Alma, um bem de consumo.

Desde 1945, após a 2ª Guerra Mundial, já se previa a ascenção vertiginosa da sociedade industrial. O avanço tecnológico demonstrado pelos países beligerantes construiu as bases para esta ascenção. Era só uma questão de tempo e ela se daria. Ninguém imaginava, no entanto, que todo esse progresso fosse acabar se impondo em espaços que não estavam preparados para recebê-lo. Ao menos não na forma que ele propunha. Eu me refiro ao espírito humano, aquele espaço que carregamos dentro de nós que, com freqüência, se queixa deste "progresso" que querem lhe impor.

Enquanto que a primeira grande ocupação (a dos anos dourados ou anos 50) massificou extremamente a produção de bens de consumo, a segunda (mais pós-moderna) procurou oficialmente implantar no espírito dos consumidores a aquisição de tais bens. Para tanto, tornou-se necessária a "industrialização" da alma humana, a qual já vinha tendo seus vazios trabalhados em nome da ocupação final. Em função da cultura de massas criada em meados de nosso século, os valores humanos foram perdendo seu sentido qualitativo para serem numerados ou quantificados numa escala de valores mais facilmente manipulável. Tudo que antes era sólido, princípios, por exemplo, passou a se desmanchar no ar. O progresso passou a exigir almas e espíritos flexíveis, destituídos de valores morais maiores que pudessem vir a comprometer sua mutabilidade e adaptação ao novo.

A ocupação final se deu através da mídia. Os meios de comunicação, uma grande arma, foram aos poucos impondo o ter no lugar do ser. Muitos cérebros foram "lavados" dessa forma, principalmente os dos adolescentes modernos. Shoppings, mais do que nunca, passaram a ser usados como terapia ao vazio espiritual, e as compras compulsivas se tornaram um hábito. A política do ter, levada a extremos, coisificou a alma humana que hoje busca conforto nos artigos de uma loja de departamentos. Neuróticos consomem mais e, sendo assim, a mídia agradece e reforça o ciclo. Não é fácil o adolescente lidar com vazios numa época tão rica em novas informações e experiências. A tecnologia de ponta, que o jovem acessa hoje, sempre foi impessoal. O problema é que sua assimilação também passou a ser. A incipiência, gerada pelo conhecimento sem critério, não compensa com crescimento interno a energia gasta na sua incorporação. Dá-se, assim, o falso aprendizado, como o daquele aluno que sabe ler e escrever, mas é incapaz de interpretar um texto. Aprender é exercitar a alma, experimentar os seus limites e, conscientes dos mesmos, mudarmos de imediato o que é possível, além de nos prepararmos para o novo naquilo que nele realmente valha a pena. "O sabedor não é armário de sabedoria armazenado, mas transformador reflexivo de aquisições diferidas". Assim, brilhantemente, Ruy Barbosa, há anos, diferenciou o saber real do saber de aparência. Este último apenas acumula dados, enquanto que o primeiro os vivência.

Sabemos de antemão que o progresso tecnológico gerado pela humanidade deveria ser suficiente para garantir o bem estar, não só material, de nossos jovens. Penso que isso não se deu porque o culto abusivo à razão imediatista, vindo desse tecnicismo exagerado, relegou a um segundo plano o espírito daqueles que o assimilava. Costumo incentivar meus alunos a questionar os caminhos oferecidos, pensar a respeito dos rótulos e das tendências impostas, bem como, usar lentes especiais na análise desses "enlatados" que inundam nosso universo informático. Gosto, enfim, de convidá-los a conhecer e não ter conhecimento.

Um espírito forte é um espírito crítico, seletivo e apto, também, a saber ouvir a si mesmo, antes de se atirar a uma mera absorção passiva dos incontáveis produtos do Google e congêneres, hoje disponíveis em nome do "saber". Costumo lembrá-los que o que não passa na telinha também existe e, em boa parte das vezes, é o que de fato existe.

Dassault Breguet
Enviado por Dassault Breguet em 01/10/2010
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