Sobre Platão e Nietzsche

2010 foi o ano que completei 33 anos. A idade que, dizem, Cristo ganhou o mundo. Desde 1994, quando deixei minha casa e comecei meus estudos no seminário dos padres Premonstrateses, em Montes Claros (MG), comparto a leitura e a meditação da Bíblia com alguns filósofos. Dois deles em especial: Platão e Nietzsche. Religiosamente, passamos juntos todos esses anos, trocando idéias e angústias. Na verdade, só trocando idéias, pois angústias os dois não sentem mais. Estão mortos. Mas vivem nesse misterioso inconsciente coletivo que é a memória humana.

Aqui, vou confidenciar-me, que em 1997, Li Nietzsche pela primeira vez e metade dos diálogos de Platão, escondido dos meus formadores na reclusa e arcaica formação monástica dos Premonstratenses, deitado no chão, à luz de vela, para não me verem lendo livros proibidos. No noviciado Premonstratense, li, refleti e aprendi a conversar com os mortos. Hoje minha estrutura de pensamento é Nietzscheniana – embora sobre Nietzsche eu não pretenda fazer nem um estudo mais sério que lê-lo.

Na minha vida de seminarista nitzscheniano, tive experiências de Deus. Por ser isso diferente, já que Nietzsche era ateu e eu seminarista, passei a ficar só e desde então gosto de estar só. Minha espiritualidade é monástica. Minha razão é nitzscheniana. Não digo nada quando rezo. Rezo e não peço nada. Às vezes me sinto rezando quando ouço música, quando leio um livro, quando tomo café da manhã. Antes de estudar filosofia, sempre rezava aos santos, colecionava suas biografias e aos 18 anos de idade passei a colecionar seus pensamentos. Quando saí do seminário Premonstratense em 1999, fui roubado no centro de Belo Horizonte, e levaram meu caderno de sentenças dos santos; quando veio o convite de uma editora para escrever sobre “O que Dizem os Santos”, tive que começar do zero...

Do zero também comecei quando entrei em outros seminários católicos, onde prestei vestibulares, fiz missões, escrevi monografias, freqüentei retiros espirituais, estive na Europa, estudei Filosofia, Jornalismo, Teologia e toda a tradição da Igreja Católica. Depois de tudo isso, perdi a fé. Ordenaram-me padre sem fé. Como padre, recuperei a fé. Na pastoral, o povo de Deus me ajudou muito, mas graças às releituras de Nietzsche, Platão e a descoberta de Montaigne, eu consegui pensar em Deus novamente, e a partir daí, rezar na distração dos meus silêncios. Foi preciso ainda ir mais longe: Renunciar as honrarias e molezas de um pároco e não mais ser padre Durval, mas Durval, só Durval, sem título, sem paróquia, sem bispo, mas com fé.

Para mim, ter fé não é orar alto, entoar chavões como Aleluias e Glórias. Para mim, pensar sobre Deus é uma oração. Para mim, estar com Deus é sentir a vida de uma maneira pessoal e única. Sentindo a vida devagar, com muito respeito a mim mesmo, eu rezo. Refletindo sobre a vida, eu rezo. Comendo pão e bebendo café, eu rezo. Pensando em meus momentos, eu rezo. Mas, quando estou nas igrejas e ouço certas orações e repito certos chavões e escuto certas pregações, então, não rezo, e minha cabeça nitzscheniana entra em crise, mas sempre saio delas depois.

É! Procuro estar com Deus, mas parece que Ele tem se ausentado das Igrejas. É difícil sentir seu vento por lá. Recentemente estive com alguns calvinistas e outros evangélicos, mas, igualmente, o vento de Deus que não sopra na Igreja Católica, também não sopra por lá. Por enquanto, vou rezando em casa mesmo, na simplicidade dos meus estudos e do meu trabalho. Quem sabe assim, um dia, talvez, quem sabe Deus, não tenha algo melhor a fazer e venha me visitar, já que não o encontrei na sua (igreja) casa.

Durval Baranowske

Bara
Enviado por Bara em 22/12/2010
Reeditado em 22/12/2010
Código do texto: T2685213