TEATRO: Palco para a realização do Fantástico
Sempre cuidei que o Teatro fosse o lugar da satisfação dos prazeres, das fantasias, dos sonhos humanos. E não recuo nesta ideia. A origem do Teatro deu-se por uma manifesta inquietação do homem diante dos mistérios da vida, do mundo e do universo, e também diante de suas preocupações, de seus anseios e de seus mais profundos sentimentos.
O homem sempre procurou explicar, através das lendas mitológicas (e também por outros meios), a origem para tudo o que existe. Mas, no Teatro, essa explicação já se torna desnecessária, se analisarmos a sua verdadeira utilidade.
No Teatro, já não se procura saber, procura-se vivenciar o incognoscível, e, através dessa vivência transcendental, encontra-se o homem com o incógnito sem a necessidade de formais apresentações. Não é preciso saber ou ver; é, todavia, imprescindível crer e entregar-se inteiramente, não só no corpo, mas também na alma – na sua definição mais ampla. De alguma maneira, crendo, vê-se e sabe-se.
O Teatro torna-se então o lugar das experiências, do contato com o surreal, com o onírico, com o fantástico. Por esse motivo é que, nesse momento, abre-se mão de estudos que expliquem racionalmente a matéria do Teatro. Não que se proíba. Mas torna-se inútil explicar fora de sua matéria o sonho, dentro do momento em que ele é vivenciado e experimentado, a não ser que a explicação se dê por meio de sua própria matéria, o que constitui um fenómeno metalinguístico. Ou seja, quando se estuda o Teatro do seu interior para os limites de sua expansão, quando se procura conhecer o Teatro na sua foma mais verossímil, na sua maior intensidade, deve-se procurar pela matéria que não está fora, mas dentro de seu próprio universo.
A experiência transcendental que o Teatro nos proporciona, enquanto entramo em contato com ele, não se explica simplesmente por palavras, se não que, sendo única dentre todas as outras incomensuráveis experiências, torna-se auto-suficiente. Não é preciso – ou quiçá nem seja possível – explicar; é, sobretudo, necessário vivenciar, sentir, tocar.
A arte da [interpretação] mimética está presente desde o início da racionalização do homem, e pode-se dizer então que o Teatro, originário desses rituais dançantes, também. O Teatro, diferente de outras artes mais modernas, não se originou de uma organização coletiva nem surgiu no momento em que alguém o pensou. Ele veio lentamente, gradualmente como uma semente que germina e faz brotar inesperadamente da terra uma bela e inocente planta. Foi tomando forma com o tempo, a partir do momento em que se expandiu vagarosamente pelo vasto planeta. A humanidade modelou o Teatro, até que ele tomou a forma pela qual o conhecemos hoje em dia. Sabe-se que os gregos potencializaram a Arte da Interpretação, renovando-a e ressignificando-a, como o brasileiro fez ao Futebol, que não é inglês nem chinês. Mas, como este esporte, o Teatro tornou-se uma arte grega, assumidamente. Fez um glorioso par com a Mitologia e a Cultura Helénica, e, nesse momento, atingiu um grau altíssimo. Eu bem poderia dizer que atingiu o seu auge. Mas creio que estaria sendo injusto com as gerações que vieram posteriormente e enriqueceram mais e mais esta arte atemporal.
Como eu dissera anteriormente, no Teatro, é mais importante o toque no fantástico do que falar dele. A emoção de vivenciar o sonho, de realizar os desejos não se compara simplesmente ao fato de abordá-los. E isso já basta.
Esse momento de estar em contato com o onírico, com o fantástico, constitui o Teatro. É o momento em que se atinge um estado superior, é o único momento em que deixamos a Terra e voamos pr'alhures, e entramos em contato com os Deuses, com a vida em seu estado mais glorioso, e tocamos os seres mágicos e numinosos. Nesse lugar, não há leis da natureza que impeçam que algo seja criado, tocado, visto e sentido. Estamos num espaço onde não há definição para a palavra “impossível”. É um outro lugar, indefinível. É o lugar onde a alma se encontra com sua Matéria Prima, com a sua Origem, e com a Origem de tudo.
O Teatro Pós-Dramático de Lehmann procura suprimir a mimética dessa arte, fazendo com que o ator, estando em si mesmo, apareça e faça a cena (ou seja lá qual for o nome que eles dão a isto). Diz-se que o Teatro burguês trouxe a representação ao Teatro, e que, antes, não havia toda essa dramaticidade. Discordo, entretanto. Como diz o início do texto, os homens primitivos utilizavam-se da mimesis (dança acompanhada de mímicas e música) em seus rituais. Aí florescia o gérmen do Teatro. O Teatro, como representação do sonho, da fantasia e, idem, do mito, sempre foi uma interpretação. E, mesmo que eu esteja errado, temos em mente que o Teatro é uma arte tão livre, tão aberta, que pode aceitar alegremente qualquer tipo de representação ou interpretação, mimética ou de outro tipo.
Sabe-se também que o Pós-Dramático, ao tentar fugir da representação, foge também do teatro, que não é o fato em si, mas a representação do fato. Mas, ao mesmo tempo que foge, aproxima-se, paradoxalmente, deles, da representação e do teatro, deste, máxime, por ainda levar o seu nome e acreditar que estão dentro de sua matéria. E estão, creio eu. À sua maneira.
O Teatro sempre foi o lugar da interpretação, da transformação do falso em real, e do real em falso. O Lugar da representação. Nesse momento, não só o corpo está ali, mas a alma, e o sujeito inteiro, entregue ao espetáculo, ou à cena, ou ao troço, ou ao experimento daquele momento.
VIVA O TEATRO! EVOÉ!