Nietzsche ouviria Pink Floyd?
Por mais inusitada que pareça a questão acima, acredito que existam razões suficientes para propô-la. Longe de querer cometer um anacronismo, a intenção aqui é analisar um fenômeno cada vez mais comum entre os jovens, a saber: o interesse pela leitura de Friederich Nietzsche. Considerando o interesse crescente destes mesmos jovens pelo rock psicológico do Pink Floyd, surge a questão: Há um ponto em comum, no qual a filosofia de Nietzsche, a música do Pink Floyd e a atitute jovem se encontram?
A análise desta questão conduziu a um único caminho: o ponto comum é a insatisfação com um sistema de regras e valores estabelecidos. Insatisfação esta que pode ser entendida como uma espécie de loucura ou alienação. Na verdade, esta atitude nada mais é do que a resistência contra a “domesticação” imposta pelo sistema social que nós mesmos construímos e que é perpetuado pelas suas instituições, como o Estado, a Igreja, a Escola, a Família, a Polícia e tantas outras. Não que estas instituições sejam, em si mesmas, prejudiciais. Quanto entendidas como instrumentos de controle, no entanto, tornam-se opressivas e autoritárias, constituindo um bom alvo para toda a rebeldia potencial própria da juventude, dos filósofos, dos artistas, etc...
Nietzsche manifestou esta rebeldia e insatisfação em suas principais obras, nas quais se posicionou contra os valores que a civilização erigiu, como a permanência, a estabilidade e a disciplina. Perguntaria Nietzsche: “Porque não defender também a idéia de que a impermanência, a instabilidade e a indisciplina (contra as injustiças) não sejam também valores?”. Os jovens, por sua vez, vivem um momento de euforia, dúvidas e incertezas e são cobrados a todo o momento. Têm que tomar decisões quanto ao seu comportamento, caráter, vida profissional, etc... De um lado, vislumbram a liberdade que podem desfrutar; do outro lado, no entanto, antecipam as responsabilidades da vida adulta, cujos exemplos são fornecidos pelos adultos com os quais convivem (pais, professores, irmãos mais velhos...). A vida adulta, no entanto, é chamativa e inevitável, nela se apresenta outra ordem de possibilidades. Todo adolescente, embora ame ser jovem, sonha em ser adulto um dia, mas quando chega a maioridade, o que fazer?
É natural que os jovens, ao se depararem com esta realidade, tendam a evitá-la e uma das maneiras de evitá-la é negá-la, no todo, ou em parte. Foi este o fenômeno que o mundo experimentou nos anos 1960, no que passou para a história como o “conflito de gerações”. Entre as diversas manifestações desta época, encontra-se a música do Pink Floyd, como parte de uma revolução cultural que integrou diversas formas de expressão artística, como a música de Bob Dylan e dos Beatles, o cinema de Antonioni, Fellini e Bergman, a arte de Andy Warhol e Basquiat, as manifestações do Provos (Holanda), o movimento hippie e dos movimentos estudantis em várias partes do mundo. Esta rebeldia, no entanto, nem sempre foi praticada com desobediência ou agressividade, enquanto alguns quebravam guitarras ou faziam barricadas, outros entoavam mantras e distribuiam flores. Tudo isto nos leva a crer que, mesmo que Nietzsche não aprovasse a música do Pink Floyd, aprovaria a sua atitude.