Édipo: Rei de Tebas – Michael Jackson: Rei do Pop

Texto escrito em 01/07/2009

Considerando que alguns alunos me pediram para escrever sobre Michael Jackson, em virtude do seu falecimento. Resolvi aceitar o desafio, mesmo considerando a tarefa árdua, devido a complexidade da biografia do artista. Acredito que sem o estímulo dos alunos, eu não escreveria este texto. Antes de “falar” sobre Jackson, no entanto, gostaria de abordar alguns elementos da Poética de Aristóteles, com os quais pretendo fundamentar as linhas que se seguirão.

A poesia trágica, conforme Aristóteles, é imitação, mas imitação de ações e não de caracteres ou qualidades. Na tragédia, a felicidade ou a infelicidade não dependem das qualidades. Um homem virtuoso, de caráter elevado, pode sofrer os maiores infortúnios. O caráter, no entanto, desempenha um papel fundamental na tragédia, uma vez que é ele que assegura ao personagem uma ação reta no momento da decisão.

Ao fazermos um paralelo entre a tragédia “Édipo Rei” e a “Poética” de Aristóteles, chegamos, inevitavelmente, à conclusão que o “Édipo Rei” é a tragédia por excelência, nela estão contidas todas as partes que compõem uma tragédia, cada uma desempenha um papel importante, o que torna a obra um todo orgânico.

A tragédia é uma obra curta, sua duração não pode exceder duas horas. Quando à trama, o ideal é que todo o desenrolar dos fatos aconteça dentro de um período de Sol. Para que isto seja realizado, a tragédia parte de determinados acontecimentos prévios, são pressupostos, ou seja, quando começa a trama, já se tem toda uma situação posta. Aquilo que está pressuposto recebe o nome de “nó” e o que se passa a partir daí é o desenlace, que é a obra propriamente dita. O “Édipo Rei” tem início no momento em que Tebas é assolada por uma peste que ameaça a todos, Édipo é o rei. O que está pressuposto, o “nó”, é o fato de Édipo ter assassinado o pai e ter desposado a própria mãe, sem saber, conforme havia sido previsto pelo oráculo. A partir daí, vai se desenrolar toda a trama.

Aristóteles define a tragédia como: “imitação de uma ação de caráter elevado, completa e de certa extensão, em linguagem ornamentada e com várias espécies de ornamentos distribuídas pelas diversas partes que, suscitando o ‘terror e piedade’, tem por efeito a purificação (catarse) destas emoções”. As suas principais partes são: o espetáculo cênico, que, para Aristóteles, é o mais emocionante, mas também é o menos artístico da poesia, podendo haver tragédia sem representação e sem atores; a melopéia, que é aquilo que a todos é manifesto; a elocução, enunciado dos pensamentos por meio das palavras; o caráter, que revela decisão e é o elemento moral da tragédia; o pensamento, que é o elemento lógico e, por fim, o mito, que é o princípio e a alma da tragédia.

A tragédia imita homens bons, tornando-os ainda melhores (se opõe à comédia, que é imitação dos homens tornando-os piores). O objetivo da tragédia é suscitar os sentimentos de terror e piedade, terror é o sentimento de repulsa diante dos males cometidos e piedade é um sentimento de solidariedade para com o personagem que, mesmo sendo virtuoso, sofre. Da tensão destes sentimentos opostos, paradoxais, é que se dá a catarse, propósito final da tragédia: purificação dos sentimentos. A catarse é diferente do clímax, que é o ponto culminante. No “Édipo Rei”, Édipo representa o personagem de caráter elevado a quem os acontecimentos funestos sucedem, suscitando os sentimentos de terror e piedade. A ele cabe a decisão, o que fazer diante de tantos infortúnios.

Considerando todos os elementos acima abordados, a vida de Michael Jackson, em muitos aspectos, lembra uma tragédia, pois tem os seus momentos de “altos” e “baixos”, suscita sentimentos de terror, piedade e catarse. Se Édipo foi o Rei de Tebas, Michael é o Rei do Pop. Assistindo a qualquer um dos inúmeros programas veiculados após a morte do astro, a sensação que temos é que Jackson não viveu, mas representou um drama, uma tragédia. A sua vida foi o seu próprio espetáculo cênico, cujo “nó” foi a decisão de partir para uma carreira solo, numa tentativa de libertação da opressão paterna; a sua melopéia nada mais é do que a sua música, que é o seu aspecto manifesto e público que, no seu caso, não se separa de sua elocução. O seu caráter, defendido pelos fãs e questionado por seus inimigos e detratores, definiu as suas escolhas, pelas quais também foi, dialeticamente, definido. Quanto ao mito, finalmente, é o que ficou de Michael.

Assim como Édipo, que poderia ter dito: “sou o rei de Tebas e se sou o rei foi porque realizei feitos que me qualificaram para tal. Os erros que cometi não foram realizados voluntariamente, o mal que há neles não pode ser maior que o bem que realizei”, Michael Jackson poderia ter se defendido das acusações que sofrera nos últimos anos de sua vida, alegando que os maus tratos recebidos desde a infância, associados a todos os sofrimentos advindos da solidão do estrelato, para os quais toda a riqueza serve apenas como uma válvula de escape, foram os verdadeiros autores de suas extravagâncias. Como poderia o Rei do Pop não ser extravagante, se a extravagância é a própria definição de Pop?

Além disso, contra as acusações de que negou as suas próprias origens, mudando os traços de seu rosto e mudando a cor de sua pele, o que o astro não reconhece, Michael poderia alegar, caso fossem legítimas as acusações, que estava apenas tentando se livrar de um passado que o oprimia e de uma herança indesejável, já que a sua condição, no auge de sua carreira, permitia que ele fizesse. Além disso, assim como Édipo que, se punindo, arranca os próprios olhos, não estaria Michael fazendo o mesmo, ao iniciar um processo de autodestruição que o levaria à morte?

Enfim, longe de querer “explicar”, ou julgar, um ser tão complexo quanto Michael Jackson que, diversas vezes, nos fez cantar e dançar, rir e chorar, e sem aprofundar nas questões psicológicas que envolvem tanto o “Édipo Rei”, quanto a biografia de Jackson, o que se buscou neste texto foi prestar-lhe uma homenagem e suscitar algumas reflexões possíveis sobre alguém que, tendo sido vilão ou mocinho, réu ou vítima, ou nada disso, permanecerá nos registros de inúmeras gerações.

Paulo Irineu Barreto
Enviado por Paulo Irineu Barreto em 07/08/2010
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