MAGRAS VERBAS "CENSURAM" BIBLIOTECAS
O sinal mais forte do estágio civilizatório de um grupo humano são as suas bibliotecas. A presença ou a ausência de detrminados títulos, às vezes, também revela a tirania ou a democracia da sociedade em que se localizam. A história nos fala de bibliotecas censuradas, de índices de livros proibidos, de livros e bibliotecas que viraram cinzas.
No mundo subdesenvolvido as bibliotecas, geralmente, são pobres, primando pela ausência de obras fundamentais, com poucos recursos. Uma universidade, sem uma grande bibliioteca, sempre será uma universidade subdesenvolvida. No meu entender, a avaliação das universidades deveria começar pelas bibliotecas.
Assim como no mundo civilizado, durante muitos séculos, os prédios mais vistosos e artísticos eram os templos, nas instituições de ensino superior os edifícios mais imponentes deveriam ser as bibliotecas. Pois são elas os templos do saber. Infelizmente, em muitas universidades brasileiras, isto não é o caso.
As grandes bibliotecas, no mundo ocidental, começaram a surgir no 3o. século a.C., na região que se estende entre o Egito, a Síria e a Ásia Menor. Desde o início, a relação entre as bibliotecas e o poder político foi claro. Este modelo permaneceu através dos séculos.
Bibliotecas, como a famosa Biblioteca de Alexandria, demandavam altos investimentos reais. Por isto, bibliotecas particulares sempre são relativamente modestas, inclusive, as cidades-estado da Grécia Antiga não possuíam bibliotecas notáveis, por falta de recursos.
Mas foi na Grécia que nasceu o modelo de biblioteca adotado, por muitos séculos, no Ocidente. Este modelo se baseou na Escola Aristotélica. Segundo o modelo aristotélico, anexo às bibliotecas localizava-se o "Museu", ocupado por estudantes que cultuavam as Musas. Oa "museus" são os precursores das "casas de estudantes", sustentadas pelas cortes reais, e hoje pelos governos e entidades assistenciais.
ALEXANDRIA - Conta a tradição que a Bibliioteca de Alexandria teve cerca de 40.000 livros (rolos) queimados na guerra entre César e Ptolomeu XIII (48-47 a.C.), mas ela possuía, na época, entre 500-700.000 livros. A destruição definitiva deste patrimônio da humanidade teria ocorrido em 642 d.C.
Segundo a lenda (história?), quando o conquistador árabe Amr Ibn al-As entrou em Alexandria deu ordens ao califa Umar I de colocar fogo na Biblioteca, sob o argumento de que seus livros eram indesejáveis. Pois, "se estavam de acordo com o livro sagrado (Corão) eram supérfluos; e se estavam em desacordo eram prejudiciais. Por isto, em ambos os casos, mereciam ser queimados". O Governo do Egito, com o apoio internacional, reabriu a Biblioteca de Alexandria. Passou-se assim para o século XXI com um dos símbolos de nossa civilização reconstruído. Esta Nova Biblioteca de Alexandria é um espaço cultural maravilhoso que não apenas orgulha o Egito, mas a humanidade como um todo.
Como dizia, no início deste artigo, as bibliotecas podem revelar sinais de tirania, de democracia, de desenvolvimento ou de subdesenvolvimento. Certamente não são lugares neutros. O General Pinochet, por exemplo, chegou a banir das bibliotecas do Chile o Dom Quixote de Cervantes, pois nele encontrou argumentos a favor da desobediência civil.
Durante a última ditadura brasileira, era perigoso ter na estante livros de Marx. Numa Faculdade de Teologia do Sul do Brasil, chegou-se até a apreender a Bíblia Hebraica, sob o ignorante equívoco dos agentes da repressão de que eram escritos de Mao Tse-Tung. Apenas nos anos 60 do séc. XX a Igreja Católica relativizou seu medieval "codex librorum prohibitorum", cujos livros, até então, somente podiam ser lidos por católicos com uma autorização especial da autoridade eclesiástica. Até então as bibliotecas de instituições religiosas reservavam um recanto nas bibliotecas, chamado de "inferninho", onde se trancavam os livros relacionados no "codex". Era pecado lê-los sem a devida autorização.
Felizmente, hoje, as nossas bibliotecas brasileiras são lugares democráticos. Só que são poucas, pobres, pouco frequentadas e, indiretamente, censuradas pelas magras verbas governamentais, ou institucionais, para enriquecê-las. Para que as nossas instituições superiores, e escolas em geral, de fato, possam almejar a uma paridade com as universidades e as escolas do mundo desenvolvido seria absolutamente necessário que dessem prioridade às suas bibliotecas. A desculpa de que já podemos acessar as bibliotecas, pelo mundo afora, através da internet, é falaciosa. Pois os melhores recursos eletrônicos nunca substituirão o manejo direto dos livros de papel.
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Inácio Strieder é Professor de Filosofia - Recife/PE - Brasil