Ex-luxo na mão do povo quase sempre dá em porcaria

Imagine ligar a TV de plasma, o receptor e se deparar com uma performance do Eduardo Costa justo naquele canal descolado de Música. Você aperta os números do controle e no canal de Artes presencia Márcia Goldschmidt tentando acalmar os ânimos de marido e mulher que se agridem na base do berro. O desespero toma conta das mãos, que ficam trêmulas quando, ao acessar o texto de programação dos canais, descobre que naquele canal recheado de shows e documentários está sendo exibido o novo programa do Silas Malafaia, batizado com título do tipo "Prende no nome de Jesus, irmão!". A TV por assinatura está chegando na casa do povo, portanto, não estranhem se acontecerem coisas do tipo.

Aí vai por água abaixo aquele discurso, já antigo, dos tiozinhos ricos no suplemento de Televisão no jornal. Aquele manjado, em que os leitores afirmam como é bom poder ter conteúdo de qualidade na TV por assinatura em casa, para poder fugir da TV aberta. Pensando bem, nem precisa abrasileirar e rebaixar o conteúdo: nos canais pagos mesmo são exibidos Pimp my Ride, Desperate Housewives, Two and Half Men, entre outras porcarias ianques, que não devem nada aos tupiniquins quando se fala de conteúdo inútil.

E já faz tempo que não assisto TV a cabo. Talvez as situações que citei aqui, em clima de piada, já tenham acontecido de fato. Se isto aconteceu, o texto vai soar como desabafo atrasado. E por consequência meus comentários não terão parecido tão exagerados.

Vemos aos poucos acontecer com a TV por assinatura o que aconteceu com outras tecnologias que se tornaram acessíveis: a infestação por conteúdo de baixa qualidade e o mingau de mortadela, antes engolido pelas massas, agora oferecido para quem paga para ver.

Igual em 1994, com milhares de famílias pobres comprando seu primeiríssimo televisor. Vamos lembrar em formato rap do Seu Creysson: com o Plano Real, venderam TVs a dar com pau, desgraçaram de vez a programação dominical e o sucesso abraçou o Domingo Legal! Sensacional, Juvenal!

Falando nisso, lembro agora o que se comentava há alguns anos nos corredores da faculdade: há vinte anos a atividade mais fútil que alguém poderia se dedicar na frente do PC era jogar xadrez. Hoje as máquinas são oferecidas a milão, talvez mil e cem mangos, na gritaiada do comercial das Casas Bahia. Resultado: o computador chega às casas de pessoas que não tem o mínimo de preparo, nem sequer interesse em fazer algo construtivo na frente da telinha (ou telona, dependendo do cascalho do peão).

E para dar conta destas pessoas, explodem comunidades do tipo "sou legal, não tô te dando mole" em sites de relacionamento e cria-se nova língua a partir da ignorância coletiva, cheia de "miguxinho" aqui e "blz flw" ali. Como se não bastasse, a preguiça é prolongada, anunciada e amplamente difundida com o surgimento de Twitter e derivados.

Conteúdo de Edson e Hudson oferecido na promoção do celular, molecado andando pra todo lado com o Funk dos seus aparelhinhos poluindo os ouvidos de quem está por perto , quase um milhão de acessos à "musa do arroto" no youtube... aiai... são tantos os exemplos que prefiro parar por aqui, para não queimar o estômago de desgosto.

A economia cresceu, os ganhos do brasileiro comum melhoraram e isso traz a seguinte conclusão: a renda sobe mas o intelecto permanece próximo de zero.