A lógica medieval em relação ao conhecimento
No filme O Nome da Rosa, temos uma representação muito bem elaborada sobre o conceito medieval relacionado ao conhecimento. O mistério que envolve a trama, é desencadeado por estranhos assassinatos em um mosteiro e os padres deste mesmo, não estão dispostos a arriscar a reputação da Igreja solucionando os casos. Tratam então de chamar alguém de fora e quem chega é um franciscano mais para filósofo grego do que outra coisa. É Guilherme de Bakersvile, interpretado por Sean Connery, que, diga-se de passagem, atua muito mal neste filme, mantendo sempre uma mesma postura estática, querendo sempre transmitir ar de pensamento distante. Esse e outros traços da personalidade, fazem com que ele se assemelhe muito mais com um filosofo do que com um franciscano, inclusive ele usa com seu “pupilo” métodos criados por Sócrates, o tal “Dialogo Socrático”, que consiste em fazer perguntas, mesmo que se tenha as respostas e a partir disso, o individuo alcançar sozinho a verdade. Mas voltando ao filme, este franciscano passa a investigar o caso, encontrando conexões entre os assassinatos, uma vez que todos circundam o ambiente da biblioteca. A partir daí uma serie de descobertas leva a crer que a Igreja tenta encobrir os crimes, que são resultados da busca pelo conhecimento, já que todas as vitimas são as pessoas que buscavam um livro em determinado, que era capaz de desfazer o medo pelo sagrado, desmistificar aquele ar obscuro da Igreja.
E é exatamente essa a lógica medieval, de que para conservar seus fieis, ela precisava lhes amedrontar, criar demônios, dizer que fora o ‘sagrado’ que era o que se cultivava dentro dos mosteiros, nada mais importava, era profano. Nessa lógica, os livros entram em cheio, e junto a biblioteca. Na mentalidade medieval, não se devia expor a ninguém, que não os autorizados e os que tinham conhecimento teológico suficiente, os livros ou qualquer outro documento de uma biblioteca. Era vedada a entrada de estranhos e as bibliotecas se localizavam em verdadeiros labirintos, justamente para não se ter acesso a tal lugar. Portanto, o papel da biblioteca era o de apenas armazenar livros, seguindo a mesma mentalidade da Idade Antiga, apenas renovando seu formato e seu acervo. Eles acreditavam – e tinham razão – de que o livro pode mudar a cabeça de uma pessoa, trazendo-lhe novas ideias e que, com isso, ela perderia o medo e em consequência a Igreja perderia fieis. Em contraponto, podemos dizer que ao menos de um lado isso foi positivo, pois, já que as bibliotecas medievais herdaram muito de seu acervo de obras da Idade Antiga, elas conservaram muito bem esses livros e proporcionaram que nós, hoje, tenhamos acesso a esse conhecimento. Então, não fosse esse rígido controle do conhecimento, não teríamos hoje acesso a obras históricas.
Mas deixando um pouco de lado essas datas longínquas, retomemos os tempos modernos – não os de Chaplin – e pensemos: o que mudou em nossas bibliotecas? Ainda existe resquícios dessa mentalidade?
Muita coisa, certamente mudou, e para melhor, por exemplo, hoje a maioria das bibliotecas são de livre acesso a qualquer um e é um dever do bibliotecário difundir a leitura, o conhecimento. Mas como bem sabemos, nem tudo são flores, e ainda notamos muitos resquícios dessa mentalidade, – e não só em relação ao conhecimento – pois muitos ‘bibliotecários’ ainda conservam essa doutrina de que a biblioteca é um lugar sagrado, onde não deve haver barulho, encomodação. Bem verdade é que não fazem afim – ao menos diretamente – de dificultar o conhecimento, a influencia que sobrou é algo muito mais velado, quase inconsciente, que é expressa pela pura falta de boa vontade dos bibliotecários, falta de vontade de atender, de difundir a cultura, o conhecimento. Enquanto ainda existir isso, existirão bibliotecas ‘medievais’, querendo impedir o conhecimento, impedir o acesso aos livros.