GRAMATICALIZAÇÃO DE EXPRESSÕES NEGATIVAS
A língua portuguesa apresenta diversas realizações, sobretudo no registro oral, de certas palavras e expressões negativas que revelam gramaticalização. Em “Não entendi bulhufas”, por exemplo, muito usado na linguagem popular brasileira, temos um caso desses: aí o substantivo bulhufas, provavelmente originado de harmonização vocálica operada pelos falantes na palavra bolhufas, por sua vez de bolhas, deixou de ter o seu sentido e a sua função originais para significar tão-somente “nada”, “coisa nenhuma”, funcionando como pronome indefinido que completa a negação, em contextos especiais, isto é, diante de verbos de sentido incompleto – chamados transitivos.
Outro substantivo que também verificamos ter sido gramaticalizado modernamente nesse contexto é patavina (como em “Não entendi patavina”), originado de patauinus, -a, -um, adjetivo latino da primeira classe que significava habitante de Patávio, na Itália, ou o natural de Pádua, paduano. Hoje, como sabemos, esse substantivo também assumiu a função de pronome indefinido, significando igualmente nada, coisa nenhuma. Será que no período latino se pressupunha que os habitantes de Patávio, ou de Pádua, equivaliam a nada, ou a coisa nenhuma?
Brincadeiras à parte, gostaríamos de salientar que, aqui, não podemos nos estender nesse assunto. Por isso, convém ressaltar que, dentre outras vantagens, o estudioso de latim é dotado de maior facilidade para perceber, além de fatos como esses – relacionados à expressão da negação –, muitos outros aspectos concernentes à natureza do português – especialmente o falado no Brasil. Afinal, para tal proeza, temos a necessidade de percorrer a sua fase arcaica. E, quer queiramos, quer não, o latim se nos aparece, ora deslumbrante, ora enigmático, porém, sempre, majestoso. Agora, que tal uma voltinha ista uetere uiuace lingua??
NOTA: Texto publicado no JORNAL O GRITO – CADERNO CIDADE (Seção: FLASH UNIVERSITÁRIO). Santa Luzia/MG, 24/07/2002.