No cool da cultura 1
Não precisamos mais de definições, mesmo que o sujeito se defina como indefinido, quando não sabe definir ou indefinir ele diz que é cool. Assim não se passa por burro e acaba não definindo nada. Não corre o risco de definir e ser chamado de uncool. Cool pode ser tudo: eu, você, nós, vós e eles. No narcisismo e individualismo que nos cerca, é preferível que eu seja cool e você uncool. Diz que existe um jazz cool, dizem que a bossa nova é cool, que o roquinho que muitos adolescentes fazem é cool, existe até arrocha, funk e axé cool! Então tá: vivemos em um mundo cool.
Como não poderia deixar de ser, a cultura hoje em dia também é cool. Lembremos que o conceito de cultura é amplo e rende pano pra manga. Pelejar sobre esse conceito rende inflamados discursos e intermináveis algaravias. Diz que cultura pode ser tudo, desde os templos da Igreja Universal ao hábito despudorado de botar o pau pra fora e mijar nas calçadas. Voltando ao conceito de cool: o Office 2007 acabou de me corrigir. Escrevi mijar e ele sublinhou de vermelho, sugerindo uma palavra mais cool: urinar. Mas eu quero ir pro inferno (aquele tragicômico criado pela Igreja) então escrevi mijar mesmo. Escrever errado na internet também é um traço cultural, como falar alto ao celular, assistir a telenovelas, deixar a TV ligada apenas por hábito para espantar a solidão, tomar cerveja, mesmo que você não goste da bebida, ler pouco, falar errado, as procissões, o chamado sincretismo religioso, se é que existe mesmo, e até essa dúvida em saber se existe mesmo ou não um sincretismo religioso no Brasil pode ser um traço cultural. É um caldeirão, um bolo doido. Sabemos de sobejo que não sabemos nada! Então muita gente confunde o conceito de arte com o de cultura. O conceito de cultura é maior que o de arte. Contém e não contém, lembra? Eu creio que outro traço cultural é o fato de os gestores da cultura do país, estados e municípios nada entenderem dela. Batem-se feito peixe fora d’água. Afogam-se com oxigênio. É uma confusão danada! Ou entendem, mas precisam manter o status quo do sistema, da burrocracia e do empobrecimento mental de todos nós.
Na parte que me toca, o teatro, é fundamental que esse tipo de imitação permaneça assim, artesanal, feita para poucos, um das poucas figurinhas premiadas nos milhões de possibilidades. É fundamental que a arte teatral para essa gente continue sendo desse jeito, assim a manipulação e o empobrecimento cultural, social e mental do povo (nós) continue a todo vapor. Fazemos arte para as classes privilegiadas, por motivos econômicos ou por causa de nossa cultura. As políticas públicas continuam pífias. Não sei falar de editais, de percentuais, de balcões, de panelinhas, sei que no fim das contas as pessoas continuam sendo privadas dos bens essenciais como a arte, a meu ver tão importante quanto a saúde e a educação. Para dizer a verdade arte e educação caminham lado a lado. A saúde vem de roldão. Mas os gestores públicos, ratos de esgoto, sendo bem injusto com os ratos, pois eles têm uma função, os gestores públicos calhordas preferem manter a superficialidade cotidiana. A sofreguidão das coisas mornas, as pessoas como zumbis na frente da televisão assistindo aos noticiários meia boca e as telenovelas com seus diálogos rasos; os programas dominicais escolhidos com o dedo sujo de bosta; os filmes comerciais dos grandes cinemas do mundo plex; as frases tolas do twitter ou as perguntas vazias do formspring; o mais novo velho aparelho celular; a mais nova velha promoção; a mais nova velha saga literária que vira saga cinematográfica; o mais novo velho pedófilo acima de qualquer suspeita; o mais novo jogador de futebol estrela em ascensão e símbolo sexual; a mais nova velha celebridade; a mais nova velha capa de revista com sua mais nova velha buceta e mais nova velha bunda; a mais nova revelação gay; o mais novo velho toque de celular; o mais novo velho recurso do Orkut; o mais novo velho programa polêmico que traz a verdade nua e crua do subúrbio; o mais novo velho traficante dono das bocas daquela cidade; o mais novo velho prefeito imoral, idiota e corrupto. E por aí vamos.
A bem dizer da verdade, e seguindo o conceito do inconsciente popular, a verdadeira arte e a verdadeira cultura são uncool. Porque tem o poder de transformação, porque se aprofunda, vai ao fundo do caldeirão, porque modifica e como diz o Zé Celso, sobre o teatro, descoloniza o corpo já colonizado. Cool é o mundo que vivemos, é o nosso cotidiano pobre e medíocre. E vamos que vamos.