Frutiger Aero: O futuro que nos foi negado
Desde o início deste ano vem se popularizando nos círculos dos saudosistas da Internet (como eu) um novo movimento artístico, o Frutiger Aero – tal como a vaporwave nos anos 2010, também serve para encapsular a nostalgia de um período de tempo, mas de modo levemente diferente. Tendo eu já discorrido sobre um, por que não falar sobre o outro?
Eu vivi os tempos do Frutiger Aero, afinal de contas – e foram os anos mais felizes de minha vida. Aqui é importante, porém, que façamos uma distinção entre a vaporwave e o Frutiger Aero: enquanto a vaporwave é um throwback aos primórdios da Internet, uma utópica previsão do futuro nos timbres dos anos 80 e 90, o Frutiger Aero, em plenos anos 2000, proclamou: “O futuro é aqui e agora!”, numa era movida pelo idealismo fomentado pela ouverture do século XXI. Quando o ser humano ainda aparentava ter esperança, e almejava que vivêssemos na “floresta cibernética” imaginada por Brautigan, a tecnologia foi concebida para que o mundo acabasse evoluindo para uma gloriosa sociedade onde tudo fosse límpido, harmônico e cintilante, e o ápice desta ideia tão bela (mas, infelizmente, tão equivocada como veio se mostrar a ser) se deu, mais ou menos, na segunda metade dos anos 2000, e aposto que a grande maioria de meus leitores, tal como eu, se considerava mais feliz então.
E não estavam enganados: de 2004 até mais ou menos 2013 a estética predominante era exatamente o Frutiger Aero. Se ligávamos a televisão, todos os cenários tinham uma aparência “líquida” – bolhas, água, oceanos e céus azuis, peixes, pássaros em pleno voo. Aqueles que tinham a sorte de ter acesso à Internet (o que era realmente uma sorte naquele tempo mesmo) eram agraciados com imagens esfuziantes de cidades modernas, orbes reluzentes e rastros de luz multicores. Era quase como se nos prometessem que aquele seria o padrão para as gerações futuras, e a mídia auxiliaria nesta construção de uma civilização onde tudo fosse Frutiger Aero.
Mais uma vez, minha geração foi enganada. Os anos 90 nos haviam prometido o triunfo do capitalismo, e os anos 2000 prometeram a sincronia entre a natureza e a civilização – nada disso foi conseguido. Seja por ser algo inatingível desde o princípio, seja porque a ganância da humanidade mais uma vez pôs tudo a perder, o idealismo utópico que nos vinha à mente sempre que pensávamos em algo relativo à informática foi substituído por uma aura de pavor orwelliano sem precedentes: adeus aos visuais futuristas e esperançosos de estética solar! Tudo foi abandonado em prol de um padrão horripilante e nada amistoso, onde tudo é flat, dull e gray, e mais parece ter saído das páginas de algum romance cyberpunk incrivelmente pessimista. Desde os anos 2010, percebo, a tecnologia fica cada vez mais “corporativizada”, e perde aquele appeal popular dos anos mais inocentes. Eu próprio, tão logo ponho os olhos na tela de qualquer dispositivo eletrônico, sinto um desgosto inexprimível em termos humanos, mas quem hoje em dia pode desfazer-se deles por completo!?
Mais uma vez, devemos fazer aquilo que fazemos de melhor: suspirar pelo passado, pois o futuro é negro. Nos foi negado viver num futuro reluzente cuja música tema fosse “Lease”, de Takeshi Abo, e o capitalismo fosse o supremo triunfo da humanidade. Nos anos 2010 a vaporwave surgiu para nos consolar, e agora em 2020 (mal recuperados de uma pandemia!) o Frutiger Aero veio para nos fazer sonhar com o futuro que, talvez, poderia ter sido se a humanidade fosse um tanto melhor. Se daqui a uma década ainda estivermos vivos certo estou de que encontraremos outro fenômeno nostálgico que nos mantenha a sanidade – e tristemente virei até aqui para registrá-lo e me lembrar de como sempre foi vão almejar pelo novo.
(São Carlos, 23 de fevereiro de 2024)