DOIS FILMES E A CRISE DA IGREJA CATÓLICA
A Igreja Católica encontra-se novamente numa encruzilhada: admitir publicamente ou não, os desvios de conduta de alguns de seus clérigos. O fato é que o Papa tem sido obrigado, nos últimos tempos, pela pressão da mídia, a pedir perdão pelos erros dos seus padres. Diante dos novos escândalos sexuais envolvendo padres e até bispos, fica no ar a pergunta: Será que dessa vez ocorrerão mudanças profundas no seio dessa instituição secular?
Enquanto não nos chega a resposta para essa pergunta, a sugestão é assistir a dois filmes magníficos que abordam temas ligados ao universo da Igreja Católica. Falo de "O Nome da Rosa", do diretor Jean-Jacques Annaud, e "A Dúvida", do diretor e dramaturgo John Patrick Shanley.
Já havia assistido o filme O Nome da Rosa, de 1986, mas revendo-o agora, junto com meus alunos, e embalado pelos acontecimentos que macularam mais uma vez a imagem da Igreja, tive uma percepção mais profunda sobre o seu conteúdo.
O filme é a adaptação do livro homônimo, de Umberto Eco, e mostra de forma brilhante, os desvios éticos e morais que acontecem no interior de um mosteiro medieval. No ambiente sombrio e misterioso desse mosteiro, homens de fé são arrastados para o "Mal" certos de estarem praticando o "Bem".
Crime, sexo, embate ideológico, manipulação do conhecimento, tudo isso é mostrado nesse filme com equilíbrio e maestria. Trata-se, basicamente, de um filme policial. E a investigação dos crimes é conduzida por um monge já com ideias renascentistas ou seja, razão e observação da realidade, são elementos fundamentais nesse processo. É também, nesse sentido, um filme de caráter filosófico, pois o debate de ideias leva ao questionamento dos dogmas da Igreja e à própria existência humana. O choque entre essa nova percepção da realidade e a visão supersticiosa dos defensores do poder da Igreja, é inevitável.
Além dessas questões de ordem temática, vale a pena assistir a esse filme pela qualidade estética que ele apresenta: bela fotografia, direção magistral e um elenco de primeira, destacando-se aí, em minha opinião, Sean Connery, no papel do monge-detetive William de Baskerville, F. Murray Abraham, na figura do temido inquisidor Bernardo Gui, e Ron Perlman, interpretando o grotesco e engraçado Salvatore. Reafirmo: o elenco é de primeira, e talvez eu esteja cometendo injustiças ao destacar apenas esses três atores.
O NOME DA ROSA é, sem dúvida, um desses filmes que nos levam à reflexão por ser, acima de tudo, um mergulho primoroso na alma humana, tão propícia aos desvios e às tentações.
O filme A DÚVIDA, de 2009, adaptação da peça de teatro homônima, do também diretor do filme John Patrick Shanley, (a peça ganhou o prêmio Pulitzer), nos leva a mergulhar nesse universo religioso e problemático da Igreja Católica e a emergir, ao final, com a certeza de que a fronteira entre o Bem e o Mal é às vezes, muito tênue. A religiosidade, por si só, não consegue lapidar a nossa alma ao ponto de livrá-la das mesquinharias e fraquezas próprias do ser humano.
A trama do filme, ao contrário da de O NOME DA ROSA, acontece no século XX, em 1964, na escola St. Nicholas, no Bronx. Nesse cenário onde transitam crianças e adultos, principalmente freiras e padres, desencadeia-se uma situação que nos faz suspeitar da validade das certezas religiosas.
Na sinopse, podemos ler que “O vibrante e carismático padre Flynn (Philip Seymour Hoffman) vem tentando acabar com os rígidos costumes da escola, que há muito são guardados e seguidos ferozmente pela irmã Aloysius Beauvier (Meryl Streep), a diretora com mãos de aço que acredita no poder do medo e da disciplina. Os ventos das mudanças políticas sopram pela comunidade e, de fato, a escola acaba de aceitar seu primeiro aluno negro, Donald Miller (Joseph Foster)”.
É a presença desse menino negro, num universo que não lhe é favorável, que despertará no padre Flynn o espírito protetor. Ao tomar para si a defesa desse menino, diante da ação violenta das outras crianças, o padre despertará a suspeita de que existe algo a mais além dessa ação protetora. São os olhos da inocente e meiga irmã James (Amy Adams) que verão nesse desvelo do padre para com o menino algo de suspeito, digno de ser denunciado. Ao levar ao conhecimento da rígida irmã Aloysius essas suspeitas, a jovem irmã colocará o padre Flynn diante da ação dura e inflexível da diretora, que fará de tudo para afastá-lo da escola.
Se o padre molestou ou não a criança, não ficamos sabendo. Tudo o que há são suspeitas. E, ao final, a dúvida. Porém, a presença da mãe do menino, a Srª Miller (Viola Davis), numa rápida aparição, deixa-nos estupefatos. Quanta humanidade, meu Deus! Todas as nossas certezas vão por água abaixo diante da sua fala. As questões morais, tão bem defendidas por nossa sociedade, parecem nada diante do desamparo e da resignação daquela mãe. Só por isso, por essa passagem plena de lirismo e dor, pela magnífica atuação de Viola Davis, o filme já mereceria estar entre os melhores, mas temos ainda a presença de Meryl Streep e Philip Seymour Hoffman, ambos impecáveis como sempre. Aliás, Meryl Streep, assim como Fernanda Montenegro, tem o poder de transformar qualquer história em algo imperdível. E é dessa maneira que A dúvida torna-se um desses filmes imperdíveis, tanto pelas suas qualidades estéticas quanto pelo seu poder de nos iluminar e de ampliar nossa visão sobre a existência humana.
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vale a pena conferir; os filmes podem ser encontrados facilmente em uma locadora de sua cidade.
Por Geraldo Lima: Escritor e poeta correntinense.