CONFUSÃO INTELECTUAL E PRAXIS

O homem contemporâneo está cercado por um turbilhão de ideias e realizações. Como nunca na história há progressos na ciência e na tecnologia. Por outro lado, como nunca, se multiplicam os atendimentos psicológicos e psiquiátricos. Apesar de todos os novos conhecimentos aumenta o número de pessoas que se demonstram perplexas, incapazes de interpretar o seu destino existencial com tranquilidade. Já não encontram palavras para externar se espanto. E diante disto só lhes resta o conformismo. Deixam a vida simplesmente fluir, envolta em suas confusões e perplexidades, sem construir um sentido para suas vidas. Muitos se alienam anestesiando-se com drogas. Mas isto não resolve, pois para que a vida humana possa ter uma plenitude é necessário dar-lhe um sentido e vivê-la conscientemente. Somente com um sentido, com um conjunto de valores o ser humano consegue viver com dignidade, respeito, alegria, felicidade e auto-estima.

Mas, como conseguir isto? A saída não parece complicada. As gerações de um passado recente possuíam, em geral, uma visão fixista do mundo. Os conceitos definiam sentidos exatos e ofereciam uma existência ideal a buscar. As verdades eram inquestionáveis e absolutas. As religiões e a vida social baseavam seus fundamentos em mitos e tabus. Hoje estamos eliminando os muitos absurdos, alienações e ilusões de gerações anteriores. Muitos dos tabus que ainda toleramos já perderam o seu misticismo. Aqueles que ainda não foram eliminados, aos poucos perdem sua força, e seguem um processo de eliminação natural. Passou a época das lorotas. A humanidade desperta, cada vez mais, para uma realidade que necessita fundamentação para ser aceita. E, felizmente, este processo de evolução positiva da humanidade é irreversível. Quem se opõe a ele, ou não se integra conscientemente nele, é colocado à margem. Não se desenvolve plenamente como ser humano. Não consegue realizar seu destino total. Como grande parte da humanidade ainda não se convenceu de que a história caminha, e não adianta apenas criticá-la negativamente e escandalizar-se com seus avanços, querendo impedir sua marcha, existem tantas pessoas perplexas e espantadas. O ser humano está como que despertando de um sono cósmico. A partir do século passado este despertar está sendo muito rápido, e em proporções nunca vistas antes. Por isto, parece, muitas pessoas demonstram uma certa tontura, não conseguindo compreender, nem acompanhar os passos gigantescos que a humanidade está dando. Já não é possível travar este despertar. Pelo contrário, os verdadeiros líderes e benfeitores da humanidade de hoje são aqueles que ajudam aos homens a despertar, tornando-os cada vez mais conscientes de si mesmos.

O despertar dos homens hoje se manifesta em todos os campos de suas atividades. Embora jamais atinjamos o despertar pleno, a lucidez máxima que a humanidade poderá atingir, porque, enquanto existir a espécie humana, haverá capacidades e facetas de seu espírito ainda não objetivadas. Já iniciamos a navegação para a profundidade do cosmos. Jamais a sede de conquistas se extinguirá. Em relação às gerações do passado, a nossa já acordou muito mais. Por isto os conflitos de gerações; a confusão intelectual de gerações novas e de gerações envelhecidas. Mas cada qual deverá conscientizar-se que amanhã as gerações de hoje estarão sujeitas a ser confundidas pelas gerações que virão, pois a história das culturas e das civilizações nada mais é do que o contínuo despertar dos homens ainda semi-adormecidos.

Os que andam confusos continuam mergulhados num sono que não condiz com o nível de sono de nossa geração. E se hoje encontramos interpretações novas a respeito do mundo, de Deus e do homem isto não é de se lamentar, antes deve ser motivo de profunda alegria, pois é a prova mais segura dum futuro promissor para a humanidade. A humanidade continua despertando para um destino ainda maior, sem misticismos e sem opressões, onde os mitos, os tabus e as ilusões não mais nos apavorarão, obrigando-nos a permanecer no sono cósmico, mas colaborando na busca de um destino mais pleno de sentido. Se os mitos continuam eles só podem ser tolerados quando servem ao divertimento e à libertação. Por exemplo, a conquista do cosmos nada mais é do que um mito, mas um mito positivo que impulsiona a pesquisa e o progresso.

Muitas afirmações religiosas e éticas estão repletas de tabus e mitos. E, geralmente, estes aspectos atrapalham a vida dos homens. Se ajudassem o progresso, poderiam ser tolerados, mas, como entravam a realização do destino humano, são prejudiciais. Também, em alguns aspectos, o cristianismo se ressentiu com isto, fixando-se em mitos e tabus em suas pregações. Na verdade, os fixistas não admitem o processo dinâmico da história, e a marcha irreversível dos acontecimentos os vai marginalizando cada vez mais. Ainda relutarão durante algum tempo, mas os seus tabus e mitos os levarão ao ostracismo em relação a compreensão da criação do universo como um todo. Isto não significa que com estes conservadores e/ou fundamentalistas o cristianismo, como tal, submergirá. Pelo contrário, pois já está em pleno crescimento o processo dialético que nos trará um cristianismo vigoroso, sem misticismos, mesquinharias e tabus intoleráveis.

Este processo renovador nos traz uma grande novidade, sempre verdade, mas nunca consciente. A nossa saúde espiritual não adqueriremos tanto por aquilo que pensamos, mas muito mais por aquilo que fazemos. Por isto, se fizermos aquilo que o cristianismo nos pede, estaremos trilhando o caminho certo. As questões biozantinas, que afligem muitas consciências, e que não carregam a força duma praxis, são de pouca importância. E a principal praxis cristã é a caridade. Por isto, atacar pessoas porque pensam diferentemente de nós a respeito de assuntos, que até agora eram tidos como verdades absolutas, não tem sentido. Verefiquemos se elas vivem a caridade. E se vivem em caridade estão vivendo a mensagem central do cristianismo. Deixemos que pensem diferentemente de nós, pois quem pode estar certo que sua palavra é a verdade absoluta e definitiva? Unicamente o ser divino é a verdade. O homem sempre é histórico, e sua linguagem condicionada histórica e culturalmente. Por isto, a confusão intelectual, filosófica e religiosa de muitos, em nosso tempo, ainda não é sinal de que o mundo vai mal. O mundo irá mal e será condenável quando desaparecer a praxis da caridade. E se isto fosse possível ocorrer, estaríamos próximos à catástrofe final da humanidade.

______________________________________

Inácio Strieder é professor de filosofia - Recife/PE