco de seu conhecimento sobre a nobre Arte de Morrer, sem muito açular os doutos mais ferozes da santa igreja, que Deus deu ao homem, como única opção, a oportunidade de nascer apenas uma vez, uma única vez. Bem ao contrário da capacidade de morrer que, segundo ele, era plural, e vasta. Gozando, um único homem, e durante um único ciclo existencial, de variadas possibilidades de passamento. Assim, nascendo uma única vez, poderia morrer muito mais que uma única vez, e neste anunciado resume-se todo o fundamento da Oculta, Antiga, Nobre e Bela Ars Muriendi, a Arte de Morrer. Falecendo destarte, antecipadamente à hora da Morte, e a seu bel prazer, diziam os Ocultista em consonância com o culto Padre, o homem não temeria a própria Morte, ao contrário, dela rir-se-ia e zombaria, quando com ela se confrontasse.
Meio confuso tudo isso? Não, não tem nada de confuso, eu é que não me expresso com muita clareza. Porém, para imprimir claridade meridiana nesse aparente emaranhado obscuro de palavras, é o próprio Padre que piedoso nos acode.
Citava prudentemente o clérigo, sempre que podia, e isso quer dizer freqüentemente, as Escrituras Hebraicas e Grego Cristãs, como fundamento de suas investidas insinuantes e audaciosas, muitas vezes contra o próprio Clero, e não poderia ter citado documentos mais contundentes e eficazes que esses ortodoxos Códices Católicos de autoridade inquestionável, pelo menos para eles mesmos.
E o fez com mestria, esmero e sabedoria como, quando simplesmente jogou toda autoridade Papal na lata do lixo, respaldando-se num antigo conceito hermético (que não citou por motivos óbvios, o bom Padre, tampouco o fará este lobão)) de que nem o homem nem as coisas são o que aparentam ser. São, na verdade, aquilo que outrora foram, e um dia retornarão a ser (...)
Justificando essa aparente heresia na própria Bíblia, em Gênesis, o primeiro livro das Escrituras Hebraicas, que afirma ter construído Deus o homem, do pó. Cita: Memento homo, pulvis es, est in pulveris reverteris. E aqui aproveito para pedir novamente perdão aos latinistas de plantão, mas, já vai longe meu tempo de Faculdade e, sequer possuo um frugal dicionário Latino. Portanto, se vilipendiei esta transcendental Língua Mãe nossa, perdão. Mas, voltando ao Padre e à citação: Lembra-te homem, és pó e ao pó retornarás. Afirma, como grande Latinista, que o verbo reverteris significa literalmente, retornar a uma posição anteriormente ocupada, não significa simplesmente ser transformado, não, significa antes, a volta a um estado anterior àquele. E com isso, dando asas a imaginação, afirma o culto Padre que Nada é o que Parece Ser: O Homem não é homem, o Padre não é Padre, o Papa não é Papa. Ôpa, o Papa não é Papa? Não, não é. E dá uma forcinha em sua justificativa, citando novamente a Bíblia, desta vez na ocasião em que Moisés, diante do Faraó, lança seu cajado ao chão e este se transforma em poderosa serpente. Surpreso, mas não assustado, o Faraó recruta seus magos e ordena-lhes que obrem o mesmo milagre. O que faz imediatamente cada um deles, lançando ao chão seus cajados, que se transformam, um por um, em serpentes. Só que, sendo maior o cajado de Moisés, eis que este engole as serpentes dos Magos do Faraó. Nesta hora, o culto e precavido Padre, temeroso do fumegante e cruel castigo inquisitorial, faz com que todos atentem num detalhe muito importante da tradução das Escrituras para o Latim da versão dos Setenta: O Escritor inspirado, diz ele, não disse jamais que a serpente de Moisés devorou as demais, disse antes que, seu cajado é que devorou as serpentes. Dando provas, o próprio autor inspirado, que aquela serpente não era serpente, era, antes, um mero cajado transformado em serpente, e que retornaria (reverteris) a sua situação original de cajado.
Então, os Padres, os Bispos, os Cardeais e o próprio Papa não são o que pensam ser? Não, conclui sapientemente o grande padre, respaldado na autoridade única da Bíblia: São apenas Pó travestidos de homens e... Memento homo, pulvis es, est in pulveris reverteris. És pó e ao pó retornarás.
E ainda tem gente que acha que nosso grande padre era materialista, materialista? Sim, materialista católico como a grande maioria dos clérigos da Inquisição. Nosso querido País está cheio de críticos tantãs, esta é a verdade. O lugar comum é fácil criticar, lê-se uma coisinha aqui, outra acolá, e, pimba: Faz-se um resumosinho abusando-se do “com certeza” do “veja bem” e do “a nível de” e pronto, taí mais um crítico brasileiro! E quando o alvo da crítica é uma figurinha mais singular, como a do Padre aí acima? E quando a crítica "honesta" exige um pouquinho de conhecimento hermético para que se possa edificar juízo correto sobre uma base historiográfica secularmente consólidada? Aí a coisa complica né? Complica, eu entendo... Pretendo citar, ainda muitas vezes, o admirável Padre, em outros artigos, sempre em doses homeopáticas, que são as melhores...
Por hoje, um forte abraço, muita alegria e saúde nesta renovação anual, sempre sob a assistência das almas superiores que diariamente compadecem-se de nossas dificuldades.
Artigo originalmente editado em http://opensadorselvagem.org/arte-e-entretenimento/quialtera/