O PODER DA MÚSICA

Já Platão advertia para a natureza subversiva da música. Testemunhos históricos relatam que, muitas vezes, governos e religiões demonstraram medo perante o poder da música. No século passado, Stalin investiu com fúria ideológica contra compositores; Hitler confinou músicos em campos de concentração; o Governo Chinês ainda se preocupa com a "poluição espiritual" da música pop e das óperas ocidentais; pais americanos, muitas vezes incentivados por líderes religiosos, investem contra o rap e o rock do satanista Marilyn Manson; o Taliban chegou a proibir as músicas profanas em Kabul.

Em todos os tempos, a música foi a arte mais censurada pelos detentores do poder, pois não existe revolução sem música. A música também é a arte mais difícil de ser destruída. Ela se ancora na alma. Por isto, regimes totalitários, religiões fundamentalistas e culturas etnocêntricas vigiam a "pureza" das músicas populares. Os exemplos mais marcantes de ataques à música, no século passado, encontramos, sem dúvida, na União Soviética, especialmente na década dos anos trinta, e no Terceiro Reich de Hitler. Os soviéticos se voltaram contra o modernismo, ou o assim denominado " formalismo musical", interpretado como culto à dissonância e à desarmonia. Por isto, todos os compositores simpáticos a este estilo musical foram declarados " prejudiciais ao povo soviético" . O que trazia consequências desastrosas para as vidas dos músicos.

No Terceiro Reich, o inimigo também era o modernismo, considerado aliado ao " bolchevismo musical com influências judaicas" . E isto era "contrário ao sangue e à alma do povo germânico" . Os músicos "indesejáveis", principalmente os judeus, eram banidos da "Reichmusikkammer", cujo presidente era Goebbels. O que significava que suas músicas não podiam ser divulgadas pelos meios de comunicação social. Nos Estados Unidos, no período da " caça às bruxas" do Mccarthismo, até músicos de Hollywood foram presos e suas músicas proibidas. Na América Latina, um dos casos mais escandalosos de censura musical envolveu o cantor popular chileno Victor Jara. A "Nueva Canción", de cunho claramente político, surgiu na Argentina em 1962, mas rapidamente mostrou seu poder libertador em outros países. Seus ecos também soaram na Espanha, mexendo com a ditadura franquista. No Chile a "Nueva Canción" alcançou sua expressão máxima, graças à música de Jara e Violeta Parra. A Nova Canção teve papel fundamental na eleição de Salvador Allende. Depois da eleição, Allende se cercou de músicos com o mote: " não existe revolução sem música".

Para Jara, o verdadeiro revolucionário está por detrás da guitarra, transformada em instrumento de luta. A proposta de Jara foi tomada a sério pelos golpistas de Pinochet, fazendo dele uma das primeiras vítimas do brutal golpe, apoiado criminosamente pelos Estados Unidos. Pinochet identificou a "Nueva Canción" com a Unidade Popular, banindo todos os músicos filiados a ela, e proibinmdo, inclusive, seus instrumentos musicais.

No Brasil, o golpe militar de 1964 impôs especial censura à Música Popular Brasileira. Vários músicos partiram, por algum tempo, para o exílio. Entre eles: Geraldo Vandré, Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso.

Na Grécia, o golpe militar de 1967 prendeu e torturou o internacionamente conhecido cantor Mikis Theodorakis. Depois solto sob pressão internacional e exilado. Outros músicos não tiveram a mesma sorte, e continuaram sob tortura.

Na Turquia, músicas curdas foram proibidas e cantores curdos exilados.

Na África do Sul, o Apartheid também foi um regime de censura musical. Ainda hoje, em alguns países africanos, imperam censuras musicais.

Em grande parte dos países de cultura islâmica, o direito ao exercício musical e o fundamentalismo religioso estão desastrosamente mancumunados.

No mundo capitalista, considerado democrático, a censura musical é, muitas vezes, praticada pelos meios de comunicação, que descartam de seu repertório as músicas que não tocam de acordo com as cartilhas ideológicas e os interesses econômicos das empresas. Isto também é censura.

Diante do óbvio poder da música, os poderosos, sejam eles de origem política, religiosa ou econômica, nunca deixarão de censurá-la, ou de aproveitar-se dela em proveito próprio. Por isto, quando assinalamos o poder subversivo da música é importante também advertir para o poder de alienação da música. A música pode estimular a libertação, mas também levar ao êxtase da alienação. O " pão e o circo" da alienação do antigo povo romano, hoje se transforma em "música e circo" para uma multidão acrítica dos nossos tempos. Isto é o perigo, ao que parece, imbutido em muitas das músicas religiosas, políticas e carnavalescas, que fazem o povo cantar e cantar, como as cigarras em tempo de verão. E tudo fica nisto. Como se a vida consistisse apenas em belas melodias, alienadas do poder transformador da música, que exige a ação libertadora. E pergunto-me eu: onde estão, no momento atual, as músicas de resistência, subversivas, contestatórias e libertadoras, que poderiam conscientizar o povo frente aos discursos mentirosos e sofísticos de grande parte dos nossos políticos e dos charlatães religiosos?

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Inácio Strieder é Professor de Filosofia - Recife/PE