O ANTI-RURALISMO: MENTALIDADE ELITISTA
A nossa cultura valoriza o trabalho intelectual em detrimento do trabalho manual. Esta é uma herança do modo de produção escravista que persiste no sistema capitalista.
A idéia de trabalho manual é, na grande maioria das vezes, associada à falta de conhecimento, linguagem inculta, grosseria, agressividade, visão limitada da realidade, etc. Em contrapartida, o trabalho intelectual é visto como sinônimo de evolução (superioridade); é o oposto do trabalho manual. Desse pensamento nasce o anti-ruralismo, que é, sobretudo, a negação da origem rural da grande maioria dos brasileiros.
Ser trabalhador rural, ser camponês ou simplesmente “da roça”, nessa perspectiva, é reunir os atributos de quem exerce o trabalho manual. O mesmo já não acontece com quem é identificado como fazendeiro, empresário ou administrador rural que, sob o ponto de vista cultural, estariam no mesmo nível de quem exerce atividade intelectual; obviamente, não são tachados de camponeses ou “da roça”.
É muito comum vermos pessoas que emigram da zona rural para as cidades omitirem sua origem campesina, investindo na buscade uma nova identidade – passam a cultivar hábitos eminentemente urbanos, mudando completamente sua maneira de ser, sentir e agir. Existem, também, pessoas naturais de pequenas cidades que costumam se apresentar como sendo de uma outra cidade maior. Nesses comportamentos estão a essência do anti-ruralismo.
Certamente essa mentalidade elitista tem contribuído, ao longo dos tempos em nosso país, para que os governantes ignorem o meio rural e vejam a Reforma Agrária apenas como uma política de assistência social e não de desenvolvimento. O meio urbano passou a ser considerado sinônimo de desenvolvimento, o que estabelece uma hierarquia entre o urbano e o rural. Há casos de pessoas que nasceram ou que emigraram para grandes cidades e que se gabam disto mesmo ali vivendo em condições subumanas. É como se buscassem uma compensação para suas agruras, tentando convencer, a si mesmas e aos outros, que gozam de status superior a quem vive em cidades pequenas ou no meio rural.
É com essa mesma idéia que se valoriza de forma exagerada o que vem de fora, conforme nos mostra o velho adágio: “santo de casa não faz milagre” – quando se refere ao que vem de países considerados desenvolvidos essa valorização se potencia. A freqüente adoção de prenomes estrangeiros para os filhos bem como de nomes estrangeiros para estabelecimentos comerciais nacionais, em grande parte, é reflexo dessa mentalidade.
Nos últimos tempos tem-se falado muito em se conter o êxodo rural, em fixar o homem no campo. Entretanto, pouco se poderá fazer para isto se não houver uma nova mentalidade acerca do que é ser homem do campo.
Quem vive na cidade terá que se conscientizar de que o camponês que fala uma linguagem dita “inculta”, que se veste em desacordo com a moda e que se mostra assustado e inadaptado à agitação do meio urbano, possui um mundo do qual tem completo domínio e conhecimento; outrossim, o próprio camponês terá que se conscientizar do seu valor como pessoa, como cidadão e como trabalhador.
Na cidade, o homem do campo se sente como um peixe fora d’água, porém, lá na roça o citadino, via de regra, é quem se sente assim. O ideal é que ambos se adaptem plenamente a esses dois mundos (o urbano e o rural) e os valorizem sem hierarquizá-los.