Insatisfação nas Criaturas (Sto Agostinho)

Deus das virtudes, converte-nos, mostrai-nos a vossa face, e seremos salvos.

Para qualquer parte que se volte à alma humana, é à dor que se agarra, se não se fixa em Vós, ainda mesmo que se agarre às belezas existentes fora de Vós e de si mesma. Estas nada teriam de belo se não proviessem de Vós. Nascem e morrem. Nascendo começa a existir; crescem para se aperfeiçoarem; e, quando perfeitas, envelhecem e morrem. Nem tudo envelhece, mas tudo morre. Por isso, os seres, quando nascem e se esforçam por existir, quanto mais depressa crescem para existir tanto mais se apressam a não existir.

Tal é a sua condição. Só isso lhes destes, porque são partes de coisas que não existem simultaneamente, e que, desaparecendo e sucedendo-se, perfazem juntas um todo de que são partes. É assim que as conversas se completam por meio de sinais sonoros. Não existiriam na sua totalidade se cada palavra, depois de emitidas as sílabas, se não extinguisse, para outra suceder.

Que minha alma Vos louve por tudo isso, ó meu Deus, Criador de todas as coisas. Que não se agarre a elas pelo visco do amor que entra pelos sentidos do corpo. Também as coisas caminham para não existirem, e dilaceram a alma com desejos pestilenciais, por-que ela quer existir e gosta de descansar no que ama. Mas não tem onde, porque as coisas não são estáveis: fogem. Quem as pode seguir com a sensibilidade? Quem as pode alcançar mesmo quando presentes? A sensibilidade é vagarosa porque é sensibilidade. Tal é a sua condição. É suficiente para aquilo para que foi criada; mas não o é para reter as coisas que transitam dum princípio devido para um fim que lhes é devido, porque ouvem estas palavras: “Daqui até ali.”

Capítulo trágico e genial! Os seres correm velozmente para o seu termo:” O que nasce é preciso que ceda seu lugar ao que há de nascer. E toda esta ordem de seres transeuntes decorre a maneira dum rio.” Santo Agostinho, comentários ao Salmo 65, 11

------------------------------------------------------

Texto tirado do livro: "Confissões" Santo Agostinho