A Manipulação da Memória Coletiva
Recentemente li um artigo a respeito da memória social que dizia: “o conceito de memória social é ético e político”, então me propus a escrever algumas linhas sobre essa afirmação.
A memória de uma sociedade é formada por um grupo de informações que são filtradas e escolhidas como essenciais para contar a história e preservar a memória da humanidade. Dessa forma, não só o conceito, mas a construção da memória social é ético e político. Existe sim, desde o início dos tempos, uma manipulação do que deve ou não ser tratado como memória e história de uma sociedade.
A escolha dos documentos, acontecimentos e bens tangíveis ou intangíveis a serem preservados é algo montado por um determinado grupo de pessoas, geralmente ligados ao poder público. A própria municipalização do IPAC (Inventário do Patrimônio Artístico e Cultural) é uma forma de centralizar esta escolha nas mãos do governo local. O fato é que o desígnio do que preservar é algo que envolve diferentes fatores políticos que nem sempre ficam claros aos olhos da comunidade.
O que deve ser “escolhido” para ser preservado? Quais documentos devem ser tratados como Patrimônio de uma comunidade tendo, portanto, o direito de permanecer e o dever de preservar a história da humanidade? Até que ponto a comunidade se envolve na escolha do que preservar? O que é preservado conta mesmo a história desta comunidade; ou direciona a memória coletiva com algum propósito? Enfim, o leque de discussões é grande e a literatura que aborda o tema é ainda muito pequena.
A memória coletiva é facilmente manipulada. Dependendo da abordagem utilizada pode-se conseguir que algum acontecimento memorável seja simplesmente produzido ou ressignificado, fazendo com que a sociedade tenha sua memória direcionada para um devido fim. A criação de heróis, como Tiradentes, é um bom exemplo desta manipulação da memória coletiva.
Tiradentes, durante o período em que o Brasil se manteve colônia de Portugal, era visto como criminoso. Somente depois da proclamação da república, sua morte foi lembrada e o mesmo posto como mártir, tudo isso para a construção de um herói nacional.
Está aí um belo exemplo de como se pode manipular a memória social. Até hoje a morte de Tiradentes é lembrada e ensinada desta forma nas escolas de Educação Básica.
A escolha do que preservar deve ser tratada com devido zelo, tanto pelo poder público, quanto pela sociedade civil. A preservação da memória é um direito de todo cidadão e o zelo por sua preservação é um dever de todos, pois o Patrimônio Cultural nada mais é do que um testemunho vivo da história de uma sociedade, pelo qual se pode traçar a linha da evolução humana na terra e conservar a memória coletiva para as futuras gerações.
Quanto à manipulação, há que se ficar atento e não aceitar a utilização antiética dos mecanismos de preservação com finalidades políticas; acredito que este seja um trabalho para os Conselhos de Patrimônio Histórico.
Angélica de Castro Campideli, setembro de 2010.