Sobre o Brazilian Way Of Life
Não sei se todos no país já perceberam, mas as aves que aqui gorjeiam atualizaram o poleiro: pousam nos fios de telefone, nas antenas parabólicas... Enfim, telepousam. E, ao contrário de muitos Canários do Reino, que mais parecem um bebê chorão, cantam com alegria a verdadeira canção de amor. Esses outros canários batem sempre na mesma tecla, e a desculpa esfarrapada é uma incerta coisa que eles chamam de amô': amô-tara, tapa na cara, calcinha...
Quanta coisa nauseabunda abunda na indústria fonográfica...
Quando os caras não cantam pra cachorro, cantam pra cachorra, que não passa de uma mulé, um corpo, a casa-da-mãe-joana... Lá, o tigrão já fez de tudo: meteu de quatro no bonde, passou a vara na rabiola e o cerol na poposuda. Nos momentos românticos, é também chamada de gatinha, tanajura, filé... Outrora, pombinha. Na hora da raiva é vaca, galinha mesmo. E, bem dentro dos moldes do modo de vida brasileira, ou o Brazilian Way Of Life, por qualquer coisinha, ele guarda a vara e mete o cacete. Uns dão pra meter a faca, mas acho que fui digressiva. Eu estava falando dos Canários do Reino, e não daqueles que adoram cantar de galo por aí.
O Canário do Reino merece respeito. É um renova-dor, um atualiza-dor... E, muito antes de existir o computador, tornou-se o realizador do site "enfeitamasnaomuda.com". O cara sofre de uma dor terrível! Podia ser um transformador, mas essa palavra é proibida no site. Não dá lucro e aborrece os Senhores infalíveis e geniais da mídia que têm mais o que fazer. São eles que decidem o que devemos vestir, ouvir, dizer, fazer... Então, o Canário, como um poeta parnasiano, corre pra torre - aquela cobertura maravilhosa que o sucesso lhe deu - e sofre, e rima, e sôa e, sua o amô' que dilacera o peito dessa gente indulgente, que não quer saber do que lhe pertence, só quer sambar.
Mas cada povo tem o compositor que merece, né? E o brasileiro adora um Canário Parnaca, que é a própria reencarnação de um bicho-de-sete-cabeças: um Gonçalves Bilac com rabo de Castro, pinta de Álvares de Azevedo, cabeça-de-bagre. Vai versejar assim na casa da Moreninha, em Paquetá. Ou então, bem-vindo ao mundo real, irmão! Estamos em 2010 e aquela estética de amor do século XVIII já se foi.
Felizes são aqueles que podem viver a milhas e milhas das ilhas dessa aldeia global. Ah, se o bicho-homem "corresse assim/tantos céus assim..." Não levava a vida cala/colado numa tela, enquanto a natureza pinta tantas outras. Os olhos sedentos de um amor... Que tela! O Rato de TV troca pelos olhos da Jade, Helena, Gabriela... É no horário nobre que mais se ouve: "Cala a boca, menino!" Eu mesma tive que calar minha boca várias vezes pra minha mãe ver e ouvir teleproblemas. Mal sabia ela do meu embarazo. Levou quatro meses pra perceber. Sei de um pai - um rato de novela - que só percebeu a barriga da filha quinze dias antes do parto. Foi um parto pré-maturo. Mas sete meses? Que paizinho é este?
Quem traduz bem o processo de dominação do vídeo sobre o indivídeo é o Juarez Machado. Não, nunca pude comprar uma tela dele. Quem sou eu... É que eu colecionava a Revista Pop. Numa delas, havia uma reportagem - "Juarez Vê TV" - com umas gravuras incríveis. Dentre todas, a que mais me impressionou foi uma em que havia uma TV humanizada, posta como que sentada em uma poltrona, assistindo um telespectador em forma de busto sobre uma mesa, conectado a uma tomada. Essa reportagem é de 1976. Evoluímos?
Eu noto que a minha gente adora pendurar cachorro, moça bonita na parede e se desmancha com aquelas rimas de amô'. Tudo bem... Gosto não se discute. O problema é que esse tipo de mentalidade, esse modo de ver as coisas, costumam dificultar a nossa vivência, e, às vezes, dá um rolo...
Certas expectativas estéticas, programações "culturais", estórias de gato preto, demônios... É a partir dessa teia-de-aranha-negra que muita gente olha o outro, mete o martelo e dá o veredito num piscar de olhos, sem parar pra pensar se a fulana é uma vagabinha mesmo só porque gosta de dançar; ou se o fulano é um gayzinho só porque rebola um pouco ao andar ; ou se cicrano é maconheiro só porque é arredio e um tanto estranho.
Mas o problema principal, é quando a fórmula do "Pão e Circo" enche as urnas de voto prum Zé Mané subir as rampas do Planalto e governar essa Bruzundanga brasileira por quatro anos.